quinta-feira, 18 de abril de 2013

ANÁLISE DO QUE APARENTA SER MAS NÃO É: O POLITICAMENTE-CORRETO (de Bosco Silva)



Vivemos atualmente sob uma nova forma de ditadura, uma ditadura velada que se reveste falsamente de bom senso: O POLITICAMENTE-CORRETO. Ela se espalha por todos os setores da cultura e da sociedade, proibindo a livre expressão e limitando as artes. Hoje, por exemplo, contar piadas sobre minorias é politicamente incorreto. Assim, piadas sobre judeus, negros ou mesmo homossexuais aparecem como de mau gosto ou proveniente de pessoas preconceituosas. Estas mesmas pessoas, que defendem o Politicamente-Correto no humor, esquecem que muitas piadas sobre judeus, sobre negros e homossexuais são criadas e contadas por eles próprios, sem nenhuma cerimônia ou pudor.

E um dos setores que tem sofrido bastante com isso é a literatura. Recentemente o livro “As Caçadas de Pedrinho” de Monteiro Lobato foi posto no rol dos livros politicamente incorretos. Este livro foi acusado de ser racista por conter a seguinte frase: “E tia Anastácia (...) trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro.” Seus algozes não veem que o livro sendo um livro infantil possui expressões infantis, e que a livre associação é uma das características do pensamento das crianças, logo a comparação de Tia Anastácia com um animal e com a cor do carvão é tão ingênuo e isento de maldades como o pensamento infantil pode ser, ou pelo menos como quer o texto. Ademais, o próprio Monteiro Lobato, em outra parte de seu livro, define Tia Anastácia como uma "BOA PESSOA".

    E quando não proíbem a obra em nome do Politicamente-Correto, fazem o pior mechem em seu conteúdo, em seu texto, como aconteceu com o mais famoso trabalho da escritora inglesa Agatha Christie, "O Caso Dos Dez Negrinhos", que teve seu título mudado, no Brasil, para "E Não Sobrou Nenhum". E o pior é que a obra não possui nenhum teor racista. Seu título original, "Ten Little Niggers", que em português significa "Os Dez Negrinhos", diz repeito a uma velha canção infantil inglesa, em que cada negrinho tem uma morte diferente - e que na tradução brasileira é mudado para Os Dez Soldadinhos -, que é importante para sua estória já que cada personagem do romance policial terá mortes iguais descritas pela canção.



E para você vê como a coisa está feia até mesmo eu, um desconhecido com um texto simplório e inexpressivo, fui vítima de tal ardiloso movimento. Veja o texto:

É TODO SEU

   - Venha cá, criança, chegue mais perto, minha pequena... Quero-lhe mostrar algo que você irá gostar; venha, não tema. Olhe.
- Tio é tão grande!
- E é todo seu. Vamos, pegue, pegue logo.
- Mas tio está tão melado!
- Vamos, pegue logo antes que amoleça... Devagar, com cuidado, antes que sua tia nos veja. Vamos, ponha na boca agora.
- Tio é tão grande para minha boquinha!
- Então não chupe, apenas lamba. Isso, do começo ao fim. Assim... assim... assim...
- Veja tio, tia Lúcia está vindo.
- Rápido, se esconda, se esconda...
- Não acredito, João, que estás dando novamente sorvete para esta menina gripada!!!

Ao mostrar este pequeno conto para algumas pessoas me surpreendeu que em vez de risos, o que, aliás, era o objetivo dele, recebi indignação por parte de algumas. Uma pessoa, por exemplo, me repreendeu por eu usar um tema tão hediondo como a pedofilia; se recusou até a continuar a lê-lo. Eu a adverti que se ela lesse até o final veria que o conto não tem nenhuma maldade e que muito menos é um conto pedófilo. Ela, de sua parte, disse-me que não lê-lo era um direito dela. O que eu respondi dizendo-lhe que claro que era um direito dela, assim como também era um direito meu não ter minhas palavras distorcidas pelos preconceitos dela.

Pois é, o conto não é o que aparenta ser, e isso é o grande barato dele: ele manipula a mente do leitor, conduzindo-o a pensar que seu tema é o abuso de uma criança por um adulto, tema bastante explorado pelos programas policiais, causando asco no leitor, para no final surpreendê-lo e, por isso mesmo, causando riso, ao fazê-lo perceber que ele foi enganado, que seu tema é tão diferente do que ele pensava, e que o asco e a maldade estavam apenas em sua mente, fora mera interpretação sua.

Se eu apresentasse este conto há alguns anos trás é bem provável que ele não causasse indignação mas apenas risos. E o pior de tudo é que eu fiquei com fama de ser pedófilo, provocando em mim até mesmo receio de ser tratado como tal, com ofensas e violência. E isto se deve ao fato de que o Politicamente-Correto unido a falta do gosto pela leitura torna-se muito mais perigoso, pois as pessoas que mais se indignaram com o conto eram aquelas que aparentavam não ter o hábito da leitura, e que, por isso mesmo, confundiam mais facilmente a obra com o autor, desconhecendo o que é ficção literária, achando que o escritor pratica o que escreve, que sua obra é fruto direto de sua experiência, de sua vida, não conseguindo perceber que o grande barato da literatura é criar um mundo novo apenas com o poder da imaginação, e que para isso a literatura precisa de liberdade, de extrema liberdade de expressão.     
  

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