quarta-feira, 27 de março de 2013

PERDÃO, AMIGO (de Thiago de Moraes)

George Brassaï

Miguel recebe uma carta de um amigo (Batista) do passado marcando um encontro em um bar, se despede de sua esposa Iolanda que está dormindo na cama e segue para o encontro.
No bar, Batista está fumando um cigarro sentado em uma mesa com uma garrafa de cerveja e dois copos sendo um vazio.  Uma maleta preta está no chão ao lado da cadeira e um casal está conversando em uma mesa próxima.
Miguel entra no bar e segue em direção ao velho amigo. Batista esboça um leve sorriso, levanta. Os dois ficam frente a frente e num gesto rápido Batista abraça Miguel e diz: Obrigado por vir amigo.
Os dois sentam, Batista enche o copo mas deixa o de Miguel vazio, este percebe a falha mas não comenta, apenas olha para o copo.
Batista olha triste para Miguel: Perdão, amigo.
Batista baixa a cabeça para não olhar Miguel nos olhos.
Miguel: Perdão por quê?
Batista: Carrego comigo o que antes era uma grande alegria e hoje em dia é um imenso pesar.
Miguel: Faz muito tempo que não nos falamos, o que aconteceu com você?
Batista: Como disse, fui vítima de uma grande alegria. Conheci uma mulher.
Miguel: Vítima? Porque vítima?  
Batista: Não me interrompa!
Batista bate com as mãos fechadas na mesa.
O casal próximo se espanta.
Miguel também se espanta,  mas não diz nada.
Batista bebe toda a cerveja do copo e enche novamente e o copo de Miguel continua vazio.
Batista: Perdão, amigo.
Miguel apenas observa.
Batista com um leve sorriso: Ela é linda, a mulher mais linda que já vi na vida. Um rosto perfeito com traços delicados, uma boca desenhada, perfeita, sabe, e olhos...ah os olhos...me perdi no infinito daqueles olhos.
Miguel acende um cigarro.
Miguel diz apagando o fósforo: Ela deve ser linda mesmo.
Batista: Como o mais belo dos anjos jamais será. Me perdi amigo, me perdi naquela mulher...por isso que sou vítima dessa alegria, antes de conhecê-la não existia razão nenhuma em minha vida. Como uma sombra vagando sem corpo, porque isso nos acontece? Talvez seja por isso que existimos, somos meros bobos da corte onde um rei barbudo e gordo se entope de vinho despejando em nós todo tipo  de desgraça para seu divertimento. Fica ali, em seu trono, apático, esperando...e a o chegar o ápice da ópera...ele...ri.
Batista levanta o copo e olha em seu interior e depois para Miguel.
Batista: É justo meu amigo?
Miguel  em tom irônico: Você me chamou para me falar de uma mulher que te faz sofrer? Não é a primeira vez e nem a última que isso acontecerá com um homem.
Batista se irrita e grita: NÃO ZOMBE DE MIM MIGUEL!!!
Copo da mesa do casal próximo cai no chão e quebra.
Casal próximo olha assustado para a mesa de Batista.
Batista: Desculpe...desculpe.    
Miguel: O que aconteceu depois?
Batista: O que aconteceu? Ela se casou meu amigo. E não tive a coragem para lhe dizer o que sentia, ou melhor, para que ela pelo menos soubesse que existo. Sou um fantasma para a mulher que amo...um fantasma...Não sou nem isso...
Miguel: Por que me chamou aqui?
Batista: Para lhe pedir perdão...perdão.
Batista arrasta a maleta na direção de Miguel.
Miguel impaciente: Perdão pelo que? Me diga logo homem.
Batista: Perdão pelo que irei fazer,  pois não agüento mais o pesar de amar a esposa de meu amigo.
Miguel fica espantado.
Miguel: Como? Mas que história é essa?
Batista: No seu casamento amigo, não tive coragem de entrar na igreja pois ao chegar vi aquela mulher,  Iolanda. Ela sorriu para mim...e foi como...como se um raio tivesse me atravessado naquele momento. Fiquei sem ar, sem pulso, sem nada, então corri...corri para longe daquele lugar. Mas aquela visão continuou a me atormentar e me assombra até hoje. Chamei você aqui porque tomei uma decisão...a mais difícil de minha vida.
Batista se levanta e saca uma arma e aponta para Miguel.
Batista: Perdão, amigo.
Miguel se levanta espantado: Batista Nã...
O tiro.
Miguel está paralisado e coberto de sangue.
Batista está sentado na cadeira com um tiro na cabeça.
As pessoas correm assustadas.
O Barmam se aproxima.
A imagem de Iolanda deitada na cama vem à mente de Miguel.
Miguel se levanta e esbarra na maleta.
Está perplexo e não entende o que aconteceu.
Miguel pega a maleta e sai do bar seguido por uma mulher aos prantos.
Miguel entra no carro, limpa o sangue do rosto e olha a maleta no banco do carona.
Miguel abre a maleta. Existe um papel dentro escrito: Perdão, amigo.
Três bip´s, a bomba explode.
Iolanda deitada na cama abre os olhos.

terça-feira, 26 de março de 2013

CANÇÕES NÃO BASTARÃO (de Haroldo Brandão)



O beijo que não foi dado nas esquinas do mundo
E toda a conveniência para o que não dá mais pé
Um convite ao descartável tabaco

Aonde templos de consumo se solidificam
Em rituais para o Deus dinheiro
Como sair desta maré?

Creme dental, burgs, sorvetes, diazepínicos, álcool e estimulantes
Refazendo o mesmo paraíso baudelairiano de séculos e séculos

Um choro que não se ouvirá mais
As mais belas canções não bastarão
Como um lamento do melhor blues
Vibrando como veneno em meu sangue
                 
Se toda a negação gerar poesia
Então valeu a pena ter te encontrado
Com todo o meu amor esparramado em teu colo


sábado, 23 de março de 2013

O CELULAR (de Bosco Silva)

    
    Poucos aparelhos refletem tanto a personalidade de seu possuidor quanto o aparelho celular. Num encontro de bar lá está ele, demonstrando que seu dono está entediado com a conversa já que este está a tanto tempo grudado, digitando ou consultando-o sonolentamente. Enquanto outros demonstram sua total indiferença aos outros, como no vídeo-teste abaixo.



terça-feira, 12 de março de 2013

CORTININHA DE FILÓ (de Haroldo Maranhão)



Para mim prima é mesmo que irmã, a gente respeita, mas Bela, sei lá!, tinha uns rompantes que até me assustavam. Naquela noite, por exemplo. Eu me embalava distraidíssimo na rede. Desde menino que durmo pouco, a Bela estava careca de saber e quando menos espero quem é vejo diante de mim? A Bela. A Bela dormia de pijama, minha tia achava camisão indecente, que pijama protege, a menina pode se mexer à vontade, frioleiras de velha. Pois a Bela me aparece apenasmente de blusa de pijama! Não entendi, francamente. e se não estivesse como estava acordado, poderia até imaginar que sonhava: a Bela ali de pijama decepado. Só para provocar como me provocou, que logo fiquei agitadíssimo, me virando e revirando na rede, e a Bela feita uma estátua, nem uma palavra dizia, à espera eu acho de atitude minha, mas cadê coragem?, que conforme disse prima é irmã, e de irmã não se olha coxa, não se olha bunda, irmã pode ficar pelada que a gente nem enxerga peitinho, cabelinho, nada. A danada da Bela sabia muitíssimo bem o que estava fazendo, que chegou um ponto que não suportei semelhante sofrimento, a dois metros da dona de um corpo fantástico. Me levantei da rede e me senti empurrado para os braços da Bela, que sem mais aquela me estrangulou que nem apuizeiro, e hoje penso que ela só esperava mesmo que me levantasse da rede, porque tudo o mais foi com ela, começando por me levar pelo escuro como guia de cego e sem nenhuma-nenhuma cerimônia deitou-se comigo na cama, que depois é que eu soube que os titios tinham saído, a gente estava só em casa e eu bestando na rede, quando bem podia estar há tempos naquele céu.
A única coisa que fiz mesmo foi tirar a blusa do pijama dela e mais nada, que ela cuidou do resto, professora ,mais que escolada, e para começar espetou-me com os peitinhos num abraço que quase me mata. A Bela tinha prática, um fogo tremendo. E começou a maior das confusões, eu nuínho também, que nem sabia o que era minha perna e perna da Bela, as mãos da Bela me amassando a ponto de deixar em carne viva o meu bilu-bilu, que parece que ela estava com raiva do meu bilu-bilu, mas não era raiva e sim uma aflição que deu de repente na diaba da minha prima, que queria fazer tudo ao mesmo tempo, mas tinha só duas mãos, pegava no meu troço, largava, pegava de novo, se esfregava e parava de se esfregar. Agora vejo que não era prática coisíssima nenhuma da Bela, mas uma comichão que se alastrava lá nela. De repente parou, a respiração cortada em miudinhos, dando a impressão de que tinha brincado a tarde toda de juju. E eu, lógico, parei também e ficamos feitos dois patetas, olhando o teto, quer dizer, a Bela é que olhava o teto, que eu não sabia se tínhamos terminado, se me vestia e ia embora para a rede. Nós estávamos colados, braços, coxas e pernas, de alto a baixo, parece que eu estava com uma febre de quarenta graus ou mais. Me sentia ótimo, ela podia olhar o teto o resto da vida e aí eu fechei os olhos e flutuava lele-leve, não sentia nada por baixo de mim, é como se estivesse voando, fora da cama, como se por baixo não houvesse coisa sólida, só ar. Foi quando a Bela virou-se para mim e começou a passar as unhas pela barriga me causando uma friagem e umas cócegas e pegou desta vez com uma delicadeza que até me espantou, o meu negócio inchadíssimo, parecendo que tinha sido picado por um enxame de cabas. Ela olhava para ele de muito perto, virava e revirava o cartuchinho de carne, um picolé quente, que não derretia. Percebi indecisão na Bela. E então falou a única palavra naquela noite, uma palavra só, palavra de três letras, que eu morro e não esqueço essa palavra:
“Vem!”
Ora, a Bela tinha cada uma! "Vem." Ir aonde se eu estava ali? Ela falou "vem" muito, muito delicadamente, me puxou e eu tudo deixava, deixei, fui deixando, a Bela pelo visto sabia muito bem o que estava querendo. “Vem." Ela me guiou que eu não sabia nem a décima parte da missa, às vezes se .impacientava com a minha santa burrice e para a Bela deve ter sido um trabalho dos seiscentos, mas ela insistia e insistia, acabou me botando de bruços por cima dela. Aí abriu as pernas e eu fiquei feito um bobo naquele espação sem saber o que fazer. A Bela fez tudo, tudo,.e gemia como se doesse e devia doer. Foi quando percebi que uma cortina de papel se rasgava e eu entrei por um corredorzinho ensopado. Aí deu nela um nervoso, sei lá o que foi!, ela me empurrou, me expulsando com raiva, eu mais que depressa saí, que não era nada besta de contrariar a Bela. Então percebi uma bruta mancha no lençol. O lençol tinha bem no centro um laguinho de sangue.

sexta-feira, 8 de março de 2013

DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES (de Bosco Silva)



Em pleno dia internacional das mulheres, um dia que marca a luta das mulheres por seus direitos, como educação e um salário digno, fica a reflexão que ainda há mulheres que são castigadas - algumas são mortas por apedrejamento ainda -, por sonharem em ter um mínimo de independência, enquanto outras, aproveitando a liberdade já adquirida, se esforçam para se expor ao máximo, ofendendo seu sexo e toda sua dignidade. Estas têm como ídolos as mulheres-melancias, as paniquetes, etc. Porém, como podemos ver no vídeo abaixo, ainda há esperanças.




PARABÉNS PARA TODAS AS MULHERES!!!

quinta-feira, 7 de março de 2013

A MARIPOSA (de Bosco Silva)



Angélica era assim: possuía olhos grandes, frios e foscos de insetos, como aquelas mariposas que contornam lâmpadas sempre pronta a roubar-lhe seu calor e sua luz. E a mim, não foi diferente...
Lembro-me que a conheci em uma noite chuvosa em que, como gatos, buscamos aquecermos em alguém, mesmo que esse alguém nada saiba disso.
Chegou a mim como uma aranha em busca de enrolar-me em suas imperceptíveis teias.
Sem dúvida era bela. Sua beleza tornava-se um chamariz para suas finas teias.
Pediu-me uma bebida. Conversamos. E em questão de minutos eu estava desesperadamente perdido por seus encantos. Levei-a para a intimidade de meu lar. Ali, cheirei-a pela primeira vez. Era tão bom, tão gostoso e viciante. Voltei outras noites para aquele lugar em busca de encontrá-la novamente. Até que isso se tornou uma rotina constante.
Nada mais me importava no mundo, apenas ela, sua doce presença. Angélica tornou-se minha companheira constante. Até que por fim abandonou-me: sugou-me tudo que podia levar consigo e partiu numa noite fria. Hoje, vejo-a a espreitar novos companheiros, em busca de roubar-lhe a luz e o brilho.