Ainda hoje me lembro com
saudade das corridas após a escola quando éramos menino, em que apostávamos
quem chegava primeiro ao futebol no velho campo de terra batida atrás da escola;
das noites de apagão em que caçávamos vaga-lumes, e fazíamos lâmpadas com eles
em vidros de maionese; dos doces banhos na bela lagoa ao entardecer, e dos
passeios nas noites de finais de semana para vermos as estrelas; ficávamos a
contemplá-las deitados sobre a relva rala, tentando contá-las, pensando na vida
e projetando as próximas estripulias para o final de semana. Eram tempos de
ingenuidade, de agradáveis descobertas e também de grandes surpresas. Mas de
todas estas lembranças uma guardo em especial:
De Neusa, a velha prostituta que,
apesar de sua idade avançada, ainda agradava muitos os homens; tanto que mesmo
as novinhas cheirando a leite, com carnes rígidas das mais apetitosas não eram
páreas para ela, com seu corpo encurvado, pele enrugada e boca flácida. O que
despertava a curiosidade e também um quê de inveja em muitas mulheres; havendo
aquelas que argumentavam que Neusa se banhava com chá de casca do tronco do
cajueiro a fim de contrair a vagina durante suas relações sexuais; mas o certo
era que isso não era segredo para nenhuma mulher de seu ofício, e que nenhuma,
mesmo cultivando tal prática, não conseguia o mesmo efeito. O que aumentava ainda
mais o mistério em sua volta, havendo também aqueles que diziam que Neusa havia
contraído pacto com demônio, que a mantinha com tais poderes.
Tal segredo não apenas passou
a estimular a curiosidade das mulheres das redondezas mas também de nós; por
isso tínhamos o costume de pararmos enfrente da velha casa de Neusa, todo final
de tarde, e ficávamos a observar as beatas ao virem da igreja benzerem-se ao
passar enfrente de sua casa como quem encarasse o próprio demônio; dos homens
que imploravam por mais uma hora de amor ao seu lado, a qualquer hora do dia ou
da noite, e do entra e sai de senhores de todas as idades.
Um dia, após mais um
banho no velho ribeirão, descemos a ladeira e ficamos a espreitar mais uma vez
a velha casa de madeira, de aparência humilde, com um grande jardim recheado de
árvores frutíferas de todas as espécies, eram mangas, jacas, figos e
jabuticabas, a amadurecerem sem que alguém as procurasse; parecia que as
árvores imploravam para que alguém subisse em seus grossos troncos, saboreassem
seus saborosos frutos e que as tomassem de abrigos a quem estivesse cansado com
o sol à pino; o que era um convite tentador
aos moleques da região, incluindo, claro, nós.
Mas ao mesmo tempo em que as árvores possuíam este aspecto tentador,
havia também o ar sinistro produzido pelas sombras de suas folhagens, que a
tornava como que envolta em uma atmosfera sempre noturna mesmo nas horas mais
ensolaradas do dia, conferindo-lhe ar sombrio de casa abandonada e
mal-assombrada; o que, por sua vez, mantinha a garotada longe de suas
tentadoras frutas. Porém naquele dia estávamos dispostos a enfrentar nosso medo
e aventurarmos além de seus muros. E assim tentados pela visão das frutas nos
arriscamos em apanhá-las.
Carlinhos foi o primeiro,
saltou o muro com a agilidade que seu corpo franzino lhe proporcionava, agilidade
que tantas vezes havia sido testada em quintais vizinhos, o que lhe
proporcionou a grande oportunidade de por seu talento mais uma vez à prova. E
ao comando de seu assovio, todos pulamos o muro...
E após verificarmos a
ausência de Neusa, passamos a deliciarmos com as frutas mais saborosas que
havíamos comidos na vida. Porém a curiosidade em mim pela aquela velha casa queimava
como a mais alta das febres. O que me fez por um momento desprezar as frutas e
me aventurar a procurar por brechas a fim de olhar seu interior. E ao
contorná-la verifiquei que a porta estava entreaberta; e assim motivado pela
curiosidade natural a nossa idade adentrei-a.
A casa, embora humilde,
possuía mobílias e quadros suntuosos, e também grandes tapetes trabalhados
belamente enfeitavam o frio chão de madeira. E apesar de pequena, possuía inúmeros
quartos que contrastavam com seu tamanho visto de fora. Mas o último quarto
chamou-me mais a atenção, já que era para ele que se encaminhavam a longa
fileira de tapetes, como um convite para que entrássemos nele. Ao abri-lo, tive
uma grande surpresa:
Móveis com formas de falo decoravam o quarto; como uma
mesa que tinha quatro pernas em forma de pênis esculpidos em madeira, e um
enorme falo que se projetava de seu centro; cadeiras com ornamento de mulheres
com grandes pênis na boca ou em pleno ato sexual espalhavam-se pelo quarto; mas
um me assustou sobremaneira:
Uma grande poltrona que estampava uma criatura com
chifres, longos dedos finos a lamber uma protuberante vagina. O susto foi tanto
que imediatamente pus-me em fuga, obrigando o resto dos meninos a seguir-me, em
meio a tantos porquês de tal atitude repentina.
Passei ainda alguns dias
com medo do que tinha visto naquele quarto maldito; vindo-me sempre a tona o
que o povo dizia: do terrível pacto com o demônio!
E por estas mudanças
surpreendentes que compartilhamos na vida, logo o medo passou, e a curiosidade
tomou-me a alma novamente. Voltei outra vez para a casa dela, mas desta vez
sozinho...
Desta vez entrei pela
porta da frente. E ao ouvir vozes, busquei abrigo no único quarto aberto, o
temido quarto sinistro. E ao perceber que passos seguiam para ele, me escondi
sob a cama. Neusa entrou acompanhada de um homem. Despiram-se. E sobre a cama
ela se entregou a seu amante. A cama tremia, rangia, me imprensando. Até que em
um dado momento o homem passou a lhe implorar por algo que eu desconhecia. O
homem gritava, gemia e dizia: “bora Neusa, tire elas. Ninguém faz como você,
querida”. Olhei então para a pequena mesinha ao lado da cama, vi um copo
d’água, e logo em seguida, dentro, um par de dentaduras.
Compreendi então, alguns
anos depois, que nada havia de sobrenatural ou de maligno naquilo, Neusa apenas
tinha um modo peculiar de agradar sexualmente os homens.
Nenhum comentário:
Postar um comentário