ROMANCE PARAENSE UNI MITOLOGIA GREGA AO VAMPIRISMO E À ENCANTARIA MARAJOARA
Muito mais que apenas uma história de vampiro, o romance “Após a Chuva da Tarde - A Lenda de Camille Monfort, a Vampira da Amazônia”, do paraense Bosco Chancen, mergulha no fascinante mundo dos mitos da encantaria marajoara, explorando o desejo humano por imortalidade e investigando as incríveis semelhanças entre a mitologia grega, a encantaria paraense e a lenda europeia dos vampiros.
MITO DE ORFEU
A mitologia grega está presente por meio do Mito de Orfeu --- o herói grego que desceu ao reino dos mortos em busca de sua amada morta, Eurídice, para trazê-la à vida. E com a música de sua lira, dada por Apolo, foi capaz de adormecer cérbero, o cão de três cabeças, guardião do portal do inferno, e convencer Hades, o rei dos mortos, a permitir que sua amada volte à vida. Hades permite, mas com uma condição: que Orfeu se mantenha calado e jamais olhe para a amada durante seu retorno. Porém, acreditando que Hades teria lhe pregado uma peça, Orfeu olha para trás e vê Eurídice, quebrando a condição e fazendo-a regressar ao reino dos mortos. Atormentado pela perda da amada (em uma das versões do mito), Orfeu abandona a luz do dia, se junta às solitárias criaturas noturnas, com seu lamento.
Por meio dos elementos simbólicos do Mito de Orfeu, o livro interpreta o mito como uma busca pela eternidade por meio do inconsciente: Cérbero é o consciente que nos impede de adentrarmos o inconsciente; Hades é o inconsciente, o inferno feito de nossos traumas, dores e desejos proibidos; Eurídice é a própria imortalidade, que sempre nos escapa:
(A palavra) Cérbero… se assemelha a “cérebro”. As semelhanças não param por aí. Cérbero vigia um mundo tenebroso, impedindo que estranhos entrem, mas também que saiam; tal qual nosso cérebro, nossa consciência, que vigia o mundo interior do pensamento, impedindo que um mau pensamento saia dele e se torne um mau ato e perturbe nossos dias.
A ida de Orfeu ao submundo é como uma viagem ao inconsciente, aos nossos medos interiores, que guardamos de nós mesmos… sou como Orfeu descendo ao meu próprio inferno, a enfrentar meus medos, em caminhos cada vez mais profundos de meu ser. Mas o que busco encontrar? Que Eurídice ambiciono trazer à vida? (Fala de um dos personagens de “Após a Chuva da Tarde”).
ENCANTARIA MARAJOARA
Ambientado na Amazônia, em Belém do Pará, o romance mergulha nos mitos da Encantaria Marajoara --- mitologia milenar herdada dos indígenas da Amazônia que está em vias de desaparecer ---, cuja crença afirma que indivíduos são capazes de vencer a morte, tornando-se encantado, um habitante do misterioso mundo dos seres encantados da floresta. O romance investiga os “portais mágicos”, que uniriam o nosso mundo ao mundo dos encantados.
O romance explora as semelhanças entre o Mito de Orfeu e a encantaria marajoara. A entrada do Hades, o reino dos mortos, são os portais mágicos da encantaria, em que, assim como no mito grego, também teria seus guardiões, criaturas míticas da encantaria; tudo mediado pelo uso do chá da ayahuasca, também conhecido por “chá dos mortos”.
Pessoas que, por um poder mágico, se transformam em criaturas encantadas, em guardiões da floresta, que passam a pertencer a um mundo paralelo ao nosso. Um lugar mágico cujas criaturas manteriam contato com nosso mundo por meio de portais míticos, por onde filhos de encantados conheceriam sua verdadeira origem ao adentrá-los. (Após a Chuva da Tarde).
MITO DO VAMPIRO
Histórias de vampiro também têm como tema o desejo humano pela imortalidade. E está presente no referido romance por meio da figura enigmática da bela cantora lírica Camille Monfort.
Camille, personagem inspirada na misteriosa dama envolvida em uma controversa história de amor e morte, ocorrida com o infortunado músico inglês Jeremiah Clarke (1674 - 1707) que, ao ter seu amor rejeitado pela nobre dama, teria posto fim a própria vida.
O sepultamento de Clarke, contrariou a lei que vigorou na Inglaterra até 1820, que proibia enterros de suicidas em locais santos --- e que no Brasil obrigava cemitérios a terem um local reservado a eles ---, teve seu sepultamento ocorrido no cemitério da igreja de Saint Paul, em Londres, no ano de 1707. Nesta época havia o costume de expor corpos de suicidas à humilhação pública, carregados por carroça e tinha uma estaca cravada no peito.
Camille incorpora os dons da música, que no Mito de Orfeu é um instrumento de magia e poder, ela teria o dom de encantar o público com sua voz e fazê-lo cativo de sua beleza; e por amor, teria feito o amado imortal, trazendo-o das profundezas do reino dos mortos à vida.
“Dizia-se que ela tinha o poder de hipnotizar o público com sua voz, de fazer homens escravos de sua vontade, de fazê-los jogar-se aos seus pés após os concertos, de arruinar casamentos por puro prazer e, devido sua palidez e uma suposta doença adquirida em Londres, de fazer jovens mocinhas desmaiar em seus concertos para lhes roubar o sangue que supostamente a mantinha jovem para sempre.” (Após a Chuva da Tarde).
Como podemos ver, o livro tem um diferencial fundamental às histórias de vampiros, a obra não apenas recorre a fatos históricos e citações de locais reais, mas também recorre a fatos sociais e históricos concretos para abordar o vampirismo, como, em parte, o efeito da demonização de pessoas de grande talento --- fato comum na Europa do século XIX, basta lembrar de Niccolo Paganini (1782 - 1840) e a lenda de que ele teria feito pacto com o diabo para obter seus dons musicais.
Acrescente-se a isso a demonização de mulheres que ousavam fugir dos padrões sociais impostos às mulheres de sua época.
“Lembro da indignação que causou com seus banhos de chuva. As senhoras tampavam os olhos dos maridos quando a viam, seminua, a refrescar-se sob a chuva da tarde. Aquilo não parecia ser mesmo o comportamento de uma dama!” (Após a Chuva da Tarde)
Não se pode também esquecer do início da chegada à Amazônia de práticas espiritualistas, como o fenômeno da materialização de espírito, que se iniciava na cidade de Belém, na segunda metade do século XIX, outra fonte de demonização de pessoas que compartilhavam crenças religiosas diferentes da dominante.
A demonização de mulheres que não se adequam aos padrões sociais impostos pela sociedade, também encontra um correlato nas lendas amazônicas, na figura de uma entidade do folclore local, a matinta perera, cujas histórias contadas têm quase sempre como alvo mulheres solitárias, com crenças religiosas de matriz africana ou indígena, vistas com certa repulsa pela sociedade por não se encaixarem nos padrões sociais conferidos às mulheres. O que leva o romance “Após a Chuva da Tarde” a explorar as semelhanças entre a lenda dos vampiros e a lenda da matinta perera.
“Vampiro é como essa gente estudada fala pra essas coisas, piquena. Mas, pra gente, o nome disso é matinta perera, minha filha.” (Fala de uma das personagens de “Após a Chuva da Tarde”).
O romance “Após a Chuva da Tarde - A Lenda de Camille Monfort, A Vampira da Amazônia” é tudo isso e muito mais: uma boa oportunidade de conhecer um pouco da cultura amazônica e sobretudo o papel das lendas e mitos na evolução humana, tudo com uma boa dose de realismo mágico e de estética gótica.
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