terça-feira, 21 de abril de 2020

CONFISSÕES DE UMA AGENTE FUNERÁRIA

CONFISSÕES DE UMA AGENTE FUNERÁRIA
Deixar de existir é, sem dúvida alguma, uma das coisas que o ser humano mais teme em toda sua vida, e em todas as épocas. Pois, ao nos acharmos os seres mais “fodões” da criação, passamos a ter dificuldades para aceitar que o mundo possa existir sem nossa magnífica presença, sendo extremamente frustrante para o orgulho humano, saber que, sim, o mundo passará muito bem depois que morrermos, e talvez até melhor. A outra coisa que o ser humano teme muito, é a dor e o sofrimento. Por isso não é se surpreender que a morte seja aquilo que o ser humano mais teme, em todas as época, já que a morte uni, em si, esses dois grandes temores humanos: a dor e a não existência. E quando falamos da morte também está incluído o sofrimento pela perda de pessoa queridas.

Outra característica frustrante da morte para os seres humanos: é saber que ela não depende da nossa vontade. Você pode estar acostumado em mandar no garçom, em seu computador, em seu cachorro, em seu empregado e em seu corpo… Mas com a morte, nanananão… não é assim que as coisas funcionam, queridão. Você pode espernear, chorar, se lamentar, se esconder, que, cedo ou tarde, ela vem, por mais que você não queira; lhe cabendo apenas antecipar ou não sua vinda.

Ironicamente, foi necessário que o nosso cérebro se desenvolvesse por milhares de anos, gerando nossa inteligência, para que o ser humano fosse capaz de perceber que um dia sua vida chegará ao fim. (Né sacanagem?). E ao descobrir isso, o que fez este ser tão inteligente, que se acha o “pica das galáxias”? Respondo: Tenta, por todos os meios, negar que a morte existe, ignorando-a. E todo uma grande rede de indústrias surgiu para dar ao ser humano o suporte para a ilusão de que a morte não existe. Todo ano estas indústrias ganham bilhões de dólares, produzindo livros de autoajuda com os títulos: “Como Ser Jovem para Sempre”, ou profissionais que prometem a seus fregueses a retardar a velhice, por meio de polivitaminas, cirurgias plásticas, alimentação natural, ou ainda a última novidade em produtos de maquiagem.



Contrariando esta tendência de fugir da morte a escritora Caitlin Doughty, autora do livro Confissões do Crematório, nos diz, em seu livro, que a morte sempre lhe causou fascínio desde que, com a idade de 8 anos, viu uma garotinha cair de um andar do shopping onde se encontrava.
Vi com o canto do olho uma garotinha subir para o local onde a escada rolante encontrava a grade do segundo andar. Enquanto eu olhava, ela passou por cima da grade e despencou dez metros, caindo de cara em uma bancada laminada com um baque horrível. “Meu bebê! Não, meu bebê!”, gritava a mãe dela, descendo pela escada rolante, empurrando violentamente as pessoas para o lado enquanto uma multidão se formava. Até hoje, nunca ouvi nada tão de outro mundo quanto os gritos daquela mulher. Meus joelhos falharam, e olhei para onde meu pai estava, mas ele sumiu com a multidão. Onde antes ele estava, só havia o banco vazio agora. Aquele baque, o barulho do corpo da garota batendo no laminado, se repetiria na minha mente sem parar, um baque surdo atrás do outro.
Ela conta que este fato gerou um trauma nela que ela só se livrou dele quando passou a encarar a morte diretamente. Sabe como? Trabalhando em um crematório.

Caitlin passou a preparar cadáveres para funerais, maquiando-os, lavando-os, barbeando-os, guardando-os no refrigerador, transportando-os de seus locais de morte para o necrotério do crematório, e também preparando o forno crematório, cremando os cadáveres, triturando seus ossos queimados e guardando-os juntos com as cinzas em urnas funerárias.



Em seu livro Caitlin relata suas experiências com cadáveres (como a primeira vez que teve que preparar um corpo para o velório, barbeando-o e lavando-o), relata os procedimentos usados durante o embalsamamento, truques que as funerárias usam para manter os cadáveres de boca e olhos fechados, a dificuldade de vestir corpos com princípio de decomposição, e até tenta descrever ao leitor, usando coisas do dia a dia, como é o cheiro do fedor pútrido de um cadáver em decomposição, misturando tudo isso com reflexões sobre a morte, e um pouco de detalhes de como o ser humano vem lidando com a morte desde antes de Cristo até aos nossos dias, nas mais variadas culturas e povos.
Em uma tarde, Chris e eu saímos do crematório na van branca e fomos até Berkeley pegar Therese Vaughn. Therese morreu na cama aos 102 anos. Ela nasceu quando ainda faltavam anos para a Primeira Guerra Mundial — a Primeira Guerra Mundial! Depois de voltar à Westwind e colocar o corpo dela no refrigerador, cremei um bebê recém-nascido que viveu apenas três horas e seis minutos. Depois da cremação, as cinzas de Therese e as cinzas do bebê eram idênticas em aparência, ainda que não em quantidade.
A autora também conta histórias bizarras acontecidas com ela no crematório, como o dia em que foi cremar o corpo de uma mulher obesa, em que a gordura do cadáver transbordou do forno, caindo no chão do crematório, lhe obrigando a apará-la em baldes e baldes, cheios de gordura humana, fazendo sujar sua roupa com o líquido grosso, cadavérico.



Mas a coisa que talvez mais chame atenção em seu livro, seja o seu ideal de lutar contra a indústria da morte, que distancia o ser humano de seu destino fatal, com a promessa de fazer com que cadáveres estejam tão bem preparados e maquiados, que deixam a impressão de que não estão mortos --- o que não é verdade, já que muitas vezes são usados tantos produtos, que o cadáver se tornam com aparência de um manequim.

Para Caitlin Doughty, mais uma vez, esta estratégia pertence a cultura de negar a morte; em alguns casos se tornou até popular o velório sem corpo presente. É que para ela a ideia de que um dia nós iremos morrer, nos orienta a viver melhor, a gastar o tempo que resta de nossas vidas com coisas que são realmente importantes, que valha realmente a pena, e, que ao sabermos que nosso tempo de vida se esgota, também nos leva a realizarmos logo nossos planos de vida, enquanto a cultura da ilusão, nos leva a procurar inutilmente uma juventude que não existe mais, a sermos tapeados, levando as  pessoas a desperdiçar o tempo que lhes resta com coisas fúteis e desnecessárias, levando também ao desgaste psicológico de não aceitar o envelhecimento, ou a própria morte.
Os cadáveres mantêm os vivos presos à realidade. Eu tinha vivido toda a minha existência até começar a trabalhar na Westwind relativamente distante de mortos. Agora, eu tinha acesso a montes deles, empilhados no freezer do crematório. Eles me obrigavam a encarar minha própria morte e a morte dos meus entes queridos. Por mais que a tecnologia possa ter se tornado nossa mestra, precisamos apenas de um cadáver humano para puxar a âncora do barco e nos levar de volta para o conhecimento firme de que somos animais glorificados que comem, cagam e estão fadados a morrer. Não somos nada mais do que futuros cadáveres.


Caitlin Doughty, mesmo sendo ateia e não acreditando em nenhuma possibilidade de vida após a morte, tem como objetivo trazer para o presente costumes funerários do passado, em que familiares teriam maior contato com seus entes queridos falecidos, podendo banhá-los, arrumá-los, demonstrar seu último carinho e respeito a alguém que lhes foi tão importante, em vez de deixarem tudo nas mãos de agentes funerários. Caitlin também enveredou por formas modernas de sepultamento que evitaria o embalsamamento e substâncias químicas que poluem o solo, e que impede que a decomposição seja um processo natural e benévolo para plantas e insetos, gerando outras formas de vida. Segundo ela, um sepultamento natural seria uma forma de devolver à natureza aquilo que tiramos dela durante nossa existência. Estes processos naturais aceleram a absorção do cadáver pela natureza, como a criação de uma espécie de mortalha compostas de fungo que revestiriam o cadáver facilitando que os fungos se alimentassem deste, renovando o solo.

Confissões do Crematório, é um livro de descrições e pensamentos fortes, que pode chocar, mas conta com a boa e bem humorada escrita de sua autora, que suaviza muito o tema da morte. Mas morte é morte, e uma escrita divertida aplicada a tal tema é como adoçar com açúcar um remédio amargo e intragável, que mesmo com toda o açúcar do mundo, sempre deixará um gosto amargo no final.
  

quarta-feira, 8 de abril de 2020

RELATO DO LEITOR: A Chave Sumiu e Reapareceu de Forma Inexplicável (por Bosco Silva)


A CHAVE SUMIU E REAPARECEU DE FORMA INEXPLICÁVEL (POR BOSCO SILVA)
Todo mundo tem alguma história para contar de objetos que somem e reaparecem de forma inexplicável. São experiência que nos deixam inculcados e mergulhados em dúvidas, em que você é capaz de jurar que deixou determinado objeto em algum lugar e, ao procurá-lo, novamente, o encontra em outro lugar não apenas longe, mas em um lugar de difícil acesso. Ficando a pergunta: “Como isso foi parar aí?”. E torna-se mais misterioso ainda quando você está sozinho. E um desses fatos aconteceu comigo.

Naquela manhã, o telefone já devia estar tocando há alguns minutos quando fui, cambaleando de sono, atendê-lo. Do outro lado da linha, minha tia me dizia que seu irmão acabara de falecer. O choque da surpresa fez meu sono passar instantaneamente. Fui para um dos quartos de minha casa, o qual estava fechado com a chave para o lado de fora da porta, para pegar uma caneta para anotar algo. Ao sair do quarto, na hora de fechar a porta, noto que a chave não se encontrava na mesma. Procuro-a na sala, no corredor, na cozinha, etc. Volto novamente para o mesmo quarto. Procuro-a debaixo da cama, ao redor da mesma, em cima das prateleiras, etc. Não a encontro. Olho para o criado-mudo ao lado da cama e vejo um papel dobrado, cuidadosamente, em forma de quadrado, que chama minha atenção. Pego-o, desdobro-o, lentamente... E qual não foi minha surpresa ao descobrir que a chave se encontrava cuidadosamente embrulhada no mesmo papel! Sim, lá estava a única chave. Teria eu mesmo feito aquilo, e não me lembrava? Mas como eu não lembraria se teria tido todo o dispendioso tempo de embrulhar cuidadosamente o papel? Eu, hein!

E aí, você tem uma história dessas para contar? Mande para o BORNAL.