terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O GÓTICO TROPICAL DE GÓTICO MEXICANO



O GÓTICO TROPICAL DE GÓTICO MEXICANO

Nascida em 1764, com o Castelo de Otranto, de Horace Walpole, a Literatura Gótica sempre se nutriu da atmosfera sombria das paisagens inglesas --- tendo em sua primeira fase os sombrios castelos medievais como ambientação, e em finais do século XIX, as sombrias mansões vitorianas e as lúgubres e enevoadas ruas de Londres como cenários, que tornaram-se parte essencial desta literatura.


Mesmo com a propagação da Literatura Gótica para outros países europeus, ou até mesmo para os Estados Unidos, a mudança de ambientação não foi tão grande, já que mantinha-se o mesmo clima frio, com cultura e arquiteturas semelhantes. O que gera a inevitável pergunta: Seria possível fazer Literatura Gótica ambientada em um país não-europeu e com clima tropical?


Silvia Moreno-Garcia

À essa pergunta a escritora mexicana Silvia Moreno-Garcia respondeu com seu romance Gótico Mexicano, de 2020, ambientado na Cidade do México. 


Gótico Mexicano (Sinopse)

Noemi Tabuada é uma jovem mexicana de uma rica família que divide a vida entre festas, namoros, e seu desejo de cursar o mestrado de antropologia --- algo que, em plena década de 1950, não é nada comum para uma mulher. Seu pai recebe uma carta confusa de sua prima Catalina, que afirma coisas estranhas sobre a família do marido, além de dizer que está sendo envenenada e diz ver fantasmas atravessarem as paredes da casa. O pai sugere que Noemi viaje em busca da prima e verifique seu estado de saúde.




Noemi ao chegar, se depara com uma mansão vitoriana decadente com grandes manchas de mofo, no alto de uma colina, próxima a um antigo cemitério tomado por cogumelos. Verifica também o estranho comportamento dos parentes do marido da prima, uma família inglesa, com regras rígidas de silêncio, que delimita seu pouco contato com a prima, e que, passados tantos anos no México, reluta em absorver costumes mexicanos, ou aprender a língua nativa, mas conserva todos os costumes ingleses, chegando ao ponto de terem aterrado o terreno da casa com areia inglesa trazida de barco para sua nova morada.


Com o passar do tempo Noemi percebe algo muito mais estranho naquela casa do que suas paredes tomadas pelo mofo, passando a se sentir tão desorientada quanto a prima, e descobre que um terrível segredo envolve aquela casa e seus membros, e luta para fugir com sua prima.


O Gótico Tropical



O romance de Silvia Moreno-Garcia não traz apenas a novidade de situar uma história gótica em terras tropicais, embora a autora escolha a forma mais fácil, transpondo os mesmos clichês das histórias góticas inglesas para o México --- a casa decadente vitoriana cercada por um antigo cemitério, no topo frio de uma colina, tomada por denso nevoeiro, que a autora afirma existir realmente em lugares montanhosos do México.




Mas a grande novidade de Gótico Mexicano é desfazer estereótipos que concebem personagens de países do terceiro mundo, apenas como serviçais e ignorantes, pois Noemi pertence a uma rica família mexicana, sendo uma mulher inteligente e bastante informada, que fala de igual com os esnobes membros da família inglesa do marido de sua prima, cujo patriarca é um arrogante racista que durante sua conversa com Noemi sempre põe em relevo a superioridade dos ingleses sobre os mexicanos, mesmo tendo em sua frente a bela representante de uma das principais etnia indígena que formaram a população mexicana.



É interessante ver em uma mesma história de terror, a autora desconstruir não apenas a ideia de que uma história gótica só pode ser concebida em um país europeu, de clima frio ou de cultura semelhante à europeia, como também expor críticas à ideia de que culturas não-europeias de países do terceiro mundo são inferiores àquelas, superioridade que fica claro quando a família inglesa, Doyle, se recusa a absorver qualquer manifestação cultural, incluindo a língua, do México, apesar de ter ido para lá há décadas com o intuito de explorar as minas de pratas da região. Ou seja, apenas de explorar sem dar nada em troca, um componente tão presente na política de colonização propagada pelo Império Britânico sobre suas antigas colônias, embora o México não tenha sido colônia britânica, mas que serviu muito bem o recado.




A incorporação de elementos da história e da cultura mexicana a um romance gótico, também foi fabuloso, saindo da prática de valorizar apenas a cultura de países ricos, e dando aos leitores mexicanos o prazer de verem sua cultura retratada em uma divertida história escrita ao modo inglês, e aos estrangeiros, a oportunidade de conhecer um pouco da cultura de um país que tem em sua cultura uma singular forma de culto aos mortos, em que festeja-se o dia destes com festas noturnas em cemitério.


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