SEITAS SATÂNICAS: UMA CRIAÇÃO DA LITERATURA E FILMES DE TERROR
Quando um cadáver é encontrado mutilado --- faltando olhos, coração, mãos, órgãos sexuais, ou outra parte com forte simbolismo religioso ---, logo surgem opiniões que trata o ocorrido como fruto de um ritual satânico, promovido por alguma seita satânica --- os casos divulgados pela imprensa são fartos, e geralmente, ao longo da investigação, descobre-se não haver nada de satânico neles.
Caso Evandro, de Guaratuba, Onde Pessoas Foram Erroneamente Presas por Supostamente Ter Matado Criança em "Ritual Satânico". |
Em geral, a hipótese diabólica é bastante explorada pela imprensa, que lucra muito com tal assunto, já que histórias relacionadas ao satanismo tendem a chamar muita atenção do público.
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O Primeiro Pacto Satânico
O interesse do público por histórias satânicas não é de hoje. Na Alemanha, no séc. XVI, se criou toda uma literatura voltada para histórias de pessoas que, supostamente, estavam sob a influência do Diabo. Essas histórias tinham por base a religião protestante, e serviam para expor comportamentos condenáveis pela igreja. Assim, para mostrar que o comportamento de cobiçar a mulher do vizinho, era condenável, criava-se uma história envolvendo o pacto entre o Diabo e o homem que desejaria adquirir o poder de seduzir mulheres, em troca, ele entregaria sua alma ao Cramulhão. Porém, como era de se esperar, sempre tais histórias terminavam ruim para o personagem que se desviou dos “bons” mandamentos da igreja, e se entregou a desejos diabólicos. Assim a igreja conseguia propagar suas regras por meio de um modo bastante eficiente: o medo do Diabo.
E foi nesse período que surgiu a primeira história de um pacto com o Diabo.
Com o tempo, as histórias de pessoas que estavam sob a influência do Diabo, foram adaptadas em um só personagem, certo Doutor Fausto, um homem sábio que teria vivido entre 1480 a 1540, na Alemanha, e que teria vendido a alma ao Diabo por meio de um pacto diabólico para obter mais conhecimento, além do que era permitido a um homem de sua época conhecer.
A existência de certo Doutor Fausto não possui nenhuma evidência precisa, e está tão misturada a lendas e possui tantas versões diferentes, que muitos pesquisadores afirmam que ele sequer existiu, que foi apenas um personagem inventado. Porém, é provável que algum Doutor Fausto, que se dedicava a medicina, alquimia e astrologia, tenha existido, pois era comum que, na antiguidade, pessoas com talento excepcional, fosse visto como tendo obtido seu talento por meio do Diabo.
É muito provável também que o suposto pacto com o Diabo, feito pelo Doutor Fausto, nunca tenha ocorrido, que tenha sido mera criação lendária ou tenha sido criada por algum escritor anônimo. Seja como for, tal lenda foi bastante divulgada pela literatura, com centenas de escritores escrevendo, ao longo dos séculos, sua própria versão da história, tornando-a tão popular que, certamente, houve aqueles que acabaram por acreditar tanto nela que passaram a afirmar já terem feito alguma forma de pacto com o próprio.
O começo da grande popularidade da lenda tem um início bem conhecido, data de 1587, quando o livreiro alemão Johann Spies reuniu várias histórias sobre o Doutor Fausto em um único livro, chamado História do Doutor Johann Fausto. Livro que ajudou muito a propagar a lenda do Doutor Fausto para além da Alemanha, gerando inúmeras versões.
É evidente que a lenda do Doutor Fausto foi criada, ou pelo menos melhor elaborada por escritores que tinham a intenção de fortalecer o poder da igreja sobre a ciência, pregando por meio de sua lenda, que o homem deve buscar conhecer apenas o que é permitido a ele conhecer por meio de Deus e da religião.
As Mais Famosas Obras Envolvendo a História do Doutor Fausto:
A Trágica História do Doutor Fausto, de 1589 - 1592, peça de teatro do escritor inglês Christopher Marlowe;
Fausto, uma Tragédia, de 1808, do alemão Goethe;
Doutor Fausto, de 1947, do alemão Thomas Mann.
A lenda se popularizou tanto, que todos já devem ter ouvido algum boato afirmando que determinado artista fez um pacto com o tinhoso --- casos famosos sobre o violinista Niccolò Paganini e do músico de blues Robert Johnson.
Seitas Satânicas, uma Criação Também da Literatura de Terror?
Se o primeiro pacto com o Diabo foi uma criação da literatura, também foi ela que criou a ideia moderna de seita satânica, sendo divulgado massivamente pelo cinema por meio dos romances de terror adaptados ao formato de filme. Pois se antes, durante a idade média, já se falava dos Sabás, as reuniões de bruxas em meio a floresta para cultuar o Demônio, na verdade, tais reuniões não possuíam nada de satânico, uma vez que se tratava de pessoas que se reuniam escondidas para cultuar deuses pagãos, que não são demônios, mas que foram demonizados pela igreja e erroneamente identificados como demônios.
E mesmo aquele que foi considerado o mais famoso satanista do passado, Aleister Crowley, não era um satanista convicto, mas, sim, alguém que estudava e praticava as mais diversas práticas religiosas, do Tantra indiano, passando pela Teosofia, aos cultos da religião egípcia e etc.
E mesmo o famoso Baphomet, a criatura com cabeça de bode, seios e pernas de bode, encontrado hoje em todo altar de indivíduos considerados “satanista” pela imprensa, foi uma criação do ocultista francês Elyphas Levi (1810 - 1875) para um de seus livros de magia, e nunca tendo sido considerado a imagem de Satã por seu criador.
Em Meio a Entidades Religiosas Brasileira, Vê-se a Imagem do Baphomet |
E o que dizer da Igreja Satânica criada, em abril de 1967, por Anton LaVey?
Seu conceito de Satã, como uma força presente na natureza, junto com sua benéfica ética satanista, está muito longe da concepção cristã de Satanás, como uma entidade em que o próprio mal se materializa e que exige sacrifícios humanos em sua honra.
Por isso pode-se dizer que nunca houve uma seita, pelo menos conhecida, que tenha cultuado, claramente, o Demônio na pura concepção cristã, sendo o culto à Satã uma criação recente, que nasceu, primeiro, por meio de livros e filmes de terror, com personagens fictícios adoradores do Demônio.
No romance O Bebê de Rosemary, do escritor Ira Levin, publicado em 1967, e que ganhou versão para o cinema, em 1968, um jovem casal ao se mudar para um famoso e antigo prédio, em Nova York, se envolve com um simpático e aparentemente inofensivo casal de velhinhos, que são membros de uma seita satânica, que envolve o casal pretendendo fazer com que a jovem recém casada gere o filho do Demônio. O sucesso do livro deu origem a uma demanda por livros com a mesma temática, o que levou seu autor a dizer: "Me sinto culpado que O Bebê de Rosemary tenha levado ao O Exorcista e A Profecia. Toda uma geração foi exposta e crê no Diabo. Eu não acredito no Diabo. E sinto que o forte fundamentalismo que temos não seria tão forte se não tivesse tanto desses livros (...). Claro, não devolvi nenhum cheque de royalties."
O livro foi seguido por outros dois romances de terror que têm na influência do Diabo seu foco, juntos formam a mais famosa tríade de histórias de terror, são: O Exorcista, de William Peter Blatty, publicado em 1971, e A Profecia, de David Seltzer, publicado em 1976, que traz também o tema do nascimento do filho de Satã, estes dois livros também tiveram suas versões para o cinema.
A Profecia, tanto o livro quanto o filme, fizeram tanto sucesso no ano de 1976, e causaram tanto pânico no público, que milhares de Bíblias foram vendidas nos Estados Unidos naquele ano, fazendo com que o público voltasse a se interessar pelo livro sagrado, principalmente pelo livro do Apocalipse --- olha aí o medo do Diabo fazendo com que, assim como nos textos antigos sobre o Doutor Fausto, o público retomasse suas crenças religiosas.
Estes livros são verdadeiramente herdeiros diretos das histórias sobre o Doutor Fausto e de seu pacto diabólico, que se repete em suas histórias, seja na conivência diabólica do marido de Rosemary, em O Bebê de Rosemary, seja na possessão da protagonista de O Exorcista, e também nos personagens que amparam e ajudam a criança, que é a nova encarnação do Diabo na história de A Profecia.
Os três livros, principalmente O Bebê de Rosemary e A Profecia, criaram a ideia moderna de seita satânica, como as que eram concebidas pela igreja no passado, dedicadas exclusivamente a cultuar o Demônio, porém adaptadas aos tempos de hoje. E foi após a popularidade dos três livros que começaram a surgir grupos autênticos de adoradores do Diabo no mundo real, tomando as seitas destes livros e seus rituais como modelo.
Richard Ramirez Assassino Satanista |
Adoradores que, na maioria das vezes, são jovens influenciados por bandas de Rock, do estilo Death Metal e Black Metal, bandas que, por sua vez, foram influenciados pelos mesmos três livros de terror citados; muitos influenciados por forte sadismo.
Em alguns casos, devotos que chegaram realmente a cometerem assassinatos, como oferendas ao Diabo.
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