A MISSA DAS ALMAS DO CEMITÉRIO
SOLEDADE
Hoje,
quem passa pelo velho portão do cemitério de Nossa Senhora da Soledade, em
Belém, ignora o que ocorreu por trás de seus muros há muitos, muitos anos
atrás: uma velha história fantasmagórica que ainda hoje ecoa por entre seus
túmulos frios e úmidos, e que ainda faz eriçar os pelos de quem a ouve.
Naquele
tempo, o velho cemitério era bem maior do que hoje. Havia sido criado para
comportar os milhares de corpos de pessoas que morriam de cólera e varíola, em
fins do século XIX, e que lá eram sepultados, então no único cemitério da
cidade. Centenas de cadáveres chegavam a todo instante carregados por carroças
puxadas por cavalos cansados do ofício, verdadeiros arautos da morte. E a velha
capela do cemitério, hoje em ruínas, corroída pelo tempo, é a única testemunha
que ainda se mantém de pé perante a morte. Porém, naqueles dias, vivia na mais
frenética atividade, dividida entre velórios, batizados e missas.
E
após uma noite chuvosa, Chica, uma velha senhora descendente de escravos, se
acordou atordoada, pôs-se a vestir-se apressadamente, pois não queria perder a
missa de domingo na pequena capela do cemitério. Ela olhou pelas frestas das
janelas, e pode ver, aliviada, que ainda não havia clareado, e que daria tempo
de caminhar até a santa capela e pegar um bom lugar bem em frente ao padre.
Chica era tão pontual quanto religiosa. Porém, naquele dia, estranhamente, ela
havia acordado bem mais cedo do que de costume. Pôs-se então a caminhar pelas
ruas desertas de Belém, que permaneciam escuras, sem um raio de sol a
prenunciar o amanhecer, somente um estranho nevoeiro a flutuar sobre a terra
úmida pela chuva da noite passada.
Ao
chegar na pequena capela do cemitério, Chica estranhou ao observar que embora
fosse cedo a capela já estava cheia, com quase todos seus assentos tomados por
pessoas de cabeças baixas, exceto, curiosamente, um assento na primeira fila,
como tanto queria Chica, que imediatamente se dirigiu até ele. Sentou-se, e
pôs-se a esperar o padre que demorava. E após impacientar-se, resolveu levantar-se,
e ir até ao altar, benzer-se, e perguntar para a mulher com longo véu negro
sobre o rosto que estava ajoelhada em frente ao altar, o motivo da demora. E
mesmo após Chica proferir sua pergunta, a mulher permanecia calada. E foi
devido a insistência de Chica que a mulher, enfim, resolveu atendê-la,
suspendendo o véu de seu rosto. Foi quando Chica pode perceber que a mulher
tinha o rosto extremamente magro, olhos desbotados, fundos, imersos em olheiras
profundas em um rosto pálido. Chocada com a face doentia da jovem, ela desviou
o olhar para os outros e notou o mesmo aspecto em todos. Foi quando a jovem
respondeu que ainda estava cedo demais para a missa começar. Chica então
perguntou pelo motivo daquela aglomeração se a missa ainda estava longe de começar.
A moça respondeu que eles eram as almas dos que estavam enterrados no Soledade
e tinham morrido vítimas da cólera, e que estavam ali a implorar pelas preces
de seus parentes.
Assustada,
Chica correu desesperada para casa. E foi com extremo pesar que, após uma
semana de febre e agonia, seus parentes a viram definhar e, por fim, morrer de
cólera.
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