by Jan Saudek |
EM BELÉM, DEZESSETE HORAS
É o fim da queda. Perseguição
vulgar. Três policiais. Acho que matei alguém.
Subo a Riachuelo, dobro para a
direita e corro por entre os transeuntes do calçadão da úmida, suada Presidente
Vargas, atropelo mulheres e crianças primeiro, depois o Tiozinho do jornal, a
Tia do café completo; escorrego num plástico de DVD pirata ao atravessar a
Carlos Gomes - o Grand Hotel ficava por aqui. Contemplo os olhares curiosos das
moscas enquanto sou linchado pelos taxistas, marreteiros. Não sei porquê,
procuro por saias e calcinhas, bucetinhas raspadas (soy infeliz). Delegado
Eráclito:
- Fica aí onde tá, moleque.
Dispersando, porra! Sargento Aloísio!
- Aqui, doutor.
- Chama aqui o Vila e o Castro e
distribui uma porradas da moda pro transeunte que insistir em chegar perto.
- É esse o elemento, Doutor?
- Verei. Mas se correu, deve ter
história pra contar.
Doutor Iraque, digo, Eráclito,
aproxima-se de mim, olha de cima para baixo meu avesso de gente.
- Não devia ter corrido, cidadão.
Acabou pra ti. Pode recolher!
Sou apanhado, levado para a
Seccional do Comércio, são e salvo - ainda existem trilhos de bonde por lá; o
Cine Palácio foi vendido para uma igreja evangélica; adeus Campina, adeus.
O PARÁGRAFO D
Delegacia. Não sinto os ferimentos,
apenas frio. Entram o Delegado e os outros policiais que me trouxeram.
- O negócio é o seguinte, rapaz.
Comigo não tem choro, não tem reza, não tem porra nenhuma. Porrada e cadeia
existem para o bem da sociedade.
Ele para e sorri, surpreendido
consigo. Olha para os outros.
- Anota essa Aloísio. Quero ver o
Bocage me chamar de analfabeto de novo. (...) Concordam comigo senhores?
Vila e Aloísio respondem ao mesmo
tempo.
- Positivo.
Castro responde enquanto carrega o
revolver, alheio.
- A porrada compra até o culpa
verdadeira.
Doutor Iraque, digo, Eráclito, pega
o telefone e chama dona Zica, a copeira.
- Ô Moabita, chama a dona Zica aqui
com o meu remédio e uma água sem gás. Mas escuta, diz pra ela que dessa vez é
uma pedra só, ouviu? Que da última vez eu amanheci cagando fino. (...) Bom,
como é fim de turno... Vocês bebem o que?
- Uma devassa véu de noiva.
- E uma Devassa aqui pros
colaboradores. Quatro copos que o artista vai beber também. (...) Paid’égua
essa de cerveja, ainda vejo vocês barrigudos por aí. (...) Quem tem cigarro?
- Serve Derby, “Seu” Iraque?
- Eráclito pequeno, E é Doutor,
percebeu? (...) Não fumo mais mata rato. (...) Tá certo. Tua situação é difícil
garoto: Fuga, posse de entorpecente, armado e não podemos esquecer, é claro, do
tremendo presunto estirado lá na cama. (...) Já foi preso antes, meu filho?
- Não, nunca.
Entra Doutor Bocage, transpirante,
visivelmente exausto, enxugando a testa com um lenço Entra acompanhado de sua
assistente evangélica, Dona Aldenora.
- Porra Bocage, não vê que eu tô no
meio de uma ocorrência importante, um caso sério? (...) E aí, trouxe?
- Com licença excelentíssimo, me
permita adentrar na sua investigação para garantir os direitos civis desse
nosso candidato a presumido acusado. (...) tá na mão.
- Bom já que é assim. Sente-se, e
quem é essa moçoila?
- Ah, é uma menina que eu estou
criando pra uma audiência peculiar. Sua religião não permite certos assuntos.
Isso decora que é uma beleza: artigos, parágrafos. Parágrafo D, então, essa
aqui até ensina.
- É mesmo, é? (...) Daqui a pouco a
gente conversa. (...) Porra, Bocage! Tá de sacanagem com a minha pessoa? Aqui
não tem nem uma onça, nem uma onça!
CONTINUA...