ENTREVISTA COM O AUTOR DE “NA TRILHA DO MEDO”, WYBER GESTER
A literatura brasileira de terror ganha mais um novo autor, o estreante Wyber Gester, que une lendas amazônicas ao terror primordial e psicológico.
Gester, que tem um conto publicado no Bornal (A Sombra da Lua), é natural de Belém do Pará, formado em física licenciatura pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e se dedica ao ensino de física. Hoje reside em Manaus, Amazonas. É baterista numa banda de Heavy Metal, fã de Clive Barker e Bernard Cornwell e escritor em seu tempo livre.
Wyber Gester levou um papo legal sobre literatura de terror e lendas amazônicas com a gente; uma entrevista por meio de texto (uma arte já quase perdida). Um papo imperdível!
BORNAL: Você lançou, recentemente, seu primeiro romance de terror, “Na Trilha do Medo”. Fale um pouco sobre ele.
WYBER GESTER: O livro tem cerca de 180 páginas, com 23 capítulos curtos, que deixam a leitura bem dinâmica e fluida. Tem ilustrações maravilhosas do talentoso Wilham Ferreira, um artista que mora em Belém. A história gira em torno de Laura Santos, uma estudante de antropologia que parte para uma pesquisa de campo para escrever sua tese de doutorado em uma pequena cidade no interior do Amazonas, uma cidade fictícia chamada Novo Amaturá. Lá, ela percebe que lendas são mais reais do que ela pensava. Então, Laura se vê envolta em uma trama repleta de pesadelos vívidos e é perseguida por uma entidade antiga e poderosa.
BORNAL: Quanto tempo você levou para elaborar e escrever o livro?
WYBER GESTER: Eu escrevi o livro em 5 meses. Mas demorei um ano aproximadamente para deixá-lo apto à publicação, que ocorreu no último dia 23 de fevereiro de 2024. Foi o tempo hábil para que as ilustrações ficarem prontas, fora a revisão e diagramação do livro.
BORNAL: O livro tem como cenário a Amazônia, como foi o processo de elaboração da história e qual o elemento principal que você se baseou para escrevê-la?
WYBER GESTER: Eu queria escrever algo sobre a região Norte, ou pelo menos, uma história que se passasse aqui na nossa região. Como sou fã de terror nas suas diversas formas, seja cinema, livros, jogos, etc. Então tentei mesclar o terror com a nossa regionalidade, utilizando lugares, crendices, cultura nortista no geral. Aí surgiu o mote de Na Trilha do Medo, um terror que se passa na floresta amazônica.
BORNAL: O diretor Guillermo del Toro se inspirou em uma lenda brasileira para criar seu premiado filme A Forma da Água, que na versão de livro, o começo, passa-se na Amazônia, em Belém; outro premiado filme, Avatar, do mesmo modo, foi inspirado na Amazônia; foi dito também que a famosa série Lost teve influência das lendas brasileiras. Se para os gringos as lendas brasileiras são grandes inspirações, por que elas são pouco exploradas por escritores e cineastas brasileiros? Seria devido ao nosso complexo de vira-lata?
WYBER GESTER: É algo a se pensar. Vemos realmente alguns autores brasileiros escreverem sobre lendas gregas, nórdicas, etc, mas poucos sobre lendas brasileiras. Em relação às lendas amazônicas, menos ainda. Tivemos um suspiro quando a Netflix lançou a série “Cidade Invisível” no qual algumas das lendas mais famosas foram retratadas, algumas da região norte, como a lenda do boto e da Matinta Perera. Mas ainda acho que falta um pouco mais de desejo de autores brasileiros para escreverem sobre lendas brasileiras.
BORNAL: Você acredita que para escrever histórias com lendas amazônicas é necessário certa familiaridade com as lendas, como morar e ter crescido na região amazônica, já que em nossa região tais entidades são mais do que apenas folclore, são parte da Encantaria, uma forma de religiosidade amazônica? E conte um pouco sobre sua vivência com as lendas da região amazônica.
WYBER GESTER: Como disse anteriormente, há quem escreva sobre lendas gregas ou nórdicas, por exemplo, sem morar na Grécia ou em algum país escandinavo. Acredito que falta mesmo um pouco do conhecimento sobre nossas raízes, nossa cultura, nossa mitologia, pois sabemos que é tão ou mais rica que as mitologias de outros países. No meu caso, sempre procurei saber sobre nossos mitos, cultura, folclore, etc. Quando eu resolvi escrever um livro de terror, já sabia exatamente qual lenda do nosso folclore retratar e como faria isso. Elaborei a minha forma de contar sua história, minha versão da lenda, ainda que muitas características populares dela permaneceram na narrativa.
BORNAL: Desde Monteiro Lobato e sua versão televisiva do Sítio do Pica Pau Amarelo que o público brasileiro se acostumou a ver as lendas brasileiras como ingênuas histórias infantis, sabemos que a verdade é bem distante disso; então como foi quebrar essa visão infantilizada das lendas e extrair delas terror para os leitores?
WYBER GESTER: Realmente. Eu li o livro do autor nacional Marco DeBrito, “Escravo de Capela”, onde ele reconta as origens de uma das grandes lendas brasileiras. Nele, o autor faz algo parecido com o que eu fiz. Na verdade eu já tinha parte do livro escrito e quando li o Escravo de Capela, eu pensei: “rapaz, é isso”. Muito Bom. Tanto no livro do DeBrito como no meu, a história não é ingênua nem infantil, longe disso. E o terror é o tempero dessas histórias.
BORNAL: Recentemente, com a série Cidade Invisível, da Netflix, as lendas folclóricas brasileiras foram abordadas mais próximas de sua versão original, com toques de mistério e terror, surpreendendo o público que conhecia apenas a versão infantilizada, e que não imaginava que nossas lendas podiam ser atrativas mesmo para adultos; esta série foi de alguma forma uma influência para a feitura de seu livro?
WYBER GESTER: Não necessariamente. Mas assisti a série pouco depois de ter escrito boa parte do livro. E achei muito interessante a forma como as lendas foram retratadas.
BORNAL: Você é professor de física, seguindo a tradição dos escritores com formação científica, é natural que esperássemos uma história de ficção científica sua, então por que não uma trama de ficção-científica, mas sim uma história de terror? Você pode explicar essa predileção pelo terror?
WYBER GESTER: Bom, embora eu seja da área de exatas, sempre tive predileção por filmes de terror, não que eu não goste de ficção científica. Amo também. Em 2018 escrevi um livro de História da Física, o “Do Caos ao Átomo”. Foi o primeiro livro que escrevi. Até 2023 eu só lia livros científicos. Foi então que me arrisquei nos romances, e fui logo ao terror. Fiquei fissurado. Foi então que resolvi escrever o meu livro, o meu terror. E queria que fosse algo mais regional. E então, nasceu o “Na Trilha do Medo”
BORNAL: Qual foi a maior dificuldade em escrever o livro?
WYBER GESTER: Acredito que foi deixar a trama bem amarradinha no que diz respeito ao enredo. Não deixar pontas soltas com certeza foi uma das maiores dificuldades. Acho que deve ser a maior dificuldade que todos que escrevem romances.
BORNAL: Qual o seu processo de escrita: do tipo que escreve com tudo já planejado, do começo ao fim, ou o que deixa a trama tomar forma durante a escrita, deixando as personagens tomarem vida própria?
WYBER GESTER: Eu faço um pouco das duas coisas. Eu já tinha uma trama em mente, um começo, e um desfecho, mas à medida que fui escrevendo, via a necessidade de acrescentar ou remover algumas coisas pra deixar a história mais consistente e interessante.
BORNAL: Como foi passar das histórias curtas para uma longa?
WYBER GESTER: Na verdade fui direto ao romance. Comecei a escrever contos para começar a divulgar o livro e também para ambientar o leitor e os seguidores. No meu perfil de escritor @wybergester.autor eu publiquei 3 contos sobrenaturais que se passam na floresta amazônica, preparando o leitor ao que o esperava no livro.
BORNAL: Quais são suas maiores influências literárias?
WYBER GESTER: Por mais que eu goste de terror, minha maior influência literária é Bernard Cornwell, que escreve ficção histórica, livros como As Crônicas de Artur e Crônicas Saxônicas. Mas dentro do terror curto bastante o Clive Barker, Bram Stoker, F. Paul Wilson e os nacionais André Vianco e Marcos DeBrito.
BORNAL: O que seu romance traz de novo?
WYBER GESTER: Eu conto a minha versão de uma das lendas mais populares e temidas da Região Norte. Muitas das vezes lendas têm algumas versões que alteram certos aspectos e características. No livro Na Trilha do Medo eu conto a minha versão da origem desta lenda, como ela surgiu e por que. Além de a história ser (sendo suspeito pra falar) interessante e gostosa de ler, temos ilustrações belíssimas de um artista paraense, o Wiliam Ferreira. Elas aumentam a sensação de tensão e terror presente na leitura.
BORNAL: Você pode dizer alguma coisa sobre a lenda que lhe serviu de inspiração?
WYBER GESTER: A lenda que é retratada no livro é uma das mais populares e temidas da região norte, em especial no interior do Pará e Amazonas. No processo de escrita, fui conversando com algumas pessoas de Manaus, alguns professores colegas que são do interior do Amazonas e sempre tinham pelo menos uma história sobre essa entidade das matas amazônicas. É só o que posso dizer, se não, dou spollier do livro rsrsrs.
BORNAL: Qual o sentimento de publicar livros em um país com tão poucos leitores, e com um público ainda menor que se interessa por autores nacionais e independentes?
WYBER GESTER: Infelizmente temos alguns fatores que corroboram com essa triste realidade. Temos, por exemplo, o preço do livro que hoje em dia está um absurdo. Vemos em livrarias livros que não saem por menos de 60,00. Somando-se a esse fator, temos que historicamente o brasileiro pouco se interessa por literatura, e menos ainda se for por um autor nacional e independente. Mas o que fica, e é o que importa no final das contas, é a sensação de “gerar” um filho, que é sensacional.
BORNAL: Ao longo das décadas, escritores têm perdido espaço para o cinema, a TV, os games; e nos últimos anos, para a internet e as redes sociais. Porém nada tem sido mais ameaçador ao ato de fazer literatura (aliás, esta ameaça se volta contra toda forma de fazer arte) do que a ameaça vinda da inteligência artificial (IA). O Chat GPT já cria, por si mesmo, artigos, contos e até partes de romances. Você acredita que no futuro as IAs substituirão os humanos na arte de escrever?
WYBER GESTER: Não acredito que IA seja capaz de escrever uma boa história. Não acho que uma máquina pode substituir a criatividade humana.
BORNAL: Para você, o que impediria as IAs substituir por completo os escritores humanos?
WYBER GESTER: Acredito que a questão da criatividade e emoção humana ao escrever uma história não pode ser substituída por uma máquina. O que é uma boa história sem emoção? Apenas um emaranhado de palavras que podem ou não fazer algum sentido.
BORNAL: Seu livro está sendo vendido na forma de ebook pela Amazon, você se contenta apenas com o formato eletrônico ou sente a irresistível vontade de ter ele nas mãos, de senti-lo de forma física? Você lançará ele também na forma física?
WYBER GESTER: O livro está disponível na plataforma Amazon na forma de ebook, inicialmente. Mas espero que, em breve, tenhamos a forma física disponível. Embora eu goste de ler no aparelho kindle, não substitui o livro físico. Então, sim, espero ter o mais breve possível o livro em mãos em sua plenitude.
Biografia:
Natural de Belém do Pará, é formado em Física Licenciatura pela Universidade Federal do Pará (UFPA) onde também obteve o Mestrado em Ensino de Física. Hoje reside em Manaus, Amazonas, onde atua como professor de Física na rede estadual de ensino. É amante de Rock, baterista numa banda de Heavy Metal, fã de Clive Barker e Bernard Cornwell e é escritor em seu tempo livre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário