sexta-feira, 11 de novembro de 2022

VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM (RESENHA DO LIVRO)


 

VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM (RESENHA DO LIVRO)

“Visagens e Assombrações de Belém", de Walcyr Monteiro, é, sem dúvida alguma, o livro mais popular do estado do Pará. A obra, além de conter referências históricas sobre a cidade de Belém, também apresenta parte da pesquisa do autor sobre manifestações religiosas populares, as dedicadas ao culto dos “santos populares” do Cemitério de Nossa Senhora da Soledade. O ponto alto do livro são as histórias orais de visagens coletadas desde os anos de 1972, quando o autor escrevia para o jornal e recebia de seus “informantes” histórias vividas por populares. E é sobre essa parte do livro, que se dedicará a presente resenha.


Guapindaia Assu de Moraes, o Mais Famoso "Informante" de Walcyr. É dele Alguns Relatos Registrado por Walcyr Monteiro. Guapindaia Tinha o Hábito de Escrever seus Relatos de Visagens para os Jornais da Época

Os contos do livro podem ser classificados como histórias de: 


APARIÇÃO: Trata-se de uma entidade benévola, que aparece para trazer-lhe um bem: um ensinamento, conselho, ou quem sabe o segredo de onde o falecido deixou aquele dinheirinho bem guardadinho.


ASSOMBRAÇÃO: Ao contrário da supracitada entidade, esta aparece para perturbar-lhe o juízo, causando-lhe perturbação mental e medo — muito medo mesmo e, seguramente, algumas cuecas borradas.


ENCANTAMENTO: É quando uma entidade da floresta ou das águas põe-lhe um feitiço que o mantém em um estado de encantamento que o une a ela, aos seus propósitos e poderes; necessitando ao encantado quebrar-lhe o feitiço, se quiser se livrar de seu encantamento.


VISAGEM: Esta não lhe causa nem bem nem mal, apenas o arrepiar dos pelos do corpo, um frio na espinha, e medo, muito medo, e, consequentemente,  algumas cuecas borradas, também.*

(*Tirado do Romance “Após a Chuva da Tarde”)


Relação dos Contos e o Tipo de Entidade Tratado no Livro de Walcyr Monteiro:


  • A Porca do reduto (encantamento)

  • A Matinta Perera do Acampamento (encantamento)

  • O Lobisomem da Pedreira (encantamento)

  • O Homúnculo do Largo da Sé (visagem)

  • A Matinta Perera da Pedreira (encantamento)

  • A Mãe d’Água do Igarapé de São Joaquim (encantamento)

  • Morada de Caboclo (encantamento)

  • O Estranho Cliente do Dr. X (encantamento)

  • As Ilhas Encantadas do Marajó (encantamento)

  • O Pai-de Santo do Jurunas (encantamento)

  • O Fantasma Erótico da Soledade (visagem)

  • Noivado Sobrenatural (visagem)

  • Encontro na Praça (visagem)

  • A Moça Sem Face (visagem)

  • O Espectro e a Botija

  • Receitas e Operações Sobrenaturais

  • O Fantasma do Hirondelle (visagem)

  • O Cruzeiro do Telégrafo (visagem)

  • Aparições do Parque (assombração)

  • A Ponte do Igarapé das Almas (aparição)

  • A Procissão das Almas (aparição)

  • O Grito dos Lenhadores da Pedreira (visagem)

  • A Moça do Táxi (visagem)

  • Aposta Macabra (assombração)

  • O Carro Assombrado (visagem)


Os contos, em sua grande maioria, possuem uma escrita simples, com pequenas e saborosas informações históricas sobre os bairros de Belém, que contextualizam suas histórias. Sem dúvida alguma, a simplicidade da escrita é o motivo de sua grande popularidade, que capta o clima de oralidade original de tais histórias.




As histórias de “visagens” e “aparições” são bastante comuns no repertório brasileiro de histórias populares, e no livro de Walcyr tem boas histórias --- destaque aqui para o conto “A Moça Sem Face”, que é um boa história. Tenho que destacar também “O Noivado Sobrenatural”, um dos contos mais longos do livro, e também uma das histórias em que o autor elaborou melhor a escrita, em que um rapaz cansado do péssimo dia que tivera, encontra consolo na companhia casual de uma bela jovem que conhecera à noite na rua. Porém, a história não termina bem para ele. É curioso a semelhança deste conto com o filme A Noiva Cadáver, do diretor Tim Burton


Leia Também O Noivado Sobrenatural.



Os contos focados nas lendas ligadas a “encantamentos”, são, sem dúvida alguma, os mais originais, por estarem ligados diretamente à cultura amazônica. Crenças estas que muitos com idade mais adiantada já ouviram, principalmente nos interiores de nossa região. Destaque aqui para o conto “A Mãe d’Água do Igarapé de São Joaquim”.


A crença de que rios e igarapés possuem entidades protetoras --- Mãe D’água, Iara, etc.---, fazendo com que os banhos em igarapés tenham horas certas e desaconselháveis ao banho ---, produziam nos mais novos certo respeito pela natureza, principalmente àqueles que precisavam dos rios para sua sobrevivência. Algo que nos falta hoje.


O que nos leva a um conto que merece destaque, é o “O Estranho Cliente do Dr. X”, um belíssimo conto, bem elaborado, que parece ser um conto de fantasia. Mas não se engane, trata-se de uma história que tem como foco a Encantaria, uma forma de religiosidade popular, que fica mais claro quando lido em conjunto com “As Ilhas Encantadas do Marajó”, em que é abordado as misteriosas histórias de duas ilhas do arquipélago de Marajó, tidas como encantadas e onde habitam as entidades do “fundo” das águas, os encantados. Este conto encontra sua explicação no conto “O Pai-de Santo do Jurunas”. Aliás, o próprio Walcyr Monteiro confirma isso em seu texto.


Brevemente será feito uma resenha somente para esses três contos por sua importância religiosa. 


Também não poderíamos deixar de destacar o mais famoso conto de Walcyr Monteiro.


A Moça do Táxi


Uma dessas lendas merece destaque pelo fato do autor, Walcyr Monteiro, não apenas ter modernizado seu título, como ajudado a torná-la a mais popular lenda urbana da cidade de Belém. Trata-se da lenda da Moça do Táxi --- nome cunhado pelo autor, que antes era conhecida como A Moça do Carro de Praça, nome antigo dado aos táxis ---, que em todo aniversário ganhava de seu pai de presente uma corrida de táxi pelas ruas de Belém. A lenda afirma que o costume continuou após a morte; com seu fantasma pegando táxi e passeando pelas ruas de nossa cidade. E dando um baita susto aos motoristas, quando este volta à sua casa, para receber pelo pagamento descobrem que a moça já foi desta para melhor.


Túmulo de Josephina Conte, que a Lenda Diz Ser a Moça do Táxi


“A Moça do Táxi” e “Encontro na Praça” 

É interessante comparar a lenda A Moça do Táxi com outro caso contido no próprio livro, chamado “Encontro na Praça”. É indiscutível a semelhança entre as duas histórias.


Em “Encontro na Praça”, um jovem conhece uma moça sob uma mangueira, e encantado por sua beleza e inteligência, passa horas conversando com ela, até que chega o momento dela ir embora. Ele então se oferece para pegar um carro para levá-la. Mas ela não aceita, nem mesmo ir de ônibus ou de bonde, preferindo caminhar até sua casa, o que ele acaba por aceitar. Durante o percurso, começa a chover, ele então, como um bom cavalheiro, oferece a ela sua capa de chuva. 


Ao chegar próximo de sua casa, a moça se despede do rapaz, retirando a capa e a devolvendo. Mas ele não aceita, quer que ela a leve até à casa dela para que não se molhe durante o pequeno percurso --- o motivo verdadeiro é muito mais a possibilidade de um outro encontro com a moça, motivado pela devolução da capa, do que evitar que ela se molhe. 


O encontro para pegar a capa é marcado para outro dia, porém a moça não aparece no horário acertado. Cansado de esperar, ele desiste e decide ir à casa dela pela manhã seguinte.


Lá, ele pergunta pela moça, e recebe a informação que só mora lá uma moça chamada Maria, filha da senhora que o recebe. Nesse instantâneo o rapaz vê pela janela, de relance, um quadro na sala e diz: é aquela moça do quadro. A senhora diz que é sua filha morta há dois anos. Ele, sem acreditar, faz com que a senhora o leve até ao túmulo da filha, no Cemitério de Santa Isabel, e confirme com a própria imagem da moça em uma foto de seu túmulo. Ele, para o espanto de todos, encontra ao lado de sua sepultura, sua capa bem dobradinha.


As circunstâncias que levam o rapaz apaixonado e o motorista de táxi a descobrirem que procuravam por uma moça já falecida, são idênticas: eles veem o quadro da falecida no interior da casa. Também o encontro entre o motorista de táxi e o rapaz apaixonado acontecem no dia de aniversário das duas falecidas. E também são idênticas os desfechos das histórias, afirmando que o apaixonado e o motorista de táxi foram levados até ao túmulo das moças para comprovar sua morte, e que ficaram tão espantados, que ficaram loucos ou que morreram dias depois, no hospital Juliano Moreira, dependendo das versões.


A Lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió 


É interessante notar que a história contada no conto “Encontro na Praça” é semelhante à lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió, estado de Alagoas.


Início do século XX, durante um baile, um rapaz conhece uma moça e se apaixona por ela. Ela ao se despedir dele, ele propõe levá-la de carro até a casa dela. Ela pede para ele deixá-la na entrada de um cemitério. E como estava chovendo, ele dá a ela sua capa de chuva. Ela lhe diz o endereço onde mora para ele pegar a capa no outro dia.


No outro dia, ele vai até ao endereço dado pela moça, uma senhora o atende. Ela diz que não mora nenhuma moço alí com o nome que ele disse, mas que era o mesmo nome de sua filha morta. O rapaz descreve a moça, e conta as circunstâncias do encontro entre os dois. Para tirar a dúvida, a senhora o leva até ao túmulo da filha, Lá ele se depara com a foto da moça e com a capa de chuva ao lado do túmulo.


Túmulo de Carolina de Sampaio Marque, Tida Como a Mulher da Capa Preta


A lenda da Mulher da Capa Preta, é tão famosa na cidade de Maceió quanto a lenda da Moça do Táxi é em Belém, e chegou até a dar nome a um bloco carnavalesco. E assim como a nossa, os moradores de Maceió também afirmam que a visagem tem nome, sobrenome e endereço. Trata-se da senhora Carolina de Sampaio Marques, nascida em 21 de março de 1869 e falecida em 21 de novembro de 1921, que descansa no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, bairro do Prado.




Ao julgar pela semelhança entre as duas histórias, acredito que o conto “Encontro na Praça” foi inspirado na lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió, por meio de uma das principais características das lendas: o grande poder de adaptação delas. E, ao julgar pela antiguidade do túmulo de Carolina Sampaio Marques, e de sua cruz com “capa”, certamente, alguém se inspirou na cruz de seu túmulo para criar sua lenda.  


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