Aconteceu numa pequena cidade,
com suas praças, e com acalma que lhes era tão peculiar naqueles dias. Mas que,
numa manhã, foi escandalosamente quebrada por suas estátuas de figuras
femininas que ostentavam sangue, como que escorressem de suas vaginas.
A cidade ficou apavorada, com
alguns a gritar que era o fim do mundo. Achavam que era um milagre, um sinal
agourento, ou coisa de outro mundo.
O fato se repetiu muitas vezes.
Até que descobriram que o tal sangue não era humano, mas bovino.
A cidade voltou a ter certa
calma. Calma que imediatamente foi novamente quebrada, quando exames revelaram,
que junto com o sangue, havia esperma humano.
Todos se perguntavam: quem
estaria “fudendo” as pobres estátuas; que maníaco era aquele, capaz de
excitar-se com uma fria figura, de metal, como o bronze, que muitos nem achavam
que fossem assim tão bonitas, pois seus modelos eram imagens de mulheres bem
antigas.
Alguns diziam que era um modelo
francês, como aquelas estátuas, sem bunda, que representam a república.
Os mais patriotas diziam que era
coisa de comunista, que estavam literalmente fudendo com a nossa república.
Outros, diziam que era coisa de gringo, que tinham um gosto maldito por
mulheres sem bunda. Os bêbados protestavam: que botassem mais bunda nas
estátuas e abundância na república. E os religiosos, que as estátuas eram
imorais, pecaminosas e demoníacas.
As coisas ainda tornaram-se pior,
quando as estátuas dos cemitérios foram atacadas: anjos, querubins,
virgens-marias, etc., todas sangravam amanhecidas.
A população alarmada fez campanha
em tais sítios, sob chuvas, nevoeiros e neblinas, todos esperavam o maníaco.
O tempo passou, e nada foi visto,
exceto alguns bêbados que urinavam de modo inofensivos.
Porém, uma noite, tinha eu vindo
de uma orgia, bêbado extremamente embriagado, adormeci em um banco de praça,
sob a luz da lua. Ao acordar, ainda sonolento, deparei-me com uma estranha
figura: um homem com uma porção de carne nas mãos. Com sua mão esquerda,
forrava o espaço entre as pernas das estátuas com a tal porção, e com a outra,
apoiava seu membro, que se masturbava freneticamente ao contato com a carne.
Olhei de perto e disse-lhe: que porra é essa! Ao olhar-me, percebi quem era o
maníaco.
Era Seu Ozório, um cidadão fora
de qualquer suspeita, respeitado e freqüentador assíduo de igrejas, que se
entregava intensamente a tal ato desvairado.
- Martinho, poeta e libertino,
acaso este amor desvairado por estátuas não se chama Agalmatofilia? – inqueriu
Petrúquio.
- Sim. E parece ser uma das mais
intensas formas de parafilias.
- Parafilia: “tendência a buscar
habitualmente satisfação sexual em práticas diferentes das preferências da
maioria” – completou Márcio.
- E quem diria que alguém, fora
de qualquer suspeita, respeitado e freqüentador assíduo de igrejas, fosse um
maníaco depravado! – disse-lhes, Martinho.
- Eu – respondeu Petrúquio.
Conheço bem o tipo. Esses tipos se escondem atrás de uma capa de normalidade.
São obcecados por esta idéia tola de pecado, e quanto mais pecam mais se sentem
excitados por tal ato. Pois, como é sabido, o que é proibido é sempre mais
procurado.
E o que é o pecado senão uma idéia ofensiva
que tolhe ou proíbe o que é natural no homem, como a sexualidade? Causando ódio
a nossa própria natureza, ou estimulando, de modo distorcido, nossos instintos
vitais de vida. Criando, por conseqüência, uma moral que ao reprimir os
instintos vitais do homem acaba por distorcê-los e intensificá-los. Originando
assim monstros de uma cultura doentia e degenerada ou motivando o desejo de
enfrentá-la, de quebrar-lhe as regras. Estimulando assim o prazer da rebeldia
em transgredir suas regras. Dando origem, deste modo, a atos como os de
vandalismo ou comportamentos sexuais compulsivos ou autodestrutivos.
- Talvez, o próprio Ozório se sentisse
uma estátua viva, vivendo em uma sociedade que cultiva a exterioridade, a
superficialidade, o silêncio petrificado de nossos instintos, com o frio de
nossas funções biológicas. Vivendo sem emoção e paixões íntimas. Concordando
sempre com o que acham que é o certo, o padrão ou a norma.
E embora seu comportamento cause
tanto susto, discriminação e estranheza, esquecemos o quanto somos também
agalmatofílicos, não de estátuas de pedra ou de gesso, mas de estátuas vivas.
Obtemos delas outros prazeres, como as de suas frias companhias – retorquiu
Martinho.
- Como as de suas esposas, no
frio altar de seus leitos, vivendo como verdadeiras estátuas vivas, sem direito
a prazeres. Não admiro que as de bronze tenham-lhe parecido muito mais
excitantes – completou Márcio.
Porém, eu, poeta por maldição, e
libertino de coração e alma, não creio que uma tendência natural possa ser
chamada de pecado. É a religião que nos impõe esta regra, nos padronizando e
subvertendo nossa natureza, nossos instintos básicos de vida. Criando um ser
utópico, e negando nossa própria natureza. Pois, o que é a normalidade, se não
um falso acordo para comandar a maioria? – disse-lhes Petrúquio.
Notei que você meio que "dividiu o texto". Achei a primeira parte sensacional. Vai ter continuação? Impagável!
ResponderExcluira história é impagável mesmo...ri a bessa. Outra, senti o que o Salvatore disse, uma divisão. e cabe extensão tanto pra um quanto pra outra parte. sugerindo uma sequencia, que conformada por duas possibilidades de ter continuação, vai ser uma consequencia rsrs...boa Bosco! boa!
ResponderExcluir(Ageu Pazoud)
O mais engraçado de tudo é que a história, em essência, é verdadeira, aconteceu em São Paulo, capital; eu a ouvi de um psiquiatra em um programa de tv, conhecido, de entrevista.
ResponderExcluirQuanto ao conto, ele pertence a um texto maior, um misto de diálogos e contos, em que cada personagem conta um conto sobre desejos sexuais estranhos e extremos, e que depois são discutidos por eles; esse se refere a tara por estátuas, que é relativamente comum.
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