by Frida Kahlo |
A morte sempre lhe pareceu uma idéia
extremamente excitante, e naquele dia estava decidido a se suicidar. Para
tanto, escolheu o prédio mais discreto e longe da confusão da cidade que
poderia encontrar. Não se importou nem um pouco com a paisagem, afinal, isto
era o que menos lhe importava.
Ao iniciar os quatorze andares que lhe
separava de seu trágico fim, pôs-se a pensar sobre os mistérios da morte. Todas
as estórias que aprendera em sua infância estavam prestes a serem testadas. Seu
ateísmo lhe deixava confuso, pois se estivesse certo, nada lhe restaria, nem
mesmo o sabor da vitória de sua elogiada crença. Do contrário, teria que
suportar a sensação de toda uma vida de erros. Por isso, seu ateísmo, algumas
vezes lhe aborrecia, já que não poderia ser comprovado pessoalmente, muito
menos após a morte.
Ao subir os andares, imaginou cada andar
como um ano de sua vida: seus primeiros anos, em branco em sua memória,
pertenciam aos seus pais, seus parentes...
Estava agora no sétimo andar,
reminiscências emergiam de sua memória: suas brincadeiras de criança, as
descobertas que tanto lhe agradavam, o amor e o carinho de seus pais eram
coisas que tinham valido apena.
Ao chegar ao décimo quarto andar
percebeu que os andares correspondiam aos anos mais felizes de sua vida, que a
escolha de tal prédio não foi por acaso, pois seria bom morrer tendo estas como
suas últimas memórias.
Finalmente, ao chegar ao topo do prédio
um pensamento invadiu sua mente, a possibilidade da queda gerar um efeito
semelhante, porém contrário a subida. Sua mente relembraria imediatamente dos
últimos anos, contudo, de modo decrescente, chegaria aos primeiros anos de
vida, que não lhe pertenciam. Olhou para baixo, sentiu a brisa em seus cabelos,
teve a impressão que a vida e a morte se pareciam; como extremos a dor era um
elemento presente: ao nascer deve ter sentido o ar, que agora balançava
prazerosamente seus cabelos, rasgar suas narinas, penetrar forçosamente um
espaço virgem. Dor que certamente sua mãe sentiu ao preparar-se, em seus
primeiros passos, para gerar-lhe vida.
Olhou para baixo novamente, respirou
fundo, como quem se prepara para um mergulho em uma piscina, e saltou. Seu
corpo estendeu-se no espaço, aparentemente vazio, e caiu... caiu... caiu...
Daniel acordou assustado com o sonho que
tivera, levantou-se e dirigiu-se à cozinha para beber água. Ao apanhar a
garrafa d’água, escorregou, tombando ao chão. E enquanto sangrava, pensou: não
confunda pesadelo com realidade. A realidade é bem pior!
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