terça-feira, 29 de setembro de 2015

O NOIVADO SOBRENATURAL (por Walcyr Monteiro)


Muito antes do diretor Tim Burton fazer o seu magnífico filme "A Noiva Cadáver", uma antiga lenda fantasmagórica da cidade de Belém já narrava o noivado entre um jovem e um fantasma de mulher, presente no livro "Visagens e Assombrações de Belém" de Walcyr Monteiro.



Convido todos a conhecerem esta curiosa lenda que, por sua semelhança com a história do filme, foi ilustrada com seus personagens:
Noivado Sobrenatural 

Pedro caminhava lentamente pela noite. Os acontecimentos daquele dia não haviam sido nada agradáveis: além de perder o emprego, depois de uma discussão violenta com o patrão, havia também terminado o namoro com Letícia. Não era, pois, sem motivo que estava totalmente arrasado, mergulhado em profunda melancolia, deprimido mesmo. Em seu estado mórbido, não conseguia afastar do pensamento as palavras ásperas trocadas com seu Gastão, seguidas de "pode fazer suas contas", que alternavam o encontro com Letícia, cabeça baixa, fugindo do seu olhar, dizendo "não vai dar certo".

Neste estado, Pedro caminhou sem destino durante muito tempo. Passava pelas pessoas sem ver, tropeçava às vezes em buracos ou simplesmente dava topadas nas calçadas das garagens, em nível ligeiramente mais alto que o pavimento, soltando, nestes momentos, exclamações pornofônicas.

Pode fazer suas contas... não vai dar certo... pode fazer suas contas... não vai dar certo....pode...
— É, a gente bem que não quer acreditar nestas coisas, bem que se diz que é besteiras e crendice do povo. No entanto, duas desgraças foram acontecer logo hoje, sexta-feira de Agosto.



É muita coincidência junta. E meu horóscopo bem dizia "Cuidado com o dia de hoje. Relações tensas no local de trabalho, podendo haver discussões com superiores. No amor, estremecimentos com a pessoa amada. Evite encontros com estranhos ou desconhecidos. Muita cautela e adie as decisões". Só que não decidi nada. Decidiram no meu lugar e recebi dois bilhetes azuis: do patrão e da namorada. Que dia mais nefasto.

E Pedro pensava nos enlevos amorosos com sua terna Letícia, em seus beijos, em sua carícias... Na verdade, não podia compreender com aquele namoro de mais de 2 anos, com data marcada para o noivado, pudesse terminar tão bruscamente. Não se aborrecia tanto com o fato de haver sido despedido, mas com o término do namoro, não se conformava. E se perguntava "Por que Letícia, por quê?". Quarteirões sucediam quarteirões, e Pedro não dava por isto. Em sua depressão, não notava que o tempo começava a modificar-se. A lua havia sido coberta por nuvens escuras e não mais se divisava estrelas no céu. Um vento frio, anunciador que forte chuva cairia sobre a cidade, batia no rosto de Pedro, sem que disto desse acordo.

De repente, como se houvesse despertado, notou que se achava bastante longe de sua residência. Olhou ao redor e para o céu, sentindo-se mal. Não sabia em que bairro se encontrava. Teve consciência apenas da chuva que cairia e que teria de sair dali o quanto antes.



Á medida que se afastava, seu mal-estar aumentava: não era comum, era algo indescritível, que fazia os pêlos de seu corpo se eriçarem. Pedro sorriu amargamente, quando seus dedos, no bolsinho do lado esquerdo da calça, tocaram nas duas alianças que levara, a fim de Letícia experimentar. Mas ela não lhe dera esta satisfação e nem mesmo oportunidade de poder tirá-las.

Relâmpagos riscavam o céu, seguidos de ensurdecedores trovões. Quando as faíscas elétrica apareciam, de relance Pedro via as árvores e a vegetação das casas vizinhas, que faziam com que seu mal-estar aumentasse. La acelerar o passo, quando sentiu-se observado. Parou. Olhou para todos os lados e não viu ninguém.

— Decididamente, hoje não é meu dia, pensou.
Repentinamente, como se saísse do nada, ouviu aquela voz argentina:
— Boa noite.



Sobressaltado, Pedro virou-se. Lá, aonde olhara antes e nada vira, estava uma jovem.



— Bô... boa noite!
— Você parece que está muito triste e assustado. No entanto, não creio que um rapaz como você tenha medo de uma moça.
— Não! Não é medo não! Apenas olhei para lá agora mesmo e não lhe vi.
— Eu o estava observando já há algum tempo. Você não me viu porque eu estava atrás da árvore.

Raios seguidos de trovões continuavam e já uma fina chuva começava a cair. Pedro não estava muito interessado naquela conversa. Mas a moça o envolveria de tal maneira, que não sabia despedir-se. E foi convidado por ela para ir à sua casa. Pensou um pouco antes de responder. Depois, verificou que não sabia onde se encontrava e resolveu aceitar o convite, nem que fosse só para passar a chuva.



Caminhavam lado a lado, suas mãos roçaram e foi o suficiente para que o Pedro segurasse a dela, com total anuência da moça. Aliás, a conversa desviara o pensamento de Pedro de seu ex-emprego e também de sua ex-namorada. Começara a olhar para moça: morena clara, cabelos negros, olhos castanhos, era de suave beleza. Demonstrava ter forte personalidade e sua voz era uma das coisas que mais lhe agradavam. Não tinha nenhuma aparência de ser de aventura, muito pelo contrário, era de fina educação e parecia a imagem da pureza.

Finalmente, chegaram à casa. Mal entraram, violenta chuva, característica das regiões equatoriais, desabou sobre Belém. Raios a trovões continuavam, e Pedro, olhando pelas vidraças, achou, mais do que nunca, aquela noite lúgubre.

— E seus pais? — perguntou.
— Não se preocupe, eles não estão aqui.
— Mas... você está sozinha?
— É o que parece, não?

Sentaram-se no sofá, mãos entrelaçadas. Pedro, embora melhor, continuava desassossegado. Apesar do carinho da moça, do tratamento que estava recebendo, a impressão que sentia era a mesma que se sente nos pesadelos.
O temporal agora estava mais violento, e lufadas de vento traziam grossas gotas de chuva contra as vidraças.

Provocado pela moça, Pedro contou suas desventuras. A moça acalentava-o. Afinal, Letícia não era a única moça da face da terra, assim como o emprego que perdera. E "Deus escreve direito por linhas tortas". Naturalmente encontraria nova namorada e empregos melhores.

— E você, perguntou Pedro, já teve alguma decepção amorosa.



— Eu? Ora, eu não soube o que foi amar...
— Heim? Não soube?
— Quero dizer... não sei ainda o que é amar.

O tempo verbal empregado pela moça, que a esta altura Pedro já sabia chamar-se Maria de Souza Oliveira, fez o mal-estar do rapaz aumentar. Sentia agora a moça como se fosse um ímã, destes empregados em brinquedos de criança, que ora atraem, ora repelem. Ao mesmo tempo em que sentia-se atraído por Maria, pensava que devia afastar-se, embora não tivesse, aparentemente, nenhum motivo para isto. Afinal, Maria era tão meiga...

E esta meiguice fez com que ele aceitasse seu convite para dormir. Cerca de 23:30 horas. Ao ir para o quarto de Maria, a chuva aumentou sua força. Parecia verdadeiramente tempestade.

Trovões sobre trovões faziam a casa estremecer. Deitaram-se juntos e a proximidade dos corpos fez com que se entrelaçassem. Com toda a inquietação que sentia Pedro desejou-a...

— Afinal, posso dizer que já amei... disse Maria.
— Mas você... você... era virgem?
— Disse bem: era, pois agora não sou mais...

Maria parecia a mulher mais feliz do mundo. Pedro estava atônito. Os acontecimentos de sexta-feira culminaram de maneira inesperada... Lembrou-se das alianças que tinha no bolso. Tirou-as.



— Olhe... quero que aceite como nosso noivado. Casaremos assim que consiga emprego.
Maria sorriu, colocando a aliança no anelar direito, e tirou pequeno anel com pedra, dando-o ao rapaz.
— Guarde como lembrança minha. É para não se esquecer de mim. O rapaz colocou o anel no dedo mínimo. Maria beijou-o: Você me fez muito feliz. Espero que eu também o tenha feito. Não gostaria, nem mesmo sem querer, de lhe fazer o menor mal.

Pedro respondeu ao beijo, estranhando, porém, as palavras de Maria. Mas foi trocando juras de amor que adormeceram abraçados. Pedro guardou a última frase de Maria.

— Jamais me esquecerei de você...
Lá fora, o vento frio soprava violentamente, fazendo o aguaceiro varrer telhados e paredes das casas. No ar, relâmpagos e trovões...

Pedro remexeu-se. estranhou. O colchão da cama, tão macio e quente, parecia duro e gelado. Com as mãos, procurou Maria e só encontrou o vácuo. Sonolentamente, abriu os olhos. E viu o descampado cheio de cruzes.

Estava no Cemitério de Santa Izabel, Horrorizado, cheio de pavor, viu onde se encontrava: em cima de uma sepultura. Olhou para a cruz. Lá estava um retrato esbranquiçado, mas perfeitamente reconhecível, de Maria de Souza Oliveira, morena clara, cabelos negros, olhos castanhos...

“Nascida a 3 de Fevereiro de 1902, falecida a 13 de Fevereiro de 1918".
Sem conseguir pensar, viu que na parte de baixo da cruz estava a aliança que lhe dera como sendo de noivado. Em seu dedo mínimo, o anel com que a moça o presenteara...

E às 6 horas da manhã daquele sábado, os que estiverem nas cercanias do Cemitério teriam ouvido aquele grito enregelante de pavor. Era de Pedro. Que saiu correndo do Cemitério...

Nenhum comentário:

Postar um comentário