Conta a lenda que o boto, em noites de lua cheia, toma a forma de um belo homem que seduz jovens mulheres, levando-as para beira de rios, e engravidando-as. O belo rapaz, está sempre vestido de branco e nunca tira seu chapéu. Quando a ribeirinha tira seu chapéu descobre que ali jaz escondido sua narina de boto, de onde sai jatos d’água. Fato que o faz voltar a sua forma original, mergulhando no rio e sumindo em suas águas.
Pois a crença nesta velha lenda da Amazônia tem sido apontada pelas juízas Elinay Melo e Nubia Guedes, no texto Não Foi Boto, Sinhá: a Violência Contra a Mulher Ribeirinha como forma usada por familiares de meninas estupradas da ilha de Marajó para ocultar estupros, pedofilia e a submissão de mulheres da região da ilha do Marajó, no estado do Pará.
O texto afirma: “Inferimos que esta cultura [lenda do boto] tem contribuído, junto com outros fatores, tais como: distância geográfica e ausência de políticas públicas efetivas, para ocultar o enfrentamento da violência contra a mulher naquela região.”
Não Foi Boto, Sinhá
O problema do texto em questão é que além de afirmar que pessoas se valem da lenda do boto para ocultar estupros e demais formas de violência contra a mulher ribeirinha, o texto também dá a entender que a lenda do boto surgiu com essa intenção:
Portanto, para as juízas a Lenda do Boto retrata “cenas do cotidiano ribeirinho”, como “estupro, pedofilia e incesto”, “de forma ricamente estilizada e disfarçada”. Vale chamar atenção para a palavra “disfarçada” aqui. Isto é, para as juízas a Lenda do Boto se originou como forma de “disfarçar” a gravidez indesejada provocada por estupros feitos por avós, pais, padrastos, tios, cujos familiares encontram na lenda de uma entidade sobrenatural formas de despistar a violência cometida contra a mulher.
Pajelança: o Lado Oculto e Místico da Lenda do Boto
Porém, contribuindo para que a Lenda do Boto não passe a ganhar um sentido ruim, um mero modo fantasioso inventado para encobrir estupros, sendo “fruto de uma sociedade patriarcal”, machista, o presente texto traz algumas informações sobre a Lenda do Boto que ajudará a vermos em sua interpretação original.
Pajelança
A lenda do boto tem relação direta com a Pajelança, ou Encantaria, religião tipicamente da amazônia, com seres mitológicos e encantados da floresta amazônica. Seus ensinamentos são transmitidos de geração em geração, de forma oral. Se baseia na crença dos caruanas, seres espirituais, que já estavam aqui muito tempo antes dos humanos, e que habitam cidades em baixo das águas dos rios. É por intermédio deles que os pajés possuem o poder de cura e conhecimento sobre os poderes da floresta.
E ao contrário do que diz o texto das duas juízas, a Pajelança, ou mais especificamente a Lenda do Boto, não é “fruto de uma sociedade patriarcal”, machista, que afirma a submissão das mulheres, mas antes é uma religião praticamente comandadas por mulheres, por meio de benzedeiras, em que o feminino é algo sagrado, e as mulheres são vistas com poder e sabedoria. E muitas vezes estas são a via que leva os homens a dimensão mágica da natureza.
Segundo a pesquisadora Socorro Simões da UFPa, que já recolheu mais de 5300 narrativas contadas no Pará, a grande maioria é sobre o boto, e ao contrário do que se pensa, não é apenas mulheres que se relacionam com o boto, homens também se relacionam com o boto fêmea, porém ela aparece na forma animal.
Boto e Abusadores
A pesquisadora Socorro Simões também esclarece que os filhos tidos como gerados de uma relação com boto pode, sim, ser uma tentativa de explicar gravidez indesejadas, mas também pode ser fruto real na crença das mães numa relação mágica-religiosa com o boto. Ou seja, a crença no encantamento do boto também deve ser visto como uma forma de religiosidade legítima, e ser respeitada como tal.
FONTES:
Não Foi Boto, Sinhá: a Violência Contra a Mulher Ribeirinha
Botos São Pais de Meninos e Meninas na Amazônia
O texto afirma: “Inferimos que esta cultura [lenda do boto] tem contribuído, junto com outros fatores, tais como: distância geográfica e ausência de políticas públicas efetivas, para ocultar o enfrentamento da violência contra a mulher naquela região.”
Não Foi Boto, Sinhá
O problema do texto em questão é que além de afirmar que pessoas se valem da lenda do boto para ocultar estupros e demais formas de violência contra a mulher ribeirinha, o texto também dá a entender que a lenda do boto surgiu com essa intenção:
Essa lenda, possivelmente nascida entre os ribeirinhos amazônicos, é conhecida para além desse universo e foi homenageada por meio de diversas manifestações artísticas, seja em música, poesia e, inclusive retratada no filme (Ele, o Boto) de Walter Lima Júnior e ocupa o rico e até romântico imaginário amazônida, onde habitam outros serem encantados como a Yara[1], a Matinta Pereira[2], e tantos outros encantados, mas que também retratam de forma ricamente estilizada e disfarçada, cenas do cotidiano ribeirinho, que vai da gravidez na adolescência a problemas mais graves: como estupro, pedofilia e incesto.
Portanto, para as juízas a Lenda do Boto retrata “cenas do cotidiano ribeirinho”, como “estupro, pedofilia e incesto”, “de forma ricamente estilizada e disfarçada”. Vale chamar atenção para a palavra “disfarçada” aqui. Isto é, para as juízas a Lenda do Boto se originou como forma de “disfarçar” a gravidez indesejada provocada por estupros feitos por avós, pais, padrastos, tios, cujos familiares encontram na lenda de uma entidade sobrenatural formas de despistar a violência cometida contra a mulher.
Pajelança: o Lado Oculto e Místico da Lenda do Boto
Porém, contribuindo para que a Lenda do Boto não passe a ganhar um sentido ruim, um mero modo fantasioso inventado para encobrir estupros, sendo “fruto de uma sociedade patriarcal”, machista, o presente texto traz algumas informações sobre a Lenda do Boto que ajudará a vermos em sua interpretação original.
Pajelança
Livro da Pajé Zeneida Lima |
A Lenda do Boto
Para a Pajelança, humanos, animais, plantas possuem a mesma natureza, se diferenciam apenas pela aparência, e esta aparência pode mudar magicamente; humanos podem se tornar um animal, uma planta e vice versa, como vemos nas lendas amazônicas como da matinta pereira --- mulher amaldiçoada que se vira em porco, coruja, etc. Sendo assim, a transformação do boto em homem, obedece a esse princípio, e não --- como insinua o texto das duas autoras --- criações originadas como tentativas de ocultar e proteger estupradores.Segundo a pesquisadora Socorro Simões da UFPa, que já recolheu mais de 5300 narrativas contadas no Pará, a grande maioria é sobre o boto, e ao contrário do que se pensa, não é apenas mulheres que se relacionam com o boto, homens também se relacionam com o boto fêmea, porém ela aparece na forma animal.
Boto e Abusadores
A pesquisadora Socorro Simões também esclarece que os filhos tidos como gerados de uma relação com boto pode, sim, ser uma tentativa de explicar gravidez indesejadas, mas também pode ser fruto real na crença das mães numa relação mágica-religiosa com o boto. Ou seja, a crença no encantamento do boto também deve ser visto como uma forma de religiosidade legítima, e ser respeitada como tal.
FONTES:
Não Foi Boto, Sinhá: a Violência Contra a Mulher Ribeirinha
Botos São Pais de Meninos e Meninas na Amazônia
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