Duas vizinhas conversavam na Quadra
Catorze.
- Seu marido não te chupa, não? Ah, minha
filha... Você não conhece as coisa boa da vida. Antes do meu meter, tem que
cair de língua uma meia hora. E no cu? Você não deixa ele colocar no teu, não? Você
não sabe o que é bom. Nas primeiras vezes dói, mas depois vai que é uma beleza.
Você pega uma banana, esquenta ela um pouquinho, enfia na xereca e manda ele
colocar atrás. Parece que você vai voar. Você já fez carrossel? Saca-rolha?
Trenzinho? Funil? Dedinho? Meia nove? Tapadinho? Enrola-enrola? Entupidinho?
Suga-suga...?
A cearense decidiu: quando o marido
chegasse iria lhe propor as maravilhas do amor. Mas não deu certo, o marido,
além de não querer tal safadeza, ainda deu-lhe uma surra para ela parar de
pensar em putarias.
Seguro da proveniência de tamanho
descaramento, ele ainda a proibiu de conversar com as vizinhas. A cearense,
enquanto apanhava, pensava em arrumar um homem que fizesse as tais maravilhas
com ela, se vingaria do marido sentindo prazer de verdade, mas tinha que ser
com um crioulo, porque a vizinha garantira que todo negão tinha pau grande.
Quanto mais apanhava, mais vinha à mente a imagem de um negro com o pênis
avantajado mandando ver atrás e ela com a banana esquentada na frente.
No outro dia, não saiu de casa. Fez
compressas com erva de Santa Maria para curar os hematomas, passou abacate com
gema de ovo no cabelo para que ele tomasse jeito, emplastou o rosto de mel com
limão. Bom remédio para manchas, cravos e espinhas. O dia passava lento numa
trama de traição. Sim, iria meter com o peixeiro e isso seria mole, porque
homem é que nem rato: é só mostrar o queijinho que ele vem correndo. Poderia
vestir uma camisola vermelha e puxá-lo para dentro de casa na hora em que ele
fosse entregar o peixe, ou segui-lo até um local seguro para poder atacá-lo.
Quem sabe se um menino da rua lhe entregasse um bilhete, seria fácil se
soubesse seu endereço, chegaria em sua casa, antes de ele sair para o trabalho,
e o pegaria descansado ou então, se nada disso desse certo, chegaria pertinho
dele na próxima vez que o visse e diria: "Vem cá, pirocudo, bota aqui com
vontade!".
* * *
Depois de dois dias, ainda que com medo, o
peixeiro estava atrás da cearense mandando bala, e ela com a banana esquentada
em seu devido lugar.
O marido, depois do trabalho, ia à birosca
do Chupeta jogar sinuca e embriagar-se a cada bola morta num dos seis buracos
desta vida. Deixava a hora passar porque homem que é homem não pode chegar na
hora prometida, tem de chegar na hora que bem entender, com cheiro de cachaça
misturado ao de suor do trabalho pesado. Queria que a esposa fosse decente
igual fora sua mãe. Não admitia que ela ficasse de papo com as crioulas da rua,
proibiu-a de usar blusas decotadas e saias curtas, e calças compridas só se
fossem bem largas, de pano grosso para que ninguém visse as marcas da
calcinha.
A esposa não relaxou com os afazeres
domésticos, mas não ligava mais para o marido, agia friamente na hora daquele
sexo sem nenhuma novidade. Por duas vezes fingiu doença na hora do vamos ver.
Depois de alguns dias, resolveu tratar o marido normalmente, seguindo o
conselho da vizinha. Mostrou-se arrependida das indecências propostas. O
cearense sentiu-se vitorioso, finalmente a mulher compreendera que ele estava
certo. Passou a chegar em casa cedo.
No sábado seguinte, depois das compras,
levou a esposa ao parque de diversões. Comeram maçã do amor, pipoca doce, deram
tiro ao alvo, jogaram argolas e, ainda, andaram na roda-gigante. Tudo isso para
agradar a esposa, que. agora sim, parecia com sua mãe. No domingo, ao invés de
comprar a maldita carne de porco, de que ele tanto gostava e que ela odiava,
optou pela galinha, prato predileto da esposa que continuou a receber o
peixeiro todos os dias da semana.
Numa segunda-feira, o cearense, como de
costume, chegou ao trabalho cedo, já havia se trocado para o batente quando
recebeu a notícia de que não haveria expediente. Ainda bebeu uma dose com os
amigos antes de tomar o caminho de casa.
O peixeiro já havia feito a esposa do outro
atingir o orgasmo três vezes, estava se recuperando para começar tudo de
novo.
O trabalhador desembarcou do ônibus lá na frente.
Resolveu comprar uma dúzia de limões para passar o dia bebendo caipirinha,
tirando o gosto com sardinha frita. A maluca da sua mulher dera agora para
comer peixe como nunca. Se quisesse comer um torresmo ou uma linguiça frita
tinha de ir à birosca. Mas estava tudo bem, pois depois dos tabefes ela tinha
se tornado uma mulher de respeito. Era feliz.
Em sua casa, o peixeiro deixava a língua
escorregar, entrar e sair, hirimbolar na xereca da cearense. A primeira vez que
ela pediu para fazer sexo oral, ele contestou. Imaginava que havia resto de
porra do marido, gotas remanescentes da última mijada. Na segunda vez, caiu de
língua com mais vontade, chegou até a machucar a mulher. Na terceira vez,
esfregou o nariz, depois lambuzou o rosto todo. Daí em diante ficava ali
esfomeadamente.
O cearense passou em frente à Padaria Verde
e Rosa, fazendo e desfazendo sombras de pernas no caminho.
Acendeu um cigarro ao entrar na praça da
Quadra Vinte e Dois. Antes de atravessar a rua para ganhar a praça dos
Garimpeiros, parou para jogar conversa fora com uns amigos. Andou mais uma
quadra, avistou o muro de sua casa. Pensou em chamar a mulher para dar um
bordejo na ilha de Paquetá, mas não, seria melhor ficar em casa, esticar em sua
própria cama a soneca que costumava tirar depois do almoço em cima de uma
tábua, na obra. Entrou em sua rua, achou estranho o rádio desligado, pois
daquela distância poderia ouvir Cidinha Campos berrando no transmissor, ou
então sua mulher cantarolando junto com o rádio. Quando faltavam dois passos
para seu corpo ser envolvido pela sombra que o muro de sua casa dava àquela
hora da manhã, viu a desgraçada da vizinha olhando, pela greta da janela, a rua
desavisada. Remexeu o bolso à procura das chaves, seus dedos huliram a caixa de
fósforo, as moedas, o canivete e as fichas de telefone. Teve dificuldade de
rodar a chave no tambor, empurrou o portão de ferro vagarosamente. A janela da
frente estava fechada, assim como a porta e o basculante do banheiro. A areia e
as pedras que havia comprado estavam lá no canto esquerdo do quintal. No
chiqueiro, Margarida dormia na manhã que se estendia da caçarola sem alça até a
bacia furada. As galinhas estavam quietas nos poleiros, sinal de que já haviam
sido alimentadas. No pequeno jardim, os girassóis vergavam ao vento brando. O
cearense preocupou-se por causa do silêncio, sua mulher não era de dormir até
tarde. Foi para o lado esquerdo do quintal olhando para o chão. Acendeu outro
cigarro, caminhou para a porta de casa, enfiou a chave na fechadura, dessa vez
não teve nenhuma dificuldade em rodar o tambor. A cozinha mantinha-se sem
nenhuma louça suja. Na sala, um filete de luz solar desafiava a janela e fazia
o cearense ver uma reta de poeira boiando no espaço. A imagem de padre Cícero,
de frente para a porta, nada resmungava. O barulho da água caindo na caixa era
o único dentro da casa arrumada, com o cheiro de peixe destoando da limpeza que
seus olhos constatavam. O tapete cor de sangue pisado não estava no lugar de
costume, ajeitou-o mecanicamente com os pés. Caminhou para o quarto, viu a
esposa caída por cima da calça de tergal, que ele pedira para costurar,
fingindo sono profundo.
- Que que houve? - perguntou a cearense
depois de sacudida pelo marido.
Nosso encarregado dispensou nós hoje. O
engenheiro bateu as botas - respondeu o cearense, que, ao invés de preparar a caipirinha,
vestiu uma bermuda e foi para o quintal cavucar a terra.
- Você em vez de aproveitar para descansar
já vai arrumar trabalho, homem de Deus?
- Vou fazer uma cisterna aqui do lado. Essa
caixa-d'água é pequena demais pro meu gosto, se faltar água uma semana nós morre
de sede.
Lá pelas treze horas, já havia escavado
catorze palmos de terra. Resolveu parar o serviço, almoçar e tirar um cochilo.
A mulher aproveitou o dia remendando as roupas velhas. Volta e meia pensava:
"Depois que virou corno esse homem está que é um carneirinho".
A noite veio rápida.
* * *
Depois de molhar as plantas, a esposa foi
para o portão conversar com a vizinha, naquela nova manhã de sol largo no céu:
- Foi por pouco, hein?
- Ah... Mas Deus é pai, minha filha!
- Eu acho que ele está desconfiado. Quantas
vez ele já veio assim sem avisar?
- Só uma vez que deu uma dor aqui, lá nele
- apontava para o braço -, e um amigo dele veio trazer ele em casa.
- Foi Deus que te ajudou, se eu não vejo
ele no mercado, ele ia dar maior fraga em vocês... Se eu fosse você, eu ia
saber pra ter certeza.
- De que jeito?
- Vamo lá no terreiro da minha cunhada que
ela chama a pombagira pra você.
Saíram depois do almoço. Haveria de
resolver tudo sem demora, porque, às vezes, o cearense chegava antes das
cinco.
- Eta, moça formosa! Eu já sei tudo que
essa filha da terra quer saber... É só colocar presente pra mim na encruza, que
quanto mais você for com o outro ele mais acredita em você - a pombagira
afirmou e gargalhou em seguida. - O negócio da banana deu certo, hein, moça? -
continuava a pombagira. - O negócio tá bom lá, né? Aqui na terra de vocês o
melhor de tudo é fuder até dizer chega. Já que o de casa não sabe fazer
gostoso, teve que arrumar na rua, né, moça? - gargalhava. - Você compra tudo
que eu lhe mandar e coloca na encruzilhada à meia- noite...
- Mas eu não posso sair de noi...
- É só dar o zimbrador pro cambone que ele
compra tudo e faz o despacho pra você - finalizou a pombagira dando gargalhadas
e jogando marafo em cima da cearense.
No outro dia, a esposa não esperou meia
hora da saída do marido para ir atrás do peixeiro:
- Vamo lá pra casa. Agora eu me sinto
segura. Ontem a gente deu azar.
De imediato o peixeiro se contrapôs à
mulher, mas depois de ouvi-la montou-a na garupa da bicicleta e partiram para a
casa dela. A rua estava cheia de crianças em diversas brincadeiras e comadres
em fofocas matinais. A cearense não teve o mínimo pudor de adentrar o quintal
levando o peixeiro pela mão. Depois da cearense abrir a porta da casa, o
peixeiro tomou-a pelo braço e tascou-lhe um beijo quente. Alisava com fervor a
intimidade de seu corpo, ela fazia o mesmo, O amante já ia desabotoando-lhe a
blusa quando recebeu a paulada que o levou ao chão.
Antes que a cearense emitisse o grito que
seu desespero ensaiara, foi amordaçada, em seguida amarrada e jogada no buraco cavado
pelo corno no dia anterior. O marido enfiou sua peixeira afiada no peixeiro,
arrastou o corpo para cima da cearense que se revirava no fundo do buraco, foi
cobrindo-os de terra. A mordaça desprendeu-se, ela ia gritar, mas a terra que recebeu
no rosto a impediu. O cearense, depois de cobri-los, fez uma massa forte de
cimento e terra preta, jogou-a por cima da catacumba improvisada.
Depois do serviço pronto, passou a mão na
mala, conferiu a passagem e cascou pro Ceará.