quarta-feira, 15 de abril de 2015

A HISTÓRIA DE UMA GRANDE INVENÇÃO



A HISTÓRIA DE UMA GRANDE INVENÇÃO
de Wood Allen
Eu estava folheando uma revista enquanto esperava que Joseph K., meu mastim, voltasse de sua tradicional sessão das terças-feiras com um terapeuta que cobra 50 dólares por uma hora de 50 minutos – um veterinário junguiano que vem tentando convencê-lo de que suas bochechas não são, necessariamente, um inconveniente social – quando, de repente, perpasso os olhos por uma frase ao pé da página e que me chamou a atenção como um anúncio de sutiã. Era uma simples notinha, com um daqueles títulos como “Acredite se quiser” ou “Você sabia que”, mas sua magnitude me arrebatou com a grandeza dos primeiros acordes da Nona de Beethoven. Dizia: “O sanduíche foi inventado pelo Lorde Sanduíche”. Abismado por essa revelação, li e reli o tópico e fui até acometido de involuntário tremor.
Minha mente rodopiava, tentando imaginar os sonhos, esperanças e obstáculos que devem ter enriquecido a invenção do primeiro sanduíche. Olhei pela janela e, ao contemplar as torres dos arranha-céus, senti meus olhos umedecidos ao experimentar uma sensação de eternidade, definitivamente convencido do insubstituível lugar do homem no universo. O homem – que inventor! Os rascunhos de Da Vinci avultaram à minha frente, esboços das mais altas aspirações da raça humana. Pensei em Aristóteles, Dante, Shakespeare. O Primeiro Fólio. Newton. O Messias de Handel. Monet. O impressionismo. Edison. O cubismo. Stravinsky. E = mc2…
Tentando gravar uma imagem mental do primeiro sanduíche avaramente conservado numa geladeira no British Museum, passei os três meses seguintes escrevendo uma breve biografia do seu grande inventor. Embora meus conhecimentos de história sejam um pouco precários e minha capacidade descritiva ainda mais mambembe, espero ter capturado ao menos a essência desse gênio tão esquecido, e que essas notas esparsas inspirem um verdadeiro historiador a retomar o meu trabalho.
1718: Nasce o Lorde Sanduíche, de uma família riquíssima. Seu pai está eufórico por ter sido nomeado ferreiro de Sua Majestade – posição de que desfrutará durante anos até descobrir que sua função consiste apenas em ferrar cavalos, quando então demite-se amargurado. Sua mãe é uma simples hausfrau de origem alemã, cujos monótonos menus consistem basicamente de toucinho e mingau de aveia, embora às vezes demonstre uma ligeira imaginação culinária ao preparar um passável chá de canela.
1725-35: Freqüenta a escola, onde aprende latim e a montar. Na hora do recreio demonstra pela primeira vez um notável interesse por frios, principalmente fatias finas de rosbife e presunto. No fim do curso, isso tornou-se uma obsessão e, embora sua tese de graduação, “Análise e Fenômenos Anexos dos Acepipes”, provoque algum interesse entre os professores, ele continua a ser visto pelo colegas como um sujeito estranho.
1736: Entra para a Universidade de Cambridge, a pedido dos pais, a fim de estudar retórica e metafísica, mas demonstra pouco interesse por ambas. Constantemente revoltado com as convenções do mundo acadêmico, é acusado de furto de algumas fatias de pão e de realizar experiências imorais com elas. Finalmente taxado como herege, é expulso da universidade.
1738: Renegado por todos, parte para os países escandinavos, onde por três anos dedica-se intensamente a uma pesquisa sobre queijos. Impressiona-se com a enorme variedade de sardinhas que passa a conhecer e anota em seu bloco: “Estou convencido de que há uma perene realidade, além de tudo que o homem já realizou, na simples justaposição de alimentos. Simplificar”. De volta à Inglaterra, conhece e casa-se com Nell Smallbore, filha de um verdureiro. Ela lhe ensinará tudo sobre alfaces.
1741: Vai viver no campo, às custas de uma pequena herança, deixando freqüentemente de almoçar ou jantar a fim de economizar dinheiro para comprar comida. Sua primeira obra  terminada – uma fatia de pão, outra fatia de pão em cima desta e uma fatia de peru em cima de ambas – fracassa miseravelmente. É ridicularizado pela comunidade científica. Desapontado, retorna ao laboratório e começa tudo de novo.
1745: Após quatro anos de trabalho insano, convence-se finalmente de que está às vésperas do sucesso. Numa cerimônia de grande solenidade, exibe para seus pares uma nova tentativa: duas fatias de peru com uma fatia de pão no meio. A obra é rejeitada por todos, exceto por David Hume, que pressente naquilo a iminência de algo importante e o encoraja. Estimulado pela amizade do filósofo, retorna ao trabalho com vigor renovado.
1747: Já sem dinheiro, não pode mais se dar ao luxo de pesquisar com peru ou rosbife, e passa a trabalhar com presunto, que é mais barato.
1750: Na primavera, faz a demonstração de três fatias de presunto empilhadas consecutivamente, o que atrai ligeira atenção, principalmente nos meios intelectuais, mas o grande público continua indiferente. Três fatias de pão, uma em cima da outra, provocam algum comentário. Embora um estilo maduro ainda não esteja à vista, é procurado por Voltaire, que o convida a visitá-lo.
1751: Viaja à França, onde Voltaire lhe informa que também chegou a alguns interessantes resultados usando pão e maionese. Os dois tornam-se amigos e iniciam uma correspondência que terminará abruptamente porque Voltaire ficará sem selos. 
1758: A crescente aceitação de suas experiências junto à opinião pública resulta um convite da rainha para preparar “algo especial” que ela possa beliscar com o embaixador espanhol. Passa a trabalhar dia e noite, rasgando centenas de rascunhos, mas finalmente – às 4h17 da madrugada de 27 de abril de 1758 – cria uma obra que consiste de várias fatias de presunto guarnecidas por duas fatias de pão, uma em cima e outra embaixo. Num átimo de inspiração, despeja mostarda sobre a obra. O achado fez sensação e a rainha o encarrega dos menus do sábado.
1760: Com um sucesso atrás do outro, cria os “sanduíches”, assim chamados em sua homenagem, realizando imaginosas combinações de rosbife, galinha, língua e praticamente todos os frios conhecidos. Não contente em repetir fórmulas já tentadas, busca novas idéias e cria o sanduíche-viagem, pelo qual recebe a Ordem da Jarreteira.
1769: Vivendo agora numa mansão, é visitado pelos maiores homens de seu tempo: Haydn, Kant, Rousseau e Benjamin Franklin param em sua casa, alguns deliciando-se com suas notáveis criações, outros recusando-se a uma simples dentada.
1778: Embora fisicamente decrépito, continua a buscar novas formas e escreve em seu diário: “Tenho trabalhado durante a madrugada e resolvi torrar os sanduíches a fim de mantê-los quentes”. No fim do ano, seu sanduíche aberto causa autêntico escândalo por sua franqueza.
1783: Para celebrar seus 65 anos, inventa o hambúrguer e visita as grandes capitas do Ocidente, preparando pessoalmente os sanduíches em teatros, diante de enormes platéias entusiasmadas. Na Alemanha, Goethe sugere que sirva os hambúrgueres dentro de pães redondos – idéia que ele aproveita. Sobre o autor de Fausto, ele escreve em seu diário: “Grande cara, esse Goethe”. A frase deixa Goethe encantado, embora os dois, mais tarde, venham a romper intelectualmente devido a uma discordância sobre os conceitos de bem-passado, mal-passado e ao ponto.
1790: Numa retrospectiva de sua obra em Londres, sente-se mal com dores no peito e é quase dado como morto, mas recupera-se o suficiente para supervisionar a criação de um sanduíche de salsicha por um grupo de talentosos discípulos. O lançamento do sanduíche na Itália provoca distúrbios e, durante séculos, o futuro cachorro-quente continuará incompreendido, exceto por alguns críticos.
1792: Contrai um bacilo raro ao apertar a mão de Koch, o qual deixa de tratar a tempo e morre. Seu velório é realizado na Catedral de Westminster e milhões de pessoas vão levar-lhe suas últimas despedidas. Durante o enterro, o grande poeta alemão Hoelderlin resume a sua obra com essas palavras imortais: “Nossa dívida com ele é eterna. Ele livrou a humanidade da refeição quente”.

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