by a. r. |
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio: acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente ao meio do cigarro que ela atira e esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; ...o amor acaba mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia, dentro de casa o amor pode acabar, quando a alma se habitua as províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; no sábado depois de três goles de gim à beira da piscina; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus; no inverno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brazília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York ... às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão; às vezes o amor acaba como se fosse melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o alcool; de manhã, de tarde, de noite; na primavera, no abuso do verão; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
PMC
(16 de maio de 1964)
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