Com
8 votos a favor e 2 contra, ministros do Supremo Tribunal Federal decidem a
favor da interrupção da gravidez nos casos de fetos anencéfalos. Em outras
palavras, o aborto nesse caso deixa de ser crime.
Fetos
anencéfalos são fetos que não possuem cérebro. O que torna a vida extra-uterina
para esses bebês inviável, causando inutilmente a suas mães perigos de saúde e
traumas psicológicos já que a mulher passa a se afeiçoar de uma criatura que
viverá apenas alguns minutos após o parto ou, muito excepcionalmente, alguns
meses de uma vida vegetativa mantida por aparelhos.
Esta
decisão, em termos de Brasil, país onde a religião ainda possui um grande peso,
é um avanço da racionalidade contra o misticismo vazio, da emotividade sem
fundo prático, da tradição não crítica e retrógrada etc. É uma vitória antes de
tudo do chamado estado laico, um dos grandes pilares da democracia, que afirma
que o estado deve ser neutro em relação a questões religiosas, não apoiando nem
se opondo a nenhuma religião. Gerando, por sua vez, livre culto a todas as
formas de religiosidade ou de pensamento, e assim evitando mazelas do passado,
como as perseguições religiosas. Porém, infelizmente, vemos que, como todas as
decisões que tocam em questões de cunho religioso, muitos grupos religiosos, mais
uma vez, tentam forçar uma regressão ao passado se opondo a decisões
importantíssimas que afetam a saúde de muitos. E assim como se opõem ao uso de
células-tronco na recuperação de doentes ou a campanhas em favor do uso de
preservativo na luta contra a AIDS, seria de esperar que a discriminação do
aborto de fetos anencéfalos fosse tomada com protestos, mesmo que nos últimos
anos avanços tecnológicos permitam exames precisos para este tipo de
malformação fetal e que seja cada vez mais evidente para muitos que ninguém
vive sem um cérebro. (Embora muitos religiosos certamente discordem disso,
argumentando que a consciência se encontra em outra parte do corpo, talvez no
pé ou no coração, para defenderem tal posição).
Parece
que para estes grupos seria agradável viver em um país em que sua mentalidade
se situasse na idade média, como em muitos países árabes em que ainda vigora os
estados que tem como base a religião por princípio, como as teocracias
islâmicas dos países mulçumanos em que, por princípios religiosos, fazem, assim
como na idade média, das mulheres suas principais vítimas, levando muitas, em
pleno século XXI, a serem condenadas ao apedrejamento público em caso de
adultério, ou tolhendo devotos de religiões rivais com a violência.
Todavia,
é preciso lembrar que a descriminalização do aborto em casos de anencefalia,
como todo direito, não é uma imposição, mas dá a mulher o direito de escolher
manter ou não a gravidez, ou seja, não irá contrariar nenhuma mulher com
relação a suas crenças religiosas, permitindo que tomem suas decisões com base
apenas em sua vontade. Pena que muitos religiosos não veem isso.
Contudo,
não deixa de ser surpreendente que em pleno século XXI ainda haja pessoas que,
baseadas em conceitos e ideias religiosas, como as de alma - ideias que jamais
são comprovadas e que possuem tantas interpretações quanto queira a moda do dia
ou da TV -, se acham do direto de influir nas decisões de outras pessoas,
forçando-as a tomarem atitude e viverem conforme o que estas definem como o que
seria o melhor modo, trazendo risco a saúde física e psicológica destas. Obrigando
muitas mulheres a se arriscarem a procedimentos não confiáveis e inseguros de
interromper gravidez. O que não deixa de ser contraditório já que são também estas
mesmas pessoas que, baseadas em seus conceitos religiosos, afirmam que todos
possuem o livre arbítrio, o poder de tomar decisões por si próprias, mas quando
se trata de decisões tomadas por outros a respeito de sua sexualidade são
imediatamente tolhidos e condenados à execração pública. A impressão que dá é
que, para estes grupos, todos são livres desde que sigam sempre o que é
unicamente ditado por eles. Mas que bela noção de liberdade, não é mesmo!
Em
suma, de minha parte creio que todos temos o direito de acreditar no que
quisermos, em deus, com seus milhares de tipos, espíritos, duendes, saci Pererê,
em papai noel, em ideologias políticas etc., mas guarde para você suas ideias,
não obrigue ninguém a viver conforme suas crenças. Respeite o modo de agir e
pensar alheios, e só interfira se caso seus direitos forem ofendidos. E se, de
modo geral, você é contra o aborto, então ótimo. Não faça um. Mas não obrigue
uma mulher que, por qualquer que seja o seu motivo, a abortar numa clinica
clandestina sofrendo infinitos riscos. Deixe que esta decisão seja tomada
livremente por ela e que esta usufrua de seus direitos e que cada um seja
plenamente responsável por seus atos.
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