terça-feira, 27 de dezembro de 2022

A IMORTALIDADE DA ALMA E OS PENDRIVES



Muito se comenta sobre a possibilidade de uma vida após a morte, isto é, sobre a continuidade da essência humana após a morte do corpo físico. Contudo, a grande maioria das afirmações a esse respeito se baseia apenas em crenças religiosas que, para muitos, não apresenta nenhuma validade. Então resolvi demonstrar tal possibilidade, recorrendo a leis físicas que possibilitaram a criação de tecnologias como as do pendrive.


A IMORTALIDADE DA ALMA E OS PENDRIVES



Até a década de 50, a coisa mais complexa que o ser humano havia inventado tinha sido o sistema de telefonia, com suas milhares de conexões, fios, unindo milhões e milhões de pessoas em grande parte do mundo. Devido a sua complexidade, era comum cientistas usarem o modelo de telefonia para exemplificar o funcionamento do cérebro humano. Porém, hoje, a grande rede de computadores mundial, com seus bilhões e bilhões de bancos de dados, não apenas superou em milhares de vezes a complexidade do sistema de telefonia, como parece ter abarcado todo o conhecimento humano produzido até hoje. Esta nova complexidade originada com a criação dos computadores, se tornou o melhor modelo de explicação de como funciona a memória e a mente humana.


Mas como é Possível que os Modernos Computadores Possam Servir de Modelo de Explicação para o Funcionamento do Cérebro Humano? 

Uma das Salas com Computadores que
Armazenam Milhões de Informação de um Servidor de Internet

Assim como a criação da máquina fotográfica, com suas lentes, câmara escura, etc. ajudaram a entendermos melhor o funcionamento do olho humano --- podendo até mesmo ser reproduzido por meio de suas lentes as causas da miopia, do estrabismo, astigmatismo --- devido ao fato de que, as mesmas leis ópticas que fazem com que o olho humano funcione, são as mesmas que fazem a máquina de fotografia funcionar também. O mesmo pode-se dizer do computador, que funciona por meio de uma lógica semelhante a usada por nós e alimentada por pulsos elétricos, assim como o cérebro, também semelhante na forma de armazenar memória.


As Leis de Transferência de Dados já Existiam Antes dos Computadores e Pendrives, e etc.



Hoje, podemos copiar um documento através de um scanner de computador ou tirar uma foto dele por meio da câmera fotográfica de um aparelho celular, e passar para um aparelho de armazenamento de dados, como um pendrive. Estas informações, ao ser transferidas, passam de uma forma material (papel) para uma forma imaterial (digital), através de pulsos elétricos, conservando sua imagem e informações contidas nele, podendo ser reconstituídas quando decodificadas por uma máquina para que assuma novamente sua imagem (forma) original, por meio de uma impressora ou tela de computador. 


A mudança da forma material do documento para a forma imaterial (digital), feito pela moderna tecnologia, só foi possível graças às leis da natureza. E assim como as leis ópticas já existiam antes da câmera de fotografia ser inventada, ou que o olho humano fosse criado, as leis de transferência de informação já existiam quando ainda não haviam computadores, pendrives ou outro dispositivo moderno de armazenamento de dados.

 

DNA Armazena Informação dos Gens dos Pais para Criar seus Filhos

Mas não vá pensando que só por não existir instrumentos de armazenamento de dados, elas ainda não agiam, pois eram usadas das mais diferentes formas pelo cérebro humano, que captava as informações vistas pelos olhos, e as transformavam em pulsos elétricos cerebrais, transformando-as em memória, e armazenando-as em partes específicas do cérebro. E muito antes de existir o cérebro humano, e mesmo o cérebro dos animais, elas já agiam no mecanismo de DNA, que nada mais é do que um suporte de armazenamento de informações biológicas, sobre um ser e sua ascendência.


A Possibilidade da Imortalidade da Alma Exemplificada pela Tecnologia de Transferência de Informação



As modernas tecnologias de transferência de informação --- wifi, bluetooth, etc. --- são exemplos práticos da existência da passagem de algo do estado material para um estado não-material, mantendo sua essência e identidade por tempo indeterminado, em um estado imaterial independente da matéria, tendo por base leis físicas de transferência de informação que sempre estiveram ativas desde a criação do mundo.


Essas leis poderiam, sim --- já que agem independente do ser humano --- possibilitar que a essência e identidade de um ser material, como a de um ser humano --- tal qual a de um documento, música, estrutura de objetos por impressoras 3D, etc. --- pudesse se tornar independente de sua estrutura material e ser transferida para outro ambiente e permanecer, por tempo indeterminado, independente de uma base material (corpo), e existir mesmo após a destruição do corpo. (Possibilitaria também a existência da reencarnação).

  

Hoje, o Passado e o Futuro

Até pouco tempo, não possuíamos nenhum conhecimento sobre a possibilidade de transferência de informação, do material por meio do imaterial, pois ainda não tínhamos criado a informática e seus mecanismos, nem sabíamos sequer que elas existiam; e nem conhecíamos ainda sobre o funcionamento do mais complexo dispositivo de transmissão de informação biológico conhecido, o DNA. 


É possível que no futuro possamos conhecer mais sobre as leis naturais e mecanismos de transferência de dados, e se torne cada vez mais provável a ideia de que a essência e identidade de um ser humano possa sobreviver à morte de seu corpo físico.


Hoje, usando informações e exemplos vindos das novas descobertas tecnológicas, dizer que é possível que a essência humana sobreviva à morte do corpo, não mais  pode ser visto como um total absurdo, mesmo pelo mais cético.


terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O GÓTICO TROPICAL DE GÓTICO MEXICANO



O GÓTICO TROPICAL DE GÓTICO MEXICANO

Nascida em 1764, com o Castelo de Otranto, de Horace Walpole, a Literatura Gótica sempre se nutriu da atmosfera sombria das paisagens inglesas --- tendo em sua primeira fase os sombrios castelos medievais como ambientação, e em finais do século XIX, as sombrias mansões vitorianas e as lúgubres e enevoadas ruas de Londres como cenários, que tornaram-se parte essencial desta literatura.


Mesmo com a propagação da Literatura Gótica para outros países europeus, ou até mesmo para os Estados Unidos, a mudança de ambientação não foi tão grande, já que mantinha-se o mesmo clima frio, com cultura e arquiteturas semelhantes. O que gera a inevitável pergunta: Seria possível fazer Literatura Gótica ambientada em um país não-europeu e com clima tropical?


Silvia Moreno-Garcia

À essa pergunta a escritora mexicana Silvia Moreno-Garcia respondeu com seu romance Gótico Mexicano, de 2020, ambientado na Cidade do México. 


Gótico Mexicano (Sinopse)

Noemi Tabuada é uma jovem mexicana de uma rica família que divide a vida entre festas, namoros, e seu desejo de cursar o mestrado de antropologia --- algo que, em plena década de 1950, não é nada comum para uma mulher. Seu pai recebe uma carta confusa de sua prima Catalina, que afirma coisas estranhas sobre a família do marido, além de dizer que está sendo envenenada e diz ver fantasmas atravessarem as paredes da casa. O pai sugere que Noemi viaje em busca da prima e verifique seu estado de saúde.




Noemi ao chegar, se depara com uma mansão vitoriana decadente com grandes manchas de mofo, no alto de uma colina, próxima a um antigo cemitério tomado por cogumelos. Verifica também o estranho comportamento dos parentes do marido da prima, uma família inglesa, com regras rígidas de silêncio, que delimita seu pouco contato com a prima, e que, passados tantos anos no México, reluta em absorver costumes mexicanos, ou aprender a língua nativa, mas conserva todos os costumes ingleses, chegando ao ponto de terem aterrado o terreno da casa com areia inglesa trazida de barco para sua nova morada.


Com o passar do tempo Noemi percebe algo muito mais estranho naquela casa do que suas paredes tomadas pelo mofo, passando a se sentir tão desorientada quanto a prima, e descobre que um terrível segredo envolve aquela casa e seus membros, e luta para fugir com sua prima.


O Gótico Tropical



O romance de Silvia Moreno-Garcia não traz apenas a novidade de situar uma história gótica em terras tropicais, embora a autora escolha a forma mais fácil, transpondo os mesmos clichês das histórias góticas inglesas para o México --- a casa decadente vitoriana cercada por um antigo cemitério, no topo frio de uma colina, tomada por denso nevoeiro, que a autora afirma existir realmente em lugares montanhosos do México.




Mas a grande novidade de Gótico Mexicano é desfazer estereótipos que concebem personagens de países do terceiro mundo, apenas como serviçais e ignorantes, pois Noemi pertence a uma rica família mexicana, sendo uma mulher inteligente e bastante informada, que fala de igual com os esnobes membros da família inglesa do marido de sua prima, cujo patriarca é um arrogante racista que durante sua conversa com Noemi sempre põe em relevo a superioridade dos ingleses sobre os mexicanos, mesmo tendo em sua frente a bela representante de uma das principais etnia indígena que formaram a população mexicana.



É interessante ver em uma mesma história de terror, a autora desconstruir não apenas a ideia de que uma história gótica só pode ser concebida em um país europeu, de clima frio ou de cultura semelhante à europeia, como também expor críticas à ideia de que culturas não-europeias de países do terceiro mundo são inferiores àquelas, superioridade que fica claro quando a família inglesa, Doyle, se recusa a absorver qualquer manifestação cultural, incluindo a língua, do México, apesar de ter ido para lá há décadas com o intuito de explorar as minas de pratas da região. Ou seja, apenas de explorar sem dar nada em troca, um componente tão presente na política de colonização propagada pelo Império Britânico sobre suas antigas colônias, embora o México não tenha sido colônia britânica, mas que serviu muito bem o recado.




A incorporação de elementos da história e da cultura mexicana a um romance gótico, também foi fabuloso, saindo da prática de valorizar apenas a cultura de países ricos, e dando aos leitores mexicanos o prazer de verem sua cultura retratada em uma divertida história escrita ao modo inglês, e aos estrangeiros, a oportunidade de conhecer um pouco da cultura de um país que tem em sua cultura uma singular forma de culto aos mortos, em que festeja-se o dia destes com festas noturnas em cemitério.


quarta-feira, 16 de novembro de 2022

“VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM” E A ENCANTARIA DO MARAJÓ


 

“VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM” E A ENCANTARIA DO MARAJÓ

No popular livro Visagens e Assombrações de Belém, de Walcyr Monteiro, além de histórias sobre visagens e assombrações, já referidos no título, há uma série de contos focados nas lendas amazônicas e, seguramente, são os mais originais do livro, por estarem ligados diretamente à cultura amazônica. 


E entre estes contos um se destaca por contar uma história muito diferente das demais, que se assemelha a um conto de fantasia, “O Estranho Cliente do Dr. X”. Mas seria ele realmente um conto de fantasia? E o que o faz ser diferente dos demais contos do livro?



O Estranho Cliente do Dr. X 

Um médico tem seus serviços requisitados, de madrugada, por um misterioso cliente que procura por ajuda, mas diz que o médico terá que ser vendado até o local. Por meio de seus outros sentidos, o médico percebe que havia sido levado até ao cais. Ao descer uma escada e sentir seus pés molharem, deduz que está indo para um navio. “O médico sentiu assim como se deslizasse no espaço. Não se pode falar em voar… Apenas que o espaço sentido pelo médico era líquido”. Ao passar por uma porta, retiraram a venda de seus olhos, “o Dr, deparou-se com um luxuosíssimo quarto, muito bem decorado, apenas em estilo completamente diferente de tudo o que conhecia”.


Após ter feito o quê tinha sido solicitado, deu uma última olhada no quarto, antes de ser novamente vendado, Viu que o teto do local era alto e muito bem trabalhado assim como as paredes do lugar; percebeu também que a luz vinha de candelabros a vela. O Dr. X é novamente vendado. Ao subir a escada de volta sente seu corpo ficar totalmente seco. 


Após ser levado de volta à sua casa, é recompensado com uma bolsa de couro, com moedas de ouro, dobrões espanhóis do século XVII. Ao ver as moedas ele se recorda do quarto e de duas pessoas vestidas ao modo “bem antigo”, presentes no quarto.


“Ao acordar, muito tarde, na manhã seguinte, o Dr. X achou muito engraçado o sonho que tivera. Para ele, tudo não passara de um sonho.”


“Porém, quando levantou-se, seus olhos pararam sobre a mesinha da cabeceira: lá estava a sacola de couro, da qual saiam alguns dobrões de ouro, como a mostrar-lhe que sua estranha aventura, longe de sonho, tinha sido insofismável realidade…”


Segundo o “informante” do Walcyr Monteiro, a história “O Estranho Cliente do Dr. X”, está relacionada com o conto “As Ilhas Encantadas do Marajó” e “O Pai-de-Santo do Jurunas”.

 


As Ilhas Encantadas do Marajó

Neste conto o “informante” de Walcyr relata a viagem que fez ao arquipélago de Marajó e das histórias misteriosas contadas sobre duas ilhas da região, que nativos dizem não ser habitada por pessoas mas pelos encantados, pelas entidades do fundo” do rio. E, ao ouvir histórias de pessoas que foram para as ilhas e nunca mais voltaram, o informante se sente mais curioso ainda a ir até lá, e é a todo custo desencorajado. “Olhe, moço, o senhor é da cidade e não acredita nessas coisas. Mas a verdade é que estas ilhas são encantadas”. E também: “E que era bom que não insistisse muito, pois, só pelo fato de estar demonstrando tal desejo, poderia ser “encantado” pelos habitantes do fundo”. Pronto, durante a noite, ele  é assombrado por sonhos. “Tive uma noite inquieta, sonhando inclusive com seres estranhos, vestidos de maneira esquisita. Acreditei que isto tudo era influência do aspecto do lugar”.


Ainda segundo o mesmo “informante”, o caso contado no conto “O Pai-de-Santo” do Jurunas permitiu relacionar de vez “O Estranho Cliente do Dr. X” com a história do conto “As Ilhas Encantadas do Marajó”.




“O Pai-de-Santo” do Jurunas

Segundo Walcyr Monteiro, em seu livro, dois anos após a visita na ilha de Marajó, o informante tem sua curiosidade despertada, por um amigo, a respeito de um pai-de-santo que recebe uma entidade que consegue adivinhar o passado e o futuro de alguém.


Ao chegar na casa do sujeito em dia impróprio, o informante ao lamentar não poder conhecer a entidade tal (ele pronuncia o nome), imediatamente a faz incorporar no pai-de-santo.


Ao dialogar com a entidade, e a lhe perguntar de onde ela é. A entidade lhe diz que é gente do “fundo”. E questionada por ele “Do fundo da onde?”. A entidade responde “Ser do fundo… Da linha dos encantados ou linha da encantaria… Eu moro perto do Marajó… Tu já ouviu falar da Croa Grande e da Croinha?” O informante provoca: “Mas… se lá não tem nada. É só vegetação”. E a entidade responde: “Tu é que pensa, meu ‘fio’. Não tem nada na superfície, mas tem no ‘fundo’. Lá é meu reino encantado; é lá que eu moro.”


Quem Seria o “Povo do Fundo”?

São os Encantados, entidades pertencentes a Pajelança, ou a Encantaria, que tem nas ilhas de Marajó e Mayandeua (ilha que engloba Algodoal) lugares sagrados, onde antigos pajés iam para adquirir o dom da clarividência e da cura, e ter contato com os caruanas, entidades protetoras que habitam o mundo das águas. 


A crença de que rios e igarapés possuem entidades protetoras --- Mãe D’água, Iara, etc.---, fazendo com que os banhos em igarapés tenham horas certas e desaconselháveis ao banho. Tais crenças produziam nos mais novos certo respeito pela natureza.


A Pajelança acredita em seres encantados, das águas e das matas, que manteriam contato com nosso mundo por meio de portais mágicos --- o Lago da Princesa, em Algodoal, seria um deles, que serveria de portal para a Princesa de Mayandeua, uma entidade de cabelos tão dourado quanto o sol, e de pele tão branca quanto as areias da praia que, segundo a crença, faria crianças ainda não nascidas chorarem no ventre de suas mães, demonstrando sua predestinação a terem o dom da cura e da pajelança. 


Para a Encantaria, diferente de outras religiões brasileiras, suas entidades não seriam espíritos de pessoas já falecidas, mas teriam sido pessoas que se tornaram encantadas, adquirido poderes e se transformado em "encantados''. É nesse sentido que devem ser lido os contos “O Estranho Cliente do Dr. X”, que não seria uma história de fantasia mas a manifestação de uma forma de religiosidade amazônica.

 



Sendo assim, o local para onde o Dr. X foi levado, seria um corsário espanhol, do século XVII, que se tornou encantado, junto com sua gente, e que teria atravessado o tempo e o espaço por meio de um portal, semelhante à outras entidades encantadas --- às Três Princesas Turcas e a crença maranhense ligada ao culto do Rei Dom Sebastião.


Leia Também: As Três Princesas Turcas e os Portais Mágicos

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM (RESENHA DO LIVRO)


 

VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM (RESENHA DO LIVRO)

“Visagens e Assombrações de Belém", de Walcyr Monteiro, é, sem dúvida alguma, o livro mais popular do estado do Pará. A obra, além de conter referências históricas sobre a cidade de Belém, também apresenta parte da pesquisa do autor sobre manifestações religiosas populares, as dedicadas ao culto dos “santos populares” do Cemitério de Nossa Senhora da Soledade. O ponto alto do livro são as histórias orais de visagens coletadas desde os anos de 1972, quando o autor escrevia para o jornal e recebia de seus “informantes” histórias vividas por populares. E é sobre essa parte do livro, que se dedicará a presente resenha.


Guapindaia Assu de Moraes, o Mais Famoso "Informante" de Walcyr. É dele Alguns Relatos Registrado por Walcyr Monteiro. Guapindaia Tinha o Hábito de Escrever seus Relatos de Visagens para os Jornais da Época

Os contos do livro podem ser classificados como histórias de: 


APARIÇÃO: Trata-se de uma entidade benévola, que aparece para trazer-lhe um bem: um ensinamento, conselho, ou quem sabe o segredo de onde o falecido deixou aquele dinheirinho bem guardadinho.


ASSOMBRAÇÃO: Ao contrário da supracitada entidade, esta aparece para perturbar-lhe o juízo, causando-lhe perturbação mental e medo — muito medo mesmo e, seguramente, algumas cuecas borradas.


ENCANTAMENTO: É quando uma entidade da floresta ou das águas põe-lhe um feitiço que o mantém em um estado de encantamento que o une a ela, aos seus propósitos e poderes; necessitando ao encantado quebrar-lhe o feitiço, se quiser se livrar de seu encantamento.


VISAGEM: Esta não lhe causa nem bem nem mal, apenas o arrepiar dos pelos do corpo, um frio na espinha, e medo, muito medo, e, consequentemente,  algumas cuecas borradas, também.*

(*Tirado do Romance “Após a Chuva da Tarde”)


Relação dos Contos e o Tipo de Entidade Tratado no Livro de Walcyr Monteiro:


  • A Porca do reduto (encantamento)

  • A Matinta Perera do Acampamento (encantamento)

  • O Lobisomem da Pedreira (encantamento)

  • O Homúnculo do Largo da Sé (visagem)

  • A Matinta Perera da Pedreira (encantamento)

  • A Mãe d’Água do Igarapé de São Joaquim (encantamento)

  • Morada de Caboclo (encantamento)

  • O Estranho Cliente do Dr. X (encantamento)

  • As Ilhas Encantadas do Marajó (encantamento)

  • O Pai-de Santo do Jurunas (encantamento)

  • O Fantasma Erótico da Soledade (visagem)

  • Noivado Sobrenatural (visagem)

  • Encontro na Praça (visagem)

  • A Moça Sem Face (visagem)

  • O Espectro e a Botija

  • Receitas e Operações Sobrenaturais

  • O Fantasma do Hirondelle (visagem)

  • O Cruzeiro do Telégrafo (visagem)

  • Aparições do Parque (assombração)

  • A Ponte do Igarapé das Almas (aparição)

  • A Procissão das Almas (aparição)

  • O Grito dos Lenhadores da Pedreira (visagem)

  • A Moça do Táxi (visagem)

  • Aposta Macabra (assombração)

  • O Carro Assombrado (visagem)


Os contos, em sua grande maioria, possuem uma escrita simples, com pequenas e saborosas informações históricas sobre os bairros de Belém, que contextualizam suas histórias. Sem dúvida alguma, a simplicidade da escrita é o motivo de sua grande popularidade, que capta o clima de oralidade original de tais histórias.




As histórias de “visagens” e “aparições” são bastante comuns no repertório brasileiro de histórias populares, e no livro de Walcyr tem boas histórias --- destaque aqui para o conto “A Moça Sem Face”, que é um boa história. Tenho que destacar também “O Noivado Sobrenatural”, um dos contos mais longos do livro, e também uma das histórias em que o autor elaborou melhor a escrita, em que um rapaz cansado do péssimo dia que tivera, encontra consolo na companhia casual de uma bela jovem que conhecera à noite na rua. Porém, a história não termina bem para ele. É curioso a semelhança deste conto com o filme A Noiva Cadáver, do diretor Tim Burton


Leia Também O Noivado Sobrenatural.



Os contos focados nas lendas ligadas a “encantamentos”, são, sem dúvida alguma, os mais originais, por estarem ligados diretamente à cultura amazônica. Crenças estas que muitos com idade mais adiantada já ouviram, principalmente nos interiores de nossa região. Destaque aqui para o conto “A Mãe d’Água do Igarapé de São Joaquim”.


A crença de que rios e igarapés possuem entidades protetoras --- Mãe D’água, Iara, etc.---, fazendo com que os banhos em igarapés tenham horas certas e desaconselháveis ao banho ---, produziam nos mais novos certo respeito pela natureza, principalmente àqueles que precisavam dos rios para sua sobrevivência. Algo que nos falta hoje.


O que nos leva a um conto que merece destaque, é o “O Estranho Cliente do Dr. X”, um belíssimo conto, bem elaborado, que parece ser um conto de fantasia. Mas não se engane, trata-se de uma história que tem como foco a Encantaria, uma forma de religiosidade popular, que fica mais claro quando lido em conjunto com “As Ilhas Encantadas do Marajó”, em que é abordado as misteriosas histórias de duas ilhas do arquipélago de Marajó, tidas como encantadas e onde habitam as entidades do “fundo” das águas, os encantados. Este conto encontra sua explicação no conto “O Pai-de Santo do Jurunas”. Aliás, o próprio Walcyr Monteiro confirma isso em seu texto.


Brevemente será feito uma resenha somente para esses três contos por sua importância religiosa. 


Também não poderíamos deixar de destacar o mais famoso conto de Walcyr Monteiro.


A Moça do Táxi


Uma dessas lendas merece destaque pelo fato do autor, Walcyr Monteiro, não apenas ter modernizado seu título, como ajudado a torná-la a mais popular lenda urbana da cidade de Belém. Trata-se da lenda da Moça do Táxi --- nome cunhado pelo autor, que antes era conhecida como A Moça do Carro de Praça, nome antigo dado aos táxis ---, que em todo aniversário ganhava de seu pai de presente uma corrida de táxi pelas ruas de Belém. A lenda afirma que o costume continuou após a morte; com seu fantasma pegando táxi e passeando pelas ruas de nossa cidade. E dando um baita susto aos motoristas, quando este volta à sua casa, para receber pelo pagamento descobrem que a moça já foi desta para melhor.


Túmulo de Josephina Conte, que a Lenda Diz Ser a Moça do Táxi


“A Moça do Táxi” e “Encontro na Praça” 

É interessante comparar a lenda A Moça do Táxi com outro caso contido no próprio livro, chamado “Encontro na Praça”. É indiscutível a semelhança entre as duas histórias.


Em “Encontro na Praça”, um jovem conhece uma moça sob uma mangueira, e encantado por sua beleza e inteligência, passa horas conversando com ela, até que chega o momento dela ir embora. Ele então se oferece para pegar um carro para levá-la. Mas ela não aceita, nem mesmo ir de ônibus ou de bonde, preferindo caminhar até sua casa, o que ele acaba por aceitar. Durante o percurso, começa a chover, ele então, como um bom cavalheiro, oferece a ela sua capa de chuva. 


Ao chegar próximo de sua casa, a moça se despede do rapaz, retirando a capa e a devolvendo. Mas ele não aceita, quer que ela a leve até à casa dela para que não se molhe durante o pequeno percurso --- o motivo verdadeiro é muito mais a possibilidade de um outro encontro com a moça, motivado pela devolução da capa, do que evitar que ela se molhe. 


O encontro para pegar a capa é marcado para outro dia, porém a moça não aparece no horário acertado. Cansado de esperar, ele desiste e decide ir à casa dela pela manhã seguinte.


Lá, ele pergunta pela moça, e recebe a informação que só mora lá uma moça chamada Maria, filha da senhora que o recebe. Nesse instantâneo o rapaz vê pela janela, de relance, um quadro na sala e diz: é aquela moça do quadro. A senhora diz que é sua filha morta há dois anos. Ele, sem acreditar, faz com que a senhora o leve até ao túmulo da filha, no Cemitério de Santa Isabel, e confirme com a própria imagem da moça em uma foto de seu túmulo. Ele, para o espanto de todos, encontra ao lado de sua sepultura, sua capa bem dobradinha.


As circunstâncias que levam o rapaz apaixonado e o motorista de táxi a descobrirem que procuravam por uma moça já falecida, são idênticas: eles veem o quadro da falecida no interior da casa. Também o encontro entre o motorista de táxi e o rapaz apaixonado acontecem no dia de aniversário das duas falecidas. E também são idênticas os desfechos das histórias, afirmando que o apaixonado e o motorista de táxi foram levados até ao túmulo das moças para comprovar sua morte, e que ficaram tão espantados, que ficaram loucos ou que morreram dias depois, no hospital Juliano Moreira, dependendo das versões.


A Lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió 


É interessante notar que a história contada no conto “Encontro na Praça” é semelhante à lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió, estado de Alagoas.


Início do século XX, durante um baile, um rapaz conhece uma moça e se apaixona por ela. Ela ao se despedir dele, ele propõe levá-la de carro até a casa dela. Ela pede para ele deixá-la na entrada de um cemitério. E como estava chovendo, ele dá a ela sua capa de chuva. Ela lhe diz o endereço onde mora para ele pegar a capa no outro dia.


No outro dia, ele vai até ao endereço dado pela moça, uma senhora o atende. Ela diz que não mora nenhuma moço alí com o nome que ele disse, mas que era o mesmo nome de sua filha morta. O rapaz descreve a moça, e conta as circunstâncias do encontro entre os dois. Para tirar a dúvida, a senhora o leva até ao túmulo da filha, Lá ele se depara com a foto da moça e com a capa de chuva ao lado do túmulo.


Túmulo de Carolina de Sampaio Marque, Tida Como a Mulher da Capa Preta


A lenda da Mulher da Capa Preta, é tão famosa na cidade de Maceió quanto a lenda da Moça do Táxi é em Belém, e chegou até a dar nome a um bloco carnavalesco. E assim como a nossa, os moradores de Maceió também afirmam que a visagem tem nome, sobrenome e endereço. Trata-se da senhora Carolina de Sampaio Marques, nascida em 21 de março de 1869 e falecida em 21 de novembro de 1921, que descansa no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, bairro do Prado.




Ao julgar pela semelhança entre as duas histórias, acredito que o conto “Encontro na Praça” foi inspirado na lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió, por meio de uma das principais características das lendas: o grande poder de adaptação delas. E, ao julgar pela antiguidade do túmulo de Carolina Sampaio Marques, e de sua cruz com “capa”, certamente, alguém se inspirou na cruz de seu túmulo para criar sua lenda.