NOS ANOS 80/90 não existia internet. As novidades vinham da TV, das revistas e vídeo locadoras de fitas VHS. E toda vídeo locadora que se prezasse tinha nos fundos de seu acervo, um lugar especial, meio proibido, escuro, onde as “pessoas de bem”, ou “de família” e as crianças nunca iam; onde se encontravam os filmes proibidos. E quem vasculhasse tal ambiente, em meio às centenas de filmes pornô, que ostentavam em suas capas loiras com seios à mostra e cabelos eriçados de laquê abraçadas a algum famoso ator pornô da época, era comum encontrar um vídeo de capa estranha, com uma sinistra caveira que se destacava em meio a seios e bundas de atrizes pornô da época (pelo menos era assim na locadora do bairro). Eram os famosos FACES DA MORTE, que ostentava em sua capa, a mensagem: "Contém Cenas Reais de Mortes". E em sua contracapa havia a chamativa mensagem: "Proibido em Mais de 46 Países". Pronto. Era o que todo adolescente da época (e de todos os tempos), queria: um vídeo que ostentasse a atraente palavra "PROIBIDO". Na época era comum que também levassem junto algum filme pornô e o famigerado Faces da Morte.
O filme, para a época, era impactante, com cenas de mortes das mais diversas formas: suicídios, acidentes, tiroteios, afogamento etc., apresentadas por alguém que se dizia patologista, e que afirmava ter coletado, ao longo dos anos, “compilado uma biblioteca das muitas faces da morte”.
Nessa “biblioteca” havia até a cena dos últimos momentos de um prisioneiro (com o familiar nome De Silva), que era executado na cadeira elétrica (cena nunca antes vista), que estrebuchava, babando, quando o capacete elétrico era ligado em sua cabeça, e no final, escorria sangue de sua boca e olhos, quando a corrente elétrica alcançava sua maior intensidade. Havia também cenas de um restaurante, supostamente, gravado em um país exótico, onde um casal era servido com uma iguaria sem igual: cérebro de macaco vivo. O animal era preso na mesa, e tinha seu crânio quebrado alí mesmo pelos fregueses, com batidas em sua cabeça com um pequeno martelo, e seria devorado na própria cabeça do animal.
Faces da Morte: um Falso Documentário
Confesso que com a substituição, em outros volumes da série, do primeiro apresentador do documentário por um substituto, que abusava de expressões faciais exageradas, afirmando que seu antecessor ficou tão obcecado pela própria morte que acabou por antecipar a própria, e mostrando o que seria a urna que conteria suas cinzas, confesso que me levou a desconfiar que aquilo tudo não era algo sério, mas logo isso foi esquecido com a visão das próximas cenas.
Mas havia melhores argumentos para acreditar que tudo era pura encenação. Um desses fatos era o grande número de mortes acidentais gravadas, que não parecia combinar com o número tão restrito de câmeras nas ruas.
Em 1978 não existia a facilidade de captar tais cenas, como de hoje em dia, em que cada pessoa possui uma câmera de filmar em seu bolso, 24 horas por dia, acoplada ao seu celular, tendo por isso a grande chance de poder gravar acontecimentos inusitados. Era uma época em que câmeras de filmar eram caras, grandes e nem todos tinham. Então como tais cenas eram obtidas, aparentemente com tanta facilidade? Acredito que poucos se aperceberam disso.
Pois não é que o famoso documentário, que desde 1978, ano de seu lançamento, tinha marcado gerações por suas cenas horripilantes, e feito muita gente dormir com a luz acesa, ao comemorar seus 30 anos de lançamento, trazia em uma nova edição um make off mostrando e revelando, de uma vez por todas, que tudo não passou de encenação, trazendo entrevistas e cenas que explicavam como tudo teria sido feito. O homem executado na cadeira elétrica era apenas um ator; o cérebro do pobre macaco era couve-flor; a sangrenta briga de cães, não havia sangue, mas apenas geléia vermelha, e por aí vai. Há também o fato curioso de que alguns atores morriam em determinadas cena, para aparecerem vivos em outra, para “morrer” novamente (risos).
Na verdade, o documentário Faces da Morte era um falso documentário, que aliava a forma documentário a falsa afirmação de que seu conteúdo continha imagens reais, somente para impressionar e chocar o público. Artifício que hoje é tão comum, seja na exibição da frase “baseado em fatos reais”, ou em filmes com aparência de documentários. E o Faces da Morte fez tanto sucesso, que não apenas deu origem à uma série de vídeos mas também impulsionou que outros o imitassem.
Como Surgiu o Faces da Morte
O verdadeiro nome do diretor de Faces da Morte se chama John Allan Schwartz, embora ele ainda insiste em ser, como na época da gravação de seu famoso filme, chamado de Conan LeCilaire --- nome que em francês ele achava que significava Conan, o Assassino.
Ele conta que, na metade dos ano 70, um produtor da produtora japonesa Tohokushinsha, bateu na produtora de filmes de seu pai, que era especializada em filmes da natureza, com a ideia de se produzir algo semelhante ao filme The Great Hunt, contendo imagens de pessoas matando animais, caçando-os para comê-los, com cenas de vários lugares do mundo. Esses tipos de filmes, por chocar, eram bastante popular na época. Conan LeCilare, como já estava cheio de filmar animais, sugeriu outra coisa mais chocante. Ele disse: “Por que não fazer algo sobre seres humanos sendo mortos?”. O homem deu um olhar estranho, mas aceitou a proposta, e pediu que Conan LeCilaire preparasse uma amostra de como seria o filme para ver se poderia ser aprovado.
O futuro diretor de Faces da Morte passou então a correr atrás de cenas de pessoas mortas. Convenceu um médico amigo a deixá-lo filmar em um necrotério e cenas de autópsia, cenas que foram misturadas a imagens de marinheiros sendo espancados até a morte. Sua filmagem foi mostrada ao produtor que a encomendou. Sendo na hora aprovada e deixando-o bastante entusiasmado com o resultado.
Aprovado seu projeto, LeCilaire precisava encontrar mais imagens de pessoas mortas. Ele comprou de uma empresa de TV as imagens de uma mulher pulando da janela de um prédio e as cenas de acidentes de automóveis. Ele se sentiu bastante alegre quando um estagiário de uma empresa de TV lhe disse que possuía uma fita em que estava escrito “partes do corpo”. Porém, como as cenas reais eram bem poucas, não dando para preencher o tempo de um filme, LeCilaire resolveu, junto com um escritor, bolar cenas não reais --- ataque de crocodilo, cadeira elétrica, decapitação, e além de outras, a famosa cena do cérebro de macaco --- para tanto alugou locações, contratou atores uma empresa de Hollywood, e em pouco mais de um mês, Faces da Morte estava pronto.
Faces da Morte foi mesmo Proibido em 46 Países?
O Faces da Morte foi lançado nos cinemas japoneses em 1978, com o nome Junk, e foi um enorme sucesso. Porém, seu sucesso seria ainda maior, mundialmente, com o surgimento dos videocassetes e das locadoras de vídeo, na década de 80. E a verdade é que Faces da Morte foi proibido, sim, em alguns poucos países, como a Grã-Bretanha, por seu conteúdo violento. Motivo que inspirou seus produtores a chamar mais atenção, aumentando muito o número de países que o proibiu.
Assassinatos Relacionados ao Faces da Morte
Nos Estados Unidos, algumas locadoras passaram a não aceitar ter o Faces da Morte em seu acervo, e leis passaram a proibi-lo de cair nas mãos de adolescentes. Psicólogos discutiam o efeito ruim dele em mentes jovens. Fato que agravou ainda mais quando, em 1986, Rod Matthews, um garoto de 14 anos, de Massachusetts, atraiu um colega para uma floresta e o espancou com um taco de beisebol. Mas tarde ele afirmou que decidiu matar alguém após ter visto Faces da Morte. Após isso, mais dois assassinos se disseram estimulados a matar após ter visto o famoso filme.
Questionado pela possível influência de seu filme sobre tais assassinatos, Conan LeCilaire, disse: “Faz-me sentir mal por [Matthews] dizer: 'Foram os Faces da Morte que me fizeram fazer isso.' Mas acredito que, se Faces da Morte não estivesse por perto, isso o teria impediria de fazê-lo? Não."
Em uma nova pergunta, LeCilaire, disse: "Não acredito que seja minha culpa", disse ele, depois faz uma pausa. “Talvez seja. Detestaria pensar nisso”. E perguntado sobre o que ele queria com seu filme, Conan LeCilaire, responde: "Chocar as pessoas".
Na manhã de 13 de agosto de 2019, o diretor e criador do Faces da Morte, John Alan Schwartz (Conan LeCilaire), faleceria, e sua esposa, Joan Alperin-Schwartz, prestou uma homenagem na rede social do marido:
FONTES: The Guardian
Confesso que com a substituição, em outros volumes da série, do primeiro apresentador do documentário por um substituto, que abusava de expressões faciais exageradas, afirmando que seu antecessor ficou tão obcecado pela própria morte que acabou por antecipar a própria, e mostrando o que seria a urna que conteria suas cinzas, confesso que me levou a desconfiar que aquilo tudo não era algo sério, mas logo isso foi esquecido com a visão das próximas cenas.
Mas havia melhores argumentos para acreditar que tudo era pura encenação. Um desses fatos era o grande número de mortes acidentais gravadas, que não parecia combinar com o número tão restrito de câmeras nas ruas.
Em 1978 não existia a facilidade de captar tais cenas, como de hoje em dia, em que cada pessoa possui uma câmera de filmar em seu bolso, 24 horas por dia, acoplada ao seu celular, tendo por isso a grande chance de poder gravar acontecimentos inusitados. Era uma época em que câmeras de filmar eram caras, grandes e nem todos tinham. Então como tais cenas eram obtidas, aparentemente com tanta facilidade? Acredito que poucos se aperceberam disso.
Pois não é que o famoso documentário, que desde 1978, ano de seu lançamento, tinha marcado gerações por suas cenas horripilantes, e feito muita gente dormir com a luz acesa, ao comemorar seus 30 anos de lançamento, trazia em uma nova edição um make off mostrando e revelando, de uma vez por todas, que tudo não passou de encenação, trazendo entrevistas e cenas que explicavam como tudo teria sido feito. O homem executado na cadeira elétrica era apenas um ator; o cérebro do pobre macaco era couve-flor; a sangrenta briga de cães, não havia sangue, mas apenas geléia vermelha, e por aí vai. Há também o fato curioso de que alguns atores morriam em determinadas cena, para aparecerem vivos em outra, para “morrer” novamente (risos).
Na verdade, o documentário Faces da Morte era um falso documentário, que aliava a forma documentário a falsa afirmação de que seu conteúdo continha imagens reais, somente para impressionar e chocar o público. Artifício que hoje é tão comum, seja na exibição da frase “baseado em fatos reais”, ou em filmes com aparência de documentários. E o Faces da Morte fez tanto sucesso, que não apenas deu origem à uma série de vídeos mas também impulsionou que outros o imitassem.
O verdadeiro nome do diretor de Faces da Morte se chama John Allan Schwartz, embora ele ainda insiste em ser, como na época da gravação de seu famoso filme, chamado de Conan LeCilaire --- nome que em francês ele achava que significava Conan, o Assassino.
Ele conta que, na metade dos ano 70, um produtor da produtora japonesa Tohokushinsha, bateu na produtora de filmes de seu pai, que era especializada em filmes da natureza, com a ideia de se produzir algo semelhante ao filme The Great Hunt, contendo imagens de pessoas matando animais, caçando-os para comê-los, com cenas de vários lugares do mundo. Esses tipos de filmes, por chocar, eram bastante popular na época. Conan LeCilare, como já estava cheio de filmar animais, sugeriu outra coisa mais chocante. Ele disse: “Por que não fazer algo sobre seres humanos sendo mortos?”. O homem deu um olhar estranho, mas aceitou a proposta, e pediu que Conan LeCilaire preparasse uma amostra de como seria o filme para ver se poderia ser aprovado.
John Alan Schwartz (Conan LeCilaire) |
Aprovado seu projeto, LeCilaire precisava encontrar mais imagens de pessoas mortas. Ele comprou de uma empresa de TV as imagens de uma mulher pulando da janela de um prédio e as cenas de acidentes de automóveis. Ele se sentiu bastante alegre quando um estagiário de uma empresa de TV lhe disse que possuía uma fita em que estava escrito “partes do corpo”. Porém, como as cenas reais eram bem poucas, não dando para preencher o tempo de um filme, LeCilaire resolveu, junto com um escritor, bolar cenas não reais --- ataque de crocodilo, cadeira elétrica, decapitação, e além de outras, a famosa cena do cérebro de macaco --- para tanto alugou locações, contratou atores uma empresa de Hollywood, e em pouco mais de um mês, Faces da Morte estava pronto.
Faces da Morte foi mesmo Proibido em 46 Países?
O Faces da Morte foi lançado nos cinemas japoneses em 1978, com o nome Junk, e foi um enorme sucesso. Porém, seu sucesso seria ainda maior, mundialmente, com o surgimento dos videocassetes e das locadoras de vídeo, na década de 80. E a verdade é que Faces da Morte foi proibido, sim, em alguns poucos países, como a Grã-Bretanha, por seu conteúdo violento. Motivo que inspirou seus produtores a chamar mais atenção, aumentando muito o número de países que o proibiu.
Assassinatos Relacionados ao Faces da Morte
Nos Estados Unidos, algumas locadoras passaram a não aceitar ter o Faces da Morte em seu acervo, e leis passaram a proibi-lo de cair nas mãos de adolescentes. Psicólogos discutiam o efeito ruim dele em mentes jovens. Fato que agravou ainda mais quando, em 1986, Rod Matthews, um garoto de 14 anos, de Massachusetts, atraiu um colega para uma floresta e o espancou com um taco de beisebol. Mas tarde ele afirmou que decidiu matar alguém após ter visto Faces da Morte. Após isso, mais dois assassinos se disseram estimulados a matar após ter visto o famoso filme.
Questionado pela possível influência de seu filme sobre tais assassinatos, Conan LeCilaire, disse: “Faz-me sentir mal por [Matthews] dizer: 'Foram os Faces da Morte que me fizeram fazer isso.' Mas acredito que, se Faces da Morte não estivesse por perto, isso o teria impediria de fazê-lo? Não."
Em uma nova pergunta, LeCilaire, disse: "Não acredito que seja minha culpa", disse ele, depois faz uma pausa. “Talvez seja. Detestaria pensar nisso”. E perguntado sobre o que ele queria com seu filme, Conan LeCilaire, responde: "Chocar as pessoas".
Na manhã de 13 de agosto de 2019, o diretor e criador do Faces da Morte, John Alan Schwartz (Conan LeCilaire), faleceria, e sua esposa, Joan Alperin-Schwartz, prestou uma homenagem na rede social do marido:
"Hoje de manhã, John faleceu. Ele está agora com os anjos. Mas tenho a sensação de que ele voltará. Ele morreu em paz. Ele foi uma das pessoas mais engraçadas, únicas, originais, criativas e mágicas que eu já conheci. Viver com ele foi uma aventura. Ele chorou por filmes tristes, riu muito e fez os outros rirem muito. Ele acordava todos os dias com uma nova idéia para um programa de TV ou um filme. Ele trouxe o escritor para mim e me trouxe café e um pãozinho na cama todos os dias durante vinte e dois anos.Ele compartilhou a mesma paixão pelas viagens que eu e fizemos algumas aventuras realmente extraordinárias e fizemos algumas festas incríveis. John era um ótimo cozinheiro e adorava jantares ... Embora nunca comesse neles. Ele estava sempre cheio demais de provar a comida que estava criando. Ele era tão apaixonado por animais quanto eu. Ele adorava conversar com as pessoas e fazia as perguntas mais íntimas, e porque as pessoas sabiam que era sincero, elas revelariam a ele os segredos mais profundos. Ele era definitivamente único. Acho que John e eu nos conhecemos em outra vida. No segundo em que o vi, soube em todas as células do meu corpo que estaríamos juntos para sempre e em algum nível estaremos. Adeus, Johnny. Sentiremos a tua falta."
FONTES: The Guardian
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