terça-feira, 5 de março de 2024

“DIAS PERFEITOS”, de Raphael Montes (Resenha)



“DIAS PERFEITOS”, de Raphael Montes (Resenha)

Finalmente, li um livro do aclamado autor nacional Raphael Montes, famoso por seus romances policiais e pela série “Bom Dia, Verônica”, da Netflix; e o livro foi “Dias Perfeitos”. 

O romance já começa dando uma amostra da insanidade que acompanhará a história de Téo, jovem estudante de medicina, extremamente moralista e conservador, que nutre uma admiração mórbida por um cadáver de mulher durante as aulas de anatomia. Ele conhece Clarisse em um almoço, uma moça totalmente o contrário dele: estudante de artes, bissexual, fumante e apreciadora de grandes bebedeiras.

A partir de uma conversa casual com ela, Téo passa a nutrir uma paixão doentia pela moça, descobrindo o número de seu telefone e posteriormente o endereço de sua casa. E, ao ser rejeitado por ela, devido a total ausência de afinidade entre os dois, Téo toma a atitude impulsiva de sequestrá-la para que, devido ao contato forçado entre os dois, ela possa o conhecer melhor e se apaixonar por ele.

É impossível, para quem já leu o romance O Colecionador, do inglês John Fowles, não comparar os dois livros. No O Colecionador o jovem Frederick Clegg é um estudioso e colecionador de borboletas, ao ver a bela estudante de artes Miranda da janela de seu trabalho, passa a nutrir grande paixão pela moça e a vontade de possuí-la. Frederick, julgando que a moça jamais se interessaria por ele, devido sua condição social e por não ser uma pessoa descolada como ela. Passa a alimentar o desejo de sequestrá-la para que a convivência forçada entre os dois, seja a oportunidade de Frederick mostrar para ela suas boas qualidades e que ela possa se apaixonar por ele. O plano de Clegg torna-se realidade após ele ganhar na loteria. E, assim, como uma de suas belas borboletas de sua coleção, Frederick captura Miranda apenas para si, apenas para admirar sua beleza.


Téo e Frederick são bastante parecidos: ambos são anti sociais, com nenhuma experiência sexual, sequestram suas vítimas mas não com interesse sexual e são psicopatas.

As semelhanças entre os dois livros são tantas, que acredito que o O Colecionador serviu de inspiração para Raphael Montes, ao ponto de Dias Perfeitos poder ser considerado como uma adaptação de O Colecionador ao clima brasileiro, tanto que fiquei com a sensação de que Raphael Montes partiu da ideia: “E se a história de O Colecionador acontecesse no Brasil, como seria? E se tivesse um final bem diferente? Pois vou escrevê-la”.

O Colecionador é dividido em duas partes: a primeira tem como foco o ponto de vista do sequestrador, Frederick, com seus gostos, desejos e as ações sobre Mirada; a outra parte, dedicada a Mirada, com suas opiniões sobre seu sequestrador, suas reflexões sobre sua vida pessoal e a arte contemporânea, de modo que as duas partes se contrapõe e se completam, mostrando interpretações diferentes para as mesmas ações ocorridas na trama.

Tenho visto que a segunda parte de O Colecionador foi a responsável por desagradar alguns leitores, devido às repetições e reinterpretações de fatos ocorridos na primeira parte do livro e às reflexões de Miranda sobre a arte e suas memórias sobre seu relacionamento com um pintor mais velho, levando a história para uma área de pouco interesse dos leitores brasileiros, se afastando da trama do livro e gerando uma queda na tensão da história.

Raphael Montes

Mas em Dias Perfeitos não há queda de tensão alguma, ao contrário, ela só aumenta até chegar ao auge da tensão, com uma conclusão infinitamente diferente da pensada por John Fowles, mostrando que, apesar da semelhança com a obra do autor inglês, Dias Perfeitos tem méritos próprios, sendo um bom livro, de linguagem fluída e contemporânea.

Contudo, há dois pontos que me incomodaram no livro. Primeiro: os diálogos são bastante artificiais, sem envolvimento emocional ou social.

OK. Téo é um psicopata que não possui sentimentos, o que poderia servir de explicação para a frieza e artificialidade dos diálogos, porém, os outros personagens com quem ele trava diálogos não são, mas mesmo assim, faltam neles ironias, gracejos e principalmente características comportamentais peculiares aos indivíduos, relativas ao seu grupo social ou ao seu papel na sociedade, que inclui gírias e expressões peculiares. Por exemplo: Clarisse, embora seja uma universitária descolada, acostumada a boemia, não tem o hábito de usar gírias, algo que seria natural à sua idade e grupo social; também a mãe de Téo, ao conversar com ele, usa palavras frias, não refletindo o comportamento de uma mãe super protetora, como parece ser o caso, o que prejudica a imersão do leitor na trama.

Raphael Montes

Outro ponto que me incomodou foram as repetidas análises das características de um psicopata, feitas pelo narrador ao longo do romance, devido já serem bastante batidas (principalmente para um ávido leitor de histórias sobre serial killers): ausência de empatia, fingimento de sentimentos, pôr a culpa de seus atos agressivos sempre na vítima, etc., que, se obedecesse a regra do show, don't tell (mostre, não diga), ficaria bem melhor se tal comportamento fosse apenas demonstrado pelos próprios atos de Téo, não necessitando ser dito pelo narrador.

Dias Perfeitos tem sido o livro de maior sucesso do autor, com publicação no estrangeiro e traduções para várias línguas.      


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