segunda-feira, 26 de agosto de 2013

FELICIDADE (de Katherine Mansfield)



Embora Bertha Young já tivesse trinta anos, ainda havia momentos como aquele em que ela queria correr, ao invés de caminhar, executar passos de dança subindo e descendo da calçada, rolar um aro, atirar alguma coisa para cima e apanhá-la novamente, ou ficar quieta e rir de nada: rir, simplesmente.

O que pode alguém fazer quando tem trinta anos e, virando a esquina de repente, é tomado por um sentimento de absoluta felicidade — felicidade absoluta! — como se tivesse engolido um brilhante pedaço daquele sol da tardinha e ele estivesse queimando o peito, irradiando um pequeno chuveiro de chispas para dentro de cada partícula do corpo, para cada ponta de dedo?

Não há meio de expressar isso sem parecer "bêbado e desvairado?" Ah! como a civilização é idiota! Para que termos um corpo, se somos obrigados a mantê-lo encerrado em uma caixa, como se fosse um violino raro, muito raro?

"Não, isso de violino não é exatamente o que eu quero dizer" — ela pensou, correndo escadas acima e apalpando a bolsa, em busca da chave — que ela esquecera, como sempre — e sacudindo a caixa do correio. "Não é o que eu quero dizer, pois — "obrigada, Mary" — ela entrou no vestíbulo. "A babá voltou?".

"Sim, senhora".

"E as frutas?".

"Sim, senhora. Veio tudo".

"Traga as frutas para a sala de jantar. Vou dar um arranjo nelas antes de subir".

Estava escuro e muito frio na sala de jantar. Mesmo assim, Bertha tirou o casaco; não podia tolerar por mais tempo o aperto da roupa, e o ar frio penetrou em seus braços.

Dentro do peito, no entanto; havia ainda aquele ponto brilhante, incandescente, de onde saía uma chuva de pequenas fagulhas. Era quase insuportável. Ela mal tinha coragem de respirar, por medo de atiçar aquele fogo ainda mais; contudo, respirava fundo... fundo. Quase não tinha coragem de olhar-se no espelho frio; mas olhou, e ele mostrou-lhe uma mulher radiante, com lábios trêmulos, sorridentes, grandes olhos escuros e um ar de quem está à espera de que alguma coisa... divina aconteça. Ela sabia que iria acontecer infalivelmente.

Mary trouxe as frutas em uma bandeja, e também uma tigela de louça e uma travessa azul, muito linda, com um brilho estranho, como se estivesse mergulhada em leite.

"Quer que eu acenda a luz, senhora?".

"Não, obrigada. Ainda posso ver bastante bem".

Havia tangerinas, laranjas e maçãs, misturadas com o vermelho dos morangos. Algumas pêras amarelas, lisas como seda, uvas brancas, cobertas por uma florescência prateada, e um grande cacho de uvas roxas. Estas últimas, ela havia comprado para combinar com o tapete novo da sala de jantar. Sim, aquilo parecia bastante afetado e absurdo, mas era realmente a razão pela qual ela as tinha comprado. Na loja, havia pensado: "Preciso de algumas frutas cor de púrpura para aproximar o tapete da mesa." E na ocasião isto pareceu fazer muito sentido.

Terminado o arranjo, duas pirâmides de forma arredondada, ela se colocou a certa distância, para ver o efeito — e estava realmente muito curioso, pois a mesa escura parecia dissolver-se na luz fosca e tanto a tigela de louça como a travessa azul pareciam flutuar no ar. Isso, é claro, naquele estado de espírito que ela se encontrava, era tão incrivelmente belo... Ela começou a rir.

"Não, não. Estou ficando histérica". Pegou sua bolsa e seu casaco e subiu correndo para o quarto da filha.

A babá estava sentada ao lado de uma mesa baixa dando o jantar da pequena B., depois do banho. A criança vestia uma camisola de flanela branca e um casaquinho azul, de lã. Os cabelos finos e escuros estavam escovados formando um topetinho engraçado. Ela olhou para cima e começou a pular quando viu a mãe.

"Agora, meu benzinho, coma direito, como uma boa menina", disse a babá, torcendo a boca num jeito bem conhecido dela, como a dizer que ela havia chegado em hora inoportuna, mais uma vez.

"Ela tem estado bem, Nanny?".

"Ela se comportou muito bem durante toda a tarde" murmurou Nanny. "Fomos ao parque; eu me sentei em uma cadeira e tirei-a do carrinho. Um cachorro enorme veio até nós, e pôs a cabeça sobre meus joelhos. Ela agarrou a orelha dele, e puxou. Ah! a senhora devia ter visto."

Bertha teve vontade de perguntar se não seria perigoso deixar que a criança puxasse a orelha de um cão desconhecido, mas não se atreveu. Permaneceu observando-as, os braços largados ao longo do corpo, qual uma menina pobre frente à menina rica com sua boneca.

O bebê olhou para ela outra vez; fixou os olhos nela, sorriu com tanto encanto, que ela não se conteve.

"Ah! Nanny, deixe que eu termine de dar o jantar dela, enquanto você arruma o banheiro".

"Bem, madame. Ela não devia mudar de mãos enquanto come" — disse Nanny, ainda murmurando. "Isso a perturba e muito. É muito provável que ela vá ficar agitada".

Que absurdo! Para que ter uma criança, se ela deve ser guardada — não em uma caixa, como um violino raro, mas nos braços de uma outra mulher?

"Não, é assim que eu quero!".

Muito ofendida, Nanny entregou a criança.

"Bem, não a excite depois da comida. A senhora sabe que a excita, madame. E depois ela me dá um trabalho!".

Graças a Deus! Nanny saiu do quarto, levando as toalhas de banho.
"Agora eu a peguei para mim, minha coisinha preciosa" — disse Bertha, enquanto o bebê se inclinava para ela.

A criança comeu fazendo festa, abrindo a boca para receber a colher e depois agitando as mãos. Às vezes prendia a colher na boca e outras, logo que Bertha enchia a colher, lançava a comida aos quatro ventos.

Terminada a refeição, Bertha virou-se para a lareira.

"Você é linda, muito linda!" disse, beijando seu bebê. "Sou louca por você".

E, realmente, ela a amava tanto! — Seu pescoço, quando ela o inclinava para a frente, os artelhos delicados, quase transparentes à luz do fogo... Todo aquele sentimento de felicidade voltou e, ainda uma vez, Bertha não sabia como expressar essa sensação, nem o que fazer com ela.

"Telefone para a senhora" — disse Nanny, voltando em triunfo e pegando a sua criança.

Bertha desceu correndo. Era Harry.

"Ah, é você, Ber? Olhe, vou chegar tarde. Tomarei um táxi e irei tão depressa quanto puder; mas sirva o jantar dez minutos mais tarde, sim? Tudo bem?".

"Sim, perfeitamente. Ah, Harry!".

"Sim?".

O que tinha ela para dizer? Nada. Queria apenas prolongar aquele contato. Não podia só gritar absurdamente: "O dia hoje foi tão maravilhoso!"

"O que é?" — tornou a voz de longe.

"Nada. Entendu" — disse Bertha, colocando o fone no lugar e pensando o quanto a civilização é idiota.
Eles tinham convidados para o jantar: os Norman Knights, um casal muito distinto — ele estava abrindo um teatro e ela tinha muito entusiasmo por decoração de interiores; um jovem, Eddie Warren, que acabava de publicar um pequeno livro de poemas é a quem todo mundo vinha convidando para jantar, e um "achado" de Bertha, uma moça chamada Pearl Fulton. O que ela fazia, Bertha ignorava. Haviam-se encontrado no clube e Bertha se apaixonara por ela; isso sempre acontecia quando ela encontrava mulheres bonitas que revelassem algo incomum em sua personalidade.

O que a intrigava era que, embora tivessem estado juntas freqüentemente e conversado muito, Bertha não podia ainda ter um conceito formado sobre Pearl Fulton. Até certo ponto, ela era de uma franqueza rara e maravilhosa, mas além desse ponto ela não passava.

E haveria alguma coisa além disso? Harry dizia que não. Julgava-a um tanto maçante e "fria como todas as louras, com um toque, talvez, de anemia cerebral". Mas Bertha não concordava com isso; pelo menos, ainda não.

"Não, sua maneira de sentar-se, com a cabeça levemente inclinada para o lado, sorridente, esconde alguma coisa, Harry, e eu hei de descobrir que coisa é essa".

"O mais provável é que seja estômago pesado", disse Harry.

Ele se empenhava em pegar Bertha pelo pé com respostas daquele teor... "fígado gelado, minha querida", ou "pura flatulência", ou "doença dos rins"... e assim por diante. Por alguma estranha razão, Bertha gostava disso e quase o admirava por falar desse modo.

Ela entrou na sala de estar e acendeu a lareira; depois pegou as almofadas que Mary havia arrumado com todo cuidado e atirou-as de volta aos sofás e cadeiras. Foi o bastante para dar vida à sala. No momento de atirar a última almofada, ela se surpreendeu apertando-a contra si apaixonadamente. Mas isso não apagou o fogo em seu peito. Ah, pelo contrário!

As janelas da sala abriam-se para um balcão, e davam para um jardim. No fundo, perto do muro, havia uma esguia pereira, toda florida, esplêndida, que permanecia imóvel contra o céu verde-jade. Bertha não podia deixar de sentir, mesmo a essa distância, que não havia um só botão por abrir, nem uma pétala murcha. Embaixo, nos canteiros do jardim, as tulipas vermelhas e amarelas, carregadas de flores, pareciam inclinar-se na penumbra: Um gato cinzento, arrastando-se de barriga, esgueirava-se através do gramado, e um gato preto, como se fora sua sombra, ia logo atrás. Ela tremeu, curiosamente, ao vê-los tão atentos e rápidos.

"Gato é um bicho horrível!" — ela pensou, e, saindo da janela, começou a andar de um lado para outro. Como era forte o perfume dos junquilhos dentro da sala quente! Forte demais? Não, não demais. E então, como que vencida, ela atirou-se sobre um sofá e cobriu os olhos com as mãos.

"Estou muito feliz, muito feliz" — murmurou.

E parecia-lhe ver por entre as pálpebras a linda pereira, com aquela abundância de flores, como símbolo de sua própria vida.

Realmente — realmente — ela tinha tudo. Era jovem, Harry e ela se amavam como nunca, davam-se muito bem e eram realmente bons companheiros. Ela tinha um adorável bebê. Não precisavam se preocupar com dinheiro. Tinham esta casa e este jardim, que eram absolutamente satisfatórios. E amigos modernos, interessantes; amigos escritores, pintores e poetas ou pessoas voltadas para as questões sociais, justo a espécie de amigos que eles queriam. Além disso, havia os livros, havia a música, e ela encontrara aquela costureirinha maravilhosa, sua cozinheira nova fazia omeletes deliciosos, e eles iam fazer uma viagem ao exterior, no verão.

"Estou ficando maluca! Maluca!" Ela sentou-se, mas sentiu-se inteiramente atordoada, inteiramente bêbada. Devia ser a primavera.

Sim, era a primavera. Agora, ela sentia-se tão cansada que mal poderia subir a escada, para vestir-se.
Um vestido branco, um fio de contas de jade, sapatos verdes e meias. Era coincidência. Ela havia decidido esse arranjo horas antes de ter estado à janela da sala.

As dobras de sua saia produziram um suave farfalhar ao deslizar rente ao chão, quando ela foi à porta de entrada e beijou a senhora Norman Knight, que estava tirando o mais estranho casaco cor de laranja, com uma fileira de macacos pretos em volta da barra, subindo na parte da frente.

"Por quê? Por quê?! Por que a classe média é tão tola, tão completamente desprovida de senso de humor?! É por pura sorte que estou aqui, minha querida, e Norman é meu anjo protetor. Meus queridos macacos chocaram tanto as pessoas do trem que elas simplesmente se puseram a me devorar com os olhos. Não riram, não estavam achando graça, o que eu teria gostado. Apenas olharam-me fixamente e me fuzilaram com os olhos."

"Mas o melhor de tudo" — disse Norman, apertando contra o olho o monóculo de aro de tartaruga — "você não se importa que eu conte, Face, se importa?" (Na intimidade eles se chamavam Face e Mug.) "O melhor de tudo foi quando ela, furiosa, virou-se para a mulher que estava ao seu lado e disse: "A senhora nunca viu um macaco antes?".

"Ah, sim" — a senhora Norman Knight juntou—se aos que riam. "Não foi mesmo genial?".

E, mais engraçado ainda era que agora, sem o agasalho, ela parecia um macaco muito inteligente, cujo vestido de seda amarela fora feito com cascas de bananas. E os brincos de âmbar pareciam duas nozes bamboleantes.

"It is a sad, sad fall!"² — disse Mug, parando em frente ao carrinho do bebê. "When the perambulator comes into the hall" — e ele deixou de lado o resto da citação.

A campainha tocou. Era o esbelto e pálido Eddie Warren, em estado de completa desgraça, como sempre.

"É esta casa mesmo, não é?" — perguntou ele.

"Bem, acho que sim. Pelo menos assim o espero" — disse Bertha, com animação.

"Acabo de ter uma experiência muito desagradável com um motorista de táxi. Ele era terrivelmente sinistro. Não pude conseguir que ele parasse. Quanto mais eu lhe chamava a atenção e lhe pedia que parasse, mais depressa ele ia. E à luz do luar aquela figura bizarra, com a cabeça achatada, debruçando-se sobre o minúsculo volante...".

Ele estremeceu, tirando um imenso cachecol de seda branca. Bertha notou que ele usava meias também brancas, muito vistosas.

"Mas, que coisa horrível!" disse ela em voz muito alta.

"Sim, foi mesmo" — disse Eddie, seguindo-a até a sala de estar. — "Eu me vi decolando para a eternidade num táxi alado".

Ele conhecia os Norman Knight. Na verdade ia escrever uma peça para Norman Knight, quando o esquema do teatro começasse a funcionar.

"Bem, Warren, como está a peça?" — perguntou Norman Knight, deixando cair o monóculo e dando, assim, oportunidade ao olho de vir à tona, antes de ser ocultado outra vez.

A Sra. Knight interveio: "Mas que meias lindas, Sr. Warren!"

"Que bom que a senhora tenha gostado delas", disse ele, olhando para os pés. "Parece que elas ficaram muito mais brancas desde que a lua apareceu". Virou para Bertha o rosto magro e triste. "Há uma lua, a senhora sabe?".

Ela teve vontade de gritar: "É claro que sei! Muitas vezes, freqüentemente!".

Ele era, na verdade, uma pessoa muito atraente. Mas atraentes eram também Face, agachada em frente ao fogo, no seu vestido de cascas de bananas, e Mug, fumando um cigarro e dizendo, enquanto batia as cinzas: "Por que o noivo está demorando tanto?".

"Ei-lo que chega!".

A porta da frente abriu e fechou com estrondo. Harry gritou: "Alô, pessoal. Volto em cinco minutos!" Subiu correndo a escada. Bertha não pôde deixar de sorrir; ela sabia como ele gostava de agir sempre sob alta pressão. Afinal, que importância teriam cinco minutos a mais? Mas ele sustentava para si mesmo que cinco minutos tinham, sim, muita importância. E fazia questão, depois, de chegar e ficar na sala numa postura serena, tranqüila.

Harry tinha um tal gosto pela vida... Ah, como ela apreciava isso nele! E sua paixão pela luta, por encontrar em cada coisa que se lhe opunha um outro teste para seu poder e sua coragem, também isso ela compreendia. Mesmo quando, vez por outra, ele pudesse parecer talvez um tanto ridículo, aos olhos dos que não o conheciam bem... Pois às vezes ele se atirava em batalhas que não existiam... Ela conversava e ria, realmente esquecida, até a chegada dele à sala (tal como ela imaginara), de que Pearl Fulton não viera ainda.

"Será que a Pearl esqueceu?".

"Espero que sim", disse Harry. "Ela tem telefone?" "Está chegando um táxi". E Bertha sorriu, com aquele divertido ar de posse que sempre assumia quando suas descobertas femininas eram novas e misteriosas. "Ela vive em táxis".

"Assim vai engordar" — disse Harry com frieza, tocando a campainha para que o jantar fosse servido. "Um perigo assustador para mulheres louras".

"Harry, não diga isso" — advertiu Bertha, rindo.

Veio outro breve momento, enquanto esperavam rindo e conversando, só um pouquinho à vontade demais, um pouquinho descontraídos demais. Aí chegou Pearl Fulton, toda prateada, com uma tira de prata prendendo seus cabelos loiros, sorrindo, com a cabeça pendendo um pouco para o lado.

"Estou atrasada?".

"Não, absolutamente" — disse Bertha, pegando-a pelo braço. "Venha comigo". E entraram na sala de jantar.

O que havia naquele braço frio, que podia avivar — começar a atiçar — atiçar — o fogo da felicidade com o qual Bertha não sabia o que fazer?

Pearl Fulton não olhava para ela; quase nunca olhava as pessoas diretamente. Suas pálpebras pesadas estavam sempre semicerradas, e em seus lábios um estranho sorriso ia e vinha, como se ela, em vez de ver, preferisse ouvir. Mas Bertha soube, de repente, como se o mais longo, o mais íntimo olhar tivesse sido trocado entre elas, como se tivessem dito uma à outra "Você também?", que Pearl, ao mexer a bela sopa vermelha em seu prato cinza, sentia exatamente o que ela estava sentindo.

E os outros? Face e Mug, Eddie e Harry, suas colheres subindo e descendo, tocando os lábios com os guardanapos, fazendo bolotas com miolo de pão, brincando com garfos e copos, conversavam.

"Eu a encontrei no show do Alpha — uma figurinha muito esquisita. Ela havia não apenas cortado rente os cabelos, mas também parecia ter tirado um bom pedaço dos braços e das pernas, do pescoço e do pobre narizinho também".

"Ela não é muito liée a Michael Ost?".

"O homem que escreveu Love in False Teeth?³".

"Ele quer escrever uma peça para mim. Um ato. Um homem. Ele decide suicidar-se; discute todas as razões pró e contra. E exatamente quando chega a uma conclusão sobre o que fazer... cai o pano. Uma idéia nada má".

"Como ele vai chamá-la? Dor de estômago?".

"Acho que encontrei a mesma idéia numa revistinha francesa inteiramente desconhecida na Inglaterra".
Não, eles não compartilhavam. Mas eram queridos — queridos — e ela gostava muito de tê-los ali, em sua mesa, oferecendo-lhes comida e vinho deliciosos. Na verdade, ela desejava dizer-lhes o quanto eles eram encantadores e que grupo decorativo formavam; como eles pareciam avivar uns aos outros e como eles lhe faziam lembrar uma peça de Tchekov!

Harry estava gostando do jantar. Era próprio dele — bem, não sua natureza, exatamente, e não, certamente, uma pose — bem, um pouco de cada coisa — falar sobre comida e alardear sua paixão "impudica por carne branca de lagosta e o verde dos sorvetes de pistache, verdes e frios como pálpebras de bailarinas egípcias".

Quando ele levantou os olhos para ela e disse: "Bertha, este soufflé está maravilhoso!", ela quase poderia ter chorado, com prazer infantil.

Ah! O que fazia com que ela se sentisse tão terna com todo mundo, hoje? Tudo era bom, tudo estava certo. Tudo o que acontecia parecia encher de novo até a borda sua taça de felicidade.

E havia ainda, no fundo de sua mente, a pereira. Ela estaria prateada, agora, sob a luz da lua do pobre Eddie, prateada como Pearl Fulton, que lá estava, sentada, fazendo girar uma tangerina com seus dedos finos e tão pálidos que um raio de luz parecia sair deles.

O que, na verdade, não podia compreender, o que era miraculoso, era como percebera o estado de espírito de Pearl Fulton de modo tão rápido e exato. Porque ela não tinha a menor dúvida de estar certa e, no entanto, em que podia se basear? Menos que nada.

"Acho que isso acontece muito, muito raramente entre mulheres. Nunca entre homens", pensou Bertha. "Mas enquanto eu estiver fazendo o café, talvez ela me "dê um sinal", da sala de jantar."

O que queria dizer com isto ela não sabia, e o que viria a acontecer ela não podia imaginar.

Enquanto pensava, ela se via conversando e rindo. A vontade de rir fazia-a conversar.

"Eu preciso rir ou morrer".

Mas, ao notar o hábito engraçado que tinha Face de empurrar alguma coisa pelo decote abaixo — como se ela tivesse ali uma reserva de nozes ou algo assim — teve de fechar as mãos com tanta força a ponto de enterrar as unhas nas palmas das mãos, para não rir demais.

Tinham acabado, por fim. "Venham ver minha máquina de fazer café", disse Bertha.

"Só a cada quinze dias temos uma nova máquina de fazer café nesta casa", disse Harry. Desta vez Face pegou Bertha pelo braço; Pearl Fulton inclinou a cabeça e seguiu-as.

O fogo tinha-se reduzido na sala, para tornar-se um crepitante e rubro "ninho de filhotes de Fênix", segundo Face.

"Não acendam as luzes, por enquanto. Está tão agradável!". Ela agachou-se perto do fogo. Sempre tinha frio... "quando está sem sua jaqueta de flanela vermelha de mico de realejo, é claro", pensou Bertha.

Naquele momento Pearl Fulton "deu o sinal".

"Vocês têm um jardim?" disse a tranqüila voz sonolenta. Foi tão refinado da parte dela que tudo o que Bertha pode fazer foi obedecer; atravessou a sala, afastou as cortinas e abriu aquelas longas janelas.
"Lá", suspirou.

E as duas mulheres permaneceram de pé, uma ao lado da outra, olhando para a esguia árvore florida. Embora o ambiente estivesse tão tranqüilo, a pereira parecia a chama de uma vela a alongar-se, apontar para o alto, tremer no ar brilhante, tornando-se cada vez mais alta enquanto elas olhavam, até quase tocar os bordos prateados da lua redonda.

Quanto tempo elas ficaram ali? Ambas como que presas àquele círculo de luz sobrenatural, compreendendo-se perfeitamente uma à outra, criaturas de um outro mundo, e perguntando-se o que iriam fazer neste mundo com todo aquele alegre tesouro de felicidade que queimava em seus peitos e caía, como flores de prata, de seus cabelos e mãos?

Para sempre? Por um momento? E Pearl Fulton pareceu ter murmurado: "Sim, isso mesmo." Ou Bertha sonhara isto?

Então a luz foi acesa, Face fazia o café e Harry dizia: "Minha querida Senhora Norman Knight, não me pergunte pe!a minha filha. Eu jamais a vejo. Não terei por ela o menor interesse até o dia em que tenha um amante", e Mug tirou o monóculo, e tornou a colocá-lo, e Eddie Warren tomou seu café e colocou a xícara no lugar com um rosto angustiado, como se ele tivesse engolido uma aranha e percebido o que fizera.

"O que eu quero é dar lugar aos outros jovens. Acho que Londres está fervilhando com excelentes peças ainda não escritas. Quero lhes dizer: Aqui está o teatro; vão em frente!".

"Sabe, querida? Vou decorar uma sala para os Jacob Nathan. Estou muito tentada a fazer um projeto tipo peixefrito, com o encosto das cadeiras em forma de frigideiras e lindas batatas fritas espalhadas por toda parte nas cortinas".

"A dificuldade com nossos autores jovens é que eles são ainda demasiadamente românticos. Ninguém deve se lançar ao mar contando que não vai enjoar e dispensando uma bacia. Bem, por que não terão eles a coragem de usar essas bacias?".

"Um poema chocante sobre uma menina que foi violentada por um mendigo sem nariz, num pequeno bosque".

Pearl Fulton sentou-se à vontade na poltrona mais baixa e mais funda, e Harry ofereceu cigarros a todos. Pela maneira como ele se pôs à frente dela, sacudindo a caixa de prata dizendo asperamente "Egípcio? Turco? Virginiano? Estão todos misturados", Bertha constatou que ela não apenas o aborrecia; ele realmente não gostava dela. E deduziu, pelo modo com que Pearl disse "Obrigada, não vou fumar", que ela também o sentira, e se magoara.

"Não tenha essa antipatia por Pearl, Harry! Você está redondamente enganado a respeito dela. Ela é maravilhosa, maravilhosa! Além disso, como você pode pensar de modo tão diferente de mim, sobre alguém que significa tanto para mim? Tentarei contar-lhe mais tarde, quando estivermos na cama, o que está acontecendo. O que eu e ela estamos compartilhando".

A essas últimas palavras, alguma coisa estranha e quase aterrorizante penetrou na mente de Bertha. E essa coisa cega e sorridente sussurrou-lhe: "Logo essas pessoas irão embora. A casa ficará tranqüila, tranqüila. As luzes serão apagadas. E você e ele ficarão a sós um com o outro, no quarto escuro, a cama quente...".

Ela saltou da cadeira e correu para o piano.

"Que pena que ninguém toque!" — bradou. "Que pena que ninguém toque!".

Pela primeira vez na vida Bertha Young desejou seu marido.

Ah! Ela o amava! Ela o amara sempre, é claro, mas com outras formas de amor, não com o que sentia agora. E também, é claro, ela havia compreendido que ele era diferente. Haviam discutido isto inúmeras vezes. Ela havia se afligido horrivelmente, a princípio, ao descobrir sua própria frigidez, mas, com o passar do tempo, isso deixara de incomodá-la. Havia tanta franqueza entre os dois, eles eram tão bons companheiros! Nisso estava a grande vantagem de serem modernos.

Mas agora — era com tesão! Com tesão! A palavra doía em seu corpo em brasa. Era a isto que o seu sentimento de felicidade tinha levado? Mas então, então...

"Querida" — disse a Sra. Knight —, "é uma pena, mas você sabe que somos vítimas do tempo e do horário do trem. Moramos em Hampstead. Foi uma noite tão agradável!".

"Vou acompanhá-los até a porta", disse Bertha. "Foi um prazer tê-los conosco, mas vocês não podem perder o último trem. É tão desagradável isto, não é mesmo?".

"Antes de sair, você aceita um uísque, Knight?" convidou Harry.

"Não, obrigado, amigo velho".

Àquelas palavras, Bertha despediu-se dele com um forte aperto de mão.

"Boa-noite, até outra vez!" gritou ela do alto da escada, sentindo como se uma parte de si estivesse se despedindo deles para sempre.

Ao chegar à sala, encontrou os demais convidados preparando-se para sair.

"Então, você pode fazer parte do trajeto em meu táxi...".

"Eu lhe agradeço muitíssimo por não ter outra vez de enfrentar sozinho uma corrida de táxi depois da terrível experiência da vinda até aqui".

"Vocês podem tomar um táxi logo no fim da rua, há um ponto lá. Não terão de andar mais que uns poucos metros".

"É mesmo? Que bom! Vou vestir meu casaco".

Pearl Fulton encaminhou-se para o vestíbulo e Bertha a ia seguindo, quando Harry quase puxou-a para trás.

"Permita-me ajudá-la".

Bertha viu que ele tinha se arrependido de sua rudeza e deixou-o à vontade. Em certas coisas ele era um menino — tão impulsivo — tão simples.

Ela e Eddie foram deixados perto da lareira.


"Você já viu o novo poema de Bilke "Mesa de Convidado"?" perguntou Eddie, baixo. "É tão maravilhoso! Na última Antologia. Você tem um exemplar? Gostaria muito de mostrá-lo a você. Começa por uma belíssima linha: "Por que deve ser sempre sopa de tomate?".

"Sim", disse Bertha. Em silêncio, encaminhou-se para uma mesa, no lado oposto à porta, e Eddie acompanhou-a, também silencioso. Ela pegou o livro e entregou-o ao amigo; não tinham feito o menor ruído.

Enquanto ele o folheava, ela levantou a cabeça, olhando para o vestíbulo. E viu... Harry com o agasalho de Pearl Fulton nos braços e esta, de costas para ele, com a cabeça inclinada. Ele atirou o casaco para um lado, colocou as mãos nos ombros dela, e virou-a com violência para ele. Seus lábios diziam: "eu te adoro", e Pearl pousou os dedos finos sobre o rosto dele e sorriu aquele seu sorriso sonolento. As narinas de Harry tremiam; os lábios ficaram repuxados para trás, numa crispação horrível, enquanto ele sussurrava: "amanhã" — e, piscando os olhos, Pearl disse: "sim".

"Aqui está", disse Eddie. "Por que deve ser sempre sopa de tomate?". É uma verdade tão profunda, não acha? Sopa de tomate é tão incrivelmente eterna!".

"Se você preferir", dizia a voz de Harry, bem alto, no vestíbulo, "posso chamar um táxi pelo telefone".

"Não é necessário", disse Pearl Fulton e, chegando até Bertha, estendeu-lhe os dedos delicados.

"Até logo. Muito obrigada."

"Até logo", disse Bertha.

Pearl conservou os dedos da amiga entre os seus por um momento.

"Como é linda, a sua pereira", disse ela, baixinho.

E se foi, seguida por Eddie, como o gato preto acompanhando o gato cinzento.

"Vou fechar a casa", disse Harry, estranhamente tranqüilo e contido.

"Sua linda pereira...".

Bertha correu para as janelas largas do jardim. "Deus! O que vai acontecer agora?".

Mas a pereira estava tão linda como sempre, tão imóvel e florida como sempre.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

E. L. JAMES X SASHA GREY, OU IMAGINAÇÃO X EXPERIÊNCIA


Embarcando no sucesso do livro 50 Tons de Cinza, a ex-atriz pornô americana Sasha Grey, lança Juliette Society, livro que é visto pela imprensa internacional como o futuro substituto do famoso romance de E. L. James.
Para a autora Sasha, a literatura é uma forma de continuar seu trabalho iniciado no pornô, o de ajudar homens e mulheres a lidar com sua própria sexualidade.

SASHA GREY
E podemos dizer que Sasha não aproveita apenas a semelhança de seu sobrenome artístico - seu nome verdadeiro é Marina Ann Hantzis -, com o nome de Christian Grey, o sedutor personagem de 50 Tons de Cinza, para embarcar na onda. A mocinha entra na literatura erótica com bastante experiência.  Em seus cinco anos apenas como atriz pornô ela participou de mais de 270 filmes. E Sasha Grey não acumulou somente experiência sexual mas também vários prêmios da indústria pornô americana, como os de melhor cena de sexo oral, anal e grupal, por vários anos.
Em “Juliette Society”, Catherine é uma estudante de cinema que está relativamente satisfeita com sua vida, mas que começa a querer explorar sua sexualidade após ver “A Bela da Tarde”, de Luis Buñuel. Seu namorado, Jack, é descrito como um bom amante, só que não parece disposto a embarcar nessa com ela. Surge então Anna, amiga que a apresenta à “Juliette Society”, grupo secreto voltado para o sexo.

SASHA GREY

E. L. JAMES COM SEU FAMOSO LIVRO
Torna-se impossível não compararmos as duas autoras: de um lado, a executiva, recatada e discreta E.L. James, leitora de romancinhos água com açúcar, como a série Crepúsculo - aliás o grande inspirador de sua obra -, com, provavelmente, uma insípida e repetitiva vida sexual; do outro, a fogosa, exuberante, transgressora  e experiente ex-atriz pornô Sasha Grey, leitora, como podemos ver pelo título de sua obra, de Marquês de Sade e fã do cineasta espanhol Luis Buñuel.
Compará-las pode nos dizer muito sobre o ato de fazer literatura, pode nos dizer, por exemplo, qual o elemento mais importante, a pura imaginação, representada pela recatada E. L. James, ou a experiência de uma Sasha Grey?
50 Tons de Cinza foi chamado pela imprensa de pornô para mamães. E como será chamado Juliette Society?


Em quem você aposta, na experiência ou na imaginação?

Esperemos os próximos capítulos...

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A VAGINA FUMANTE: Um Conto Alucinógeno




Após o quarto ecstasy, Paula foi ao banheiro da boate. Arriou as calças e sentou-se no vaso sanitário; acendeu um cigarro e ficou a olhar as paredes cobertas de frases obscenas. Uma lhe causou risos incontidos:
Para curar um amor platônico só mesmo uma foda homérica.”

  
Tragou mais uma vez o cigarro enquanto ouvia o cair de sua urina na privada, embalada pelo som enervante da música eletrônica que vinha da pista de dança.
De repente, enquanto soltava mais uma baforada de fumaça, ouviu uma voz feminina, “hei, hei, você ai em cima”. Paula olhou para os lados, e não viu nenhuma janela e muito menos alguém por perto. Por um momento, pensou que seus sentidos tinham-lhe enganado; e assim voltou a tragar o cigarro novamente enquanto examinava o esmalte das unhas. Mas a voz novamente fez-se ouvir, “hei, hei, você ai em cima”.


Paula olhou em direção a porta do banheiro e, com a voz firme, disse: “O que é? Não está vendo? Está ocupado. Aguarde sua vez”. A voz então lhe respondeu: “Eu não estou à porta. Estou aqui, aqui embaixo”. Paula olhou para o piso do banheiro, imaginando a existência de esgoto ou de algo parecido em que pudesse caber alguém. Até que um assovio fez-se ouvir do fundo da latrina, acompanhado de um “hei, estou aqui embaixo de você”. 

Ela então olhou dessa vez para o fundo do vaso sanitário, e não acreditou no que via: sua vagina se movia como uma boca expelindo frases sonoras. Paula levantou-se assustada deixando suas calças descerem até seus pés.


- Um trago, desejo um trago – disse sua vagina.
- O que está acontecendo comigo!!! – disse Paula consigo mesma, passando as mãos sobre o rosto e olhando, atordoada, sua genitália falante.
- Vamos, rápido – continuou a vagina.
- O que você quer?
- Já disse: um trago – respondeu a vagina impaciente.
- Não acredito que estou conversando com minha própria vagina!!!
E com a insistência da mesma, Paula acendeu um cigarro e levou até sua vagina. E esta tragou com voracidade...
- Sabe, nunca gostei do termo vagina, prefiro xoxota – confidenciou a própria, tragando o cigarro e soltando a fumaça, como as vaginas daquelas praticantes de pompoarismo da Tailândia. – É bem mais carinhoso. E, além disso, você sabe, nenhum namorado seu nunca me chamou, naquelas horas, de vagina; sempre foi "deixa eu ver, meu amor, essa buceta... essa perseguida... essa xoxota". Lembro que um me chamava de moqueca.
- Era o Marcos.
- Que Marcos? O do apartamento 106? – inquiriu a vagina.
- Não. Esse lhe chamava de beiçuda.
- Argh!, que horrível – disse a vagina fazendo com a boca, ou melhor, com o que parecia ser uma, gesto de nojo.
- Então era o Marcos do 120?
- Não. Esse lhe chamava de “portinha do paraíso”.
- Ah! Como ele era delicado! Era então o do 130?
- Não, não, não – disse, rapidamente, Paula, balançando o dedinho em direção de sua vagina.
- Sei, esse não precisava nem chamar, que você ia, né?
E após Paula dar uma grande gargalhada, respondeu:
- Era o Salvatore?
- Ah, Sim. Ele era tão carinhoso e engraçado.
- Mas havia aquele outro, aquele engraçadinho que me chamava de “pata de camelo”.
- Ah, o Teco.
- Mas pior que ser chamada de vagina, era quando aquele outro sujeito me chamava de vulva, que nome feio.
- Ah, esse era o Haroldo, o Brandão.
- Ele era tão metódico.
- Mas o que esperar de um psicólogo, né?
- Pois é, então porque me chamar de vagina, querida. Vagina é dito quando alguém não quer ter intimidade, como um ginecologista, mas eu sou íntima de você, por isso me chame de xoxota, meu bem.
- Mas eu sei como você ficou na minha última visita ao ginecologista, sua danadinha.
- Também pudera com aquele homem lindo. Fiquei toda molhadinha!
- E se fosse uma fantasia – argumentou Paula, sentada novamente, com as calças arriadas na latrina, dividindo o cigarro com sua vagina -, digamos que alguém me pedisse para irmos às vias de fato, fantasiando ser um ginecologista?
- Bem, toda regra tem exceções, minha querida.
- Ahã!, te peguei agora sua safadinha – disse Paula dando leves palmadas em sua vagina.
- Tudo bem, tudo bem, eu me rendo, mas não faça como aquela vez em que encontraste outra xana pra se esfregar.
- Foi apenas uma experiência. E que tal? Você não gostou?
- Bem, sabe quando você quer calabresa mas lhe dão salsicha?
- Ahã.
- Foi assim que eu me senti: não me contentei com dedos, querida. Falando nisso, não estamos esquecendo de algo?
- Maurício! – exclamou Paula levantando-se e vestindo rapidamente as calças.
- Ele parece ser tão bem dotado! – comentou a vagina satisfeita, provocando risos de satisfação em Paula.
- Não me admira que não se contenha com salsichas, larga como estás, sobra espaço – comentou uma voz grave.
- Quem disse isso? – inqueriu Paula, assustada, antes de abrir a porta do banheiro.
- É ele – respondeu a vagina.
- Ele quem?
- O seu cu.
- Ele também fala?!
- Bem, ouço mais do que falo, mas dou meus palpites também, querida – disse o cu de Paula.
- Vamos, vamos, meu bem, não ligue para as opiniões de alguém que nunca lhe encarará de frente – comentou a vagina enquanto Paula abria a porta do banheiro e seguia enfrente.
- O que você sente é inveja, já que no final eles sempre acabam procurando por mim - retrucou o cu a vagina, enquanto esta lhe mostrava a língua, ou algo parecido.
- Ah é? Eu juro que irei atrapalhar da melhor forma possível: merda – disse o cu irritado, enquanto Paula seguia para mais um encontro amoroso, sendo imediatamente interrompida, e retornando ao banheiro, mas desta vez por outros motivos.

Para Completar, veja 100 Apelidos Para Vagina:


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O ANDROIDE (de Bosco Silva)



Numa badalada casa noturna em um futuro distante...
- Oooiii!
- Oi.
- As coisas lá dentro estão pegando fogo, hein?!
- Fogo, aonde, aonde? - disse o sujeito estranho com voz metálica, virando a cabeça em 360 graus.
- Calma, quero dizer apenas que as pessoas estão bastante animadas lá dentro.
- Ah sim, desculpa-me, é que sou um androide-bombeiro, tipo MX30.6, semi-humano.
- É mesmo?! Hum... que maravilha! Então aposto que és capaz de abrir esta garrafa de vinho somente com as mãos.
- Sim, meus dedos podem se transformar em ferramentas... zimm... ziimmm... ziiimmmm... ziiiimmmmm...
- Nossa! Obrigada - disse a mulher com a garrafa aberta.
- Tens um cigarro?
- Não compactuamos com nenhuma possibilidade de incêndio.
- Claro, claro, um robô... que boba sou eu, mas é que pareces ser tão humano! E aposto que és capaz de apagar qualquer tipo de fogo, com esses braços e essas pernas longas, hein? - inquiriu a mulher com segundas intensões, e continuou:
- Aliás, tudo em você parece ser tão forte e grande.
- Sou um robô-bombeiro, tipo MX30.6.
- Sei, sei, do tipo que apaga qualquer fogo... Huuummm, gostaria muito de ver sua mangueira, onde ela fica?
- Entre minhas pernas.
- Nossa!, que sugestivo! Então mostre-me.
- Só mostramos em presença de fogo.
- Ah, éééé...? - disse a mulher tirando um isqueiro do bolso.
E após acendê-lo, ela exclama:
 - Mas só isso!!!
- Sou de tecnologia japonesa.
- Tô vendo - disse a mulher insatisfeita. - Mas pelo menos me restam as ferramentas... Venha cá, você tem aí algo emborrachado?
   

domingo, 11 de agosto de 2013

CONFISSÕES DE UM LADRÃO DE CALCINHAS (Por Bosco Silva)



Baseado na estranha, escalafobética e esdrúxula história de Vladimir Fomin, o russo que se recusa em vestir-se com roupas masculinas.

SE VOCÊS QUEREM MESMO SABER como tudo começou, então terei que lhes contar desde minha infância, desde o início deste hábito, que é minha alegria e também tem sido minha perdição...
Desde muito cedo descobri as vantagens de ser criança: adorava ver as mulheres mudarem de roupa na minha frente; sentia-me um privilegiado; e mesmo estando com minha mãe e suas amigas, era normal entrar no vestiário feminino quando estas entravam para experimentarem suas roupas novas; ficava lá, sentadinho, com o queixo sobre os punhos olhando seus trejeitos, ouvindo suas conversas e, principalmente, vendo-as desfilarem com suas peças íntimas. Levantava-me e podia ver bem de perto, de pertinho mesmo. E como se não fosse bastante vê-las na intimidade a trocarem de roupa, ainda ganhava carinho e balas. Ah, se elas soubessem em que tudo isto daria... Talvez tivessem evitado estes estímulos. De qualquer forma, esta curiosidade me acompanhou por todo este período.


VLADIMIR FOMIN COM VESTIDO TIPO PIRIGUETE
Por fim, veio a adolescência, esta idade púbere, que também não escaciaria em descobertas. Entreguei-me então intensamente as atividades solitárias, quando descobri, casualmente, uma destas revistas de mulheres peladas, sobre a pia do banheiro; era de um tio que havia esquecido desta durante o banho. Neste dia, quando o maldito me pegou em tal ato, disse-me que não parasse, pois se parasse eu desmaiaria. Eu, confiante em sua autoridade e experiência, fiquei horas a fio em tal ato, com o braço já cansado, esgotado e dolorido, até que o degenerado, rindo, disse-me que tudo era apenas brincadeira. Mas, malgrado o susto, passei então a dedicar-me, incansavelmente, todos os dias, a tal atividade. Até que um dia algo estranho me aconteceu: notei que meu braço direito tornara mais grosso que o esquerdo. Isto me levou a um silencioso desespero, pois pensei que tal ato estava me levando a aleijar-me. Passei então a usar sempre camisas de mangas compridas. Então, como um gênio no assunto, um dia descobri a solução: passei a usar minha mão esquerda, minha bendita mão esquerda, a salvadora! E logo passei a dominá-la com enorme destreza. Confesso que me ajudou muito nas aulas de violão. Foi também nessa época que passei a nutrir um sonho...

VLADIMIR MAIS A VONTADE,
DEIXANDO AS COISAS MAIS AREJADAS
Quando descobri por meio das conversas de minhas tias que havia uma profissão que se dedicava apenas as mulheres, passei a nutrir o sonho de ser ginecologista. Isto mesmo sonhava ser um desses profissionais que estudam tanto apenas para poderem bolinar as mulheres dos outros. Queria ver todas aquelas mulheres nuas e de pernas abertas para mim, pois se todo profissional, como também diziam minhas tias, deve adorar o que faz, eu preferia passar o dia olhando o que mais amava naquele momento: vaginas de todos os tipos e tamanhos: brancas, pretas, vermelhas e pardas. Mas isto foi logo esquecido quando conheci a garota que, neste período, passou a chamar bastante da minha atenção na escola.
Ela tinha os cabelos negros um pouco abaixo das orelhas, os lábios grossos, bem vermelhos e delineados, o nariz bem arrebitado e afilado, os dentes da frente separados por uma pequena fenda, que lhe conferia um sorriso maroto, um sorriso mesmo de garota danada, que estava pronta a fazer qualquer estrepulia. Os garotos de escola logo passaram a chamá-la, curiosamente, de borboletinha. Eu lhes perguntava o porquê de tal apelido, mas eles nunca diziam, somente riam entre si, dizendo a mim que se eu queria mesmo saber o motivo tinha que descobrir por mim próprio.

VLADIMIR COM AS FILHAS
Este segredo os fazia sentirem-se especiais, pareciam com uma pequena sociedade secreta. Tentei várias vezes descobrir o segredo com aquela que passou aos poucos ser uma obsessão para mim. Procurei aproximar-me dela aos poucos. Passei segui-la durante a saída do colégio até sua casa, mas faltava-me sempre a coragem de abordá-la. E não raro, fora do horário de colégio, ia para frente de sua casa na esperança de vê-la por alguns instantes no portão ou na janela, mesmo que fosse por apenas alguns minutos ou mesmo por míseros segundos. Enfim, como já devem ter adivinhado, eu estava, pela primeira vez em minha vida, apaixonado. Sim, por aquela que era a fonte do tal segredo, que aos poucos cada vez mais me atormentava, até mesmo em sonhos. Passei a sentir os intensos sentimentos da paixão: o coração batendo rápido, a mão fria e úmida, a respiração ofegante, quando a via.  E após várias tentativas de me aproximar algo bom aconteceu...
Ao subir no ônibus, apressado, sento-me sem reparar ao lado daquela que aos poucos invadia minha alma. Ela puxou momentaneamente conversa comigo, e eu sempre monossilábicamente lhe respondia. Isto, intencionalmente, tornou-se para mm um hábito, e aos poucos passei ganhar cada vez mais segurança e, consequentemente, mais prolongava a conversa, até que, finalmente, cheguei ao ponto de convidá-la a sair.

VLADIMIR COM  MODELITO MAIS OUSADO
No dia marcado, arrumei-me do melhor modo possível, ansioso para agradar-lhe em todos os sentidos. Esperei ansioso por sua chegada à praça combinada. Desejava demonstrar-lhe o quanto apreciava sua companhia, o quanto lhe adorava. Até que ela chegou acompanhada por um rapaz que ficou sentado bem ao seu lado. Durante a conversa reparei que ele tocava em seu joelho com a mão, pensei então “é um amigo”. Mas com o tempo ele passou a botar levemente a mão em sua coxa, pensei ainda otimista “é uma amigo íntimo”. A conversa fluía amistosamente, quando o sujeito pôs o braço entorno do pescoço dela, e ainda otimista e esperançoso, pensei “é um amigo muito íntimo”. E quando o vi beijá-la no rosto, repeti mentalmente, várias vezes, “é um amigo muito, muito íntimo”. Mas minha alegria durou bem pouco tempo quando vi o tal sujeito, finalmente, beijar-lhe a boca; já não podia mais disfarçar de mim mesmo, e pensei desolado “sim, é seu maldito namorado”. Senti como se o chão sumisse sob meus pés; sentia-me caindo em um buraco fundo; tudo ao meu redor pareceu crescer instantaneamente; tudo parecia ter ganhado mais importância que eu, naquele momento.

FOMIN COM ESPOSA
CONTINUA...

Abaixo, um vídeo com nosso herói:



quarta-feira, 7 de agosto de 2013

SEXO ANAL E PROIBIÇÕES MORAIS (Por Bosco Silva)



Um blog como o INFERNO DE SADE que tem como filosofia a busca do autoconhecimento por meio da sexualidade, vista como algo que não se resume apenas ao ato sexual, mas sim a toda forma de sensibilidade que tenha como objetivo o contato mútuo entre dois corpos, duas mentes (ou mais), ou mesmo de uma pessoa consigo própria, com a finalidade de conhecer desejos, carências, medos, etc. do outro e de si próprio, irá, sempre esbarrar em preconceitos e tabus; e, claro, também com a maior fonte de preconceitos e tabus de hoje e de sempre: a RELIGIÃO.
Por isso todo discurso moralista que se prese tem a religião, com toda sua carga de proibições e preconceitos, como base de seus argumentos. Assim quando o assunto é homossexualidade, logo ouvimos um:
Sou contra a homossexualidade porque deus criou homem e mulher, para que, como casal, se reproduzissem”.

O que pessoas com tal opinião não veem, ou não querem ver, é que argumentos baseados em preconceitos não explicam a realidade; e, como no caso acima, não servem de modelo para nenhuma divisão correta de gêneros sexuais, já que não leva em conta um importante fenômeno, relativamente comum, que destrói seu argumento, o HERMAFRODITISMO, que é a característica que algumas pessoas possuem de portarem os dois sexos no mesmo corpo. O que o torna, por sua vez, um gênero diferente dos anteriores.



E como classificar alguém que nasceu com os dois sexos em uma das categorias, isto é, como homem ou mulher? Como determinar quais as características mentais que irá determinar que o indivíduo se adaptará melhor a um órgão mais que a outro, na hora de uma eventual operação? E a mais importante pergunta: se podemos nascer com dois órgãos sexuais, por que não poderíamos nascer com características mentais dos dois sexos, ou com desejos sexuais direcionados para pessoas do mesmo sexo que nós?
Do mesmo modo, quando se fala em sexo anal logo todo um aparato religioso se junta como forma de demonstrar, às vezes com argumentos pretensamente científicos, assim como no caso da homossexualidade, que as proibições morais quanto a ele estão corretas.
O vídeo, abaixo, é um bom exemplo disso. Nele a psicóloga ESPÍRITA, Anete Guimarães, discorre sobre o sexo anal; e por meio da fisiologia, anatomia e de doenças do corpo humano, sustenta que o sexo anal não apenas é anormal, antinatural, como prejudicial à saúde, tanto para casais héteros quanto homossexuais. Para tanto ela se baseia em sua experiência passada com pacientes homossexuais masculinos em fase terminal devido a AIDS.


SEXO ANAL E ENDOCARDITE BACTERIANA
No vídeo, ela nos conta que durante seus trabalhos acadêmicos de classificação das principais doenças oportunistas em doentes com AIDS, se deu conta de que todos os 120 pacientes do hospital em que trabalhava, tinham ENDOCARDITE BACTERIANA, que é a colonização das válvulas do coração por bactérias. Então ela pensou que se devia a AIDS, mas um professor orientou-a a fazer a mesma pesquisa em outros pacientes também imuno-depressivos, porém não aidéticos. Descobriu então que nenhum destes possuía a doença, mesmo sendo imuno-depressivos, como os aidéticos. O que a levou a descobrir que a origem para tal doença, era as práticas passadas de sexo anal que os pacientes com soro positivo possuíam em comum, pois o rompimento da mucosa intestinal durante o ato sexual possibilitava a passagem de bactérias intestinais, via corrente sanguínea, e desta, ao coração. Concluindo, com base nisso, que o sexo anal, tanto em homens quanto em mulheres, é algo prejudicial à saúde, pois produz ENDOCARDITE BACTERIANA.

RESPOSTA:
O preconceito de Anete se dá na generalização e na omissão de importantes dados, causando erros em seu argumento, como:
1. Ela previamente associa, sem dar nenhuma explicação, todos os 120 pacientes com AIDS à homossexualidade e, por sua vez, como praticantes de sexo anal; o que é um erro - que apenas um forte preconceito pode explicar tal generalização - já que se pode contrair o vírus da AIDS por outros meios também, como transfusão de sangue; por uso comunitário de materiais cortantes, como tesouras e pinças etc.
2. Não há, por parte dela, nenhuma explicação se os outros pacientes, não-aidéticos, mas imune-depressivos, não eram homossexuais, nem praticavam sexo anal. O que era importante frisar para seu argumento.
E o mais importante:
3. Ela não explica que ENDOCARDITE INFECCIOSA tem também como uma de suas origens Infecções dentárias, que é uma de suas principais causas. Portanto, ela não explica quantos destes portadores de AIDS, possuidores de ENDOCARDITE INFECCIOSA, tiveram infecção dentária como a origem da doença e não o puro e simples sexo anal.

MULHERES NÃO SENTEM PRAZER POR MEIO DO SEXO ANAL?
No vídeo, Anete também argumenta que, por não haver terminas nervosos de sensibilidade no reto, as mulheres não sentem nada a não ser dor praticando sexo anal; e que sendo esta sua condição apenas o prazer sádico de seus parceiros faria com que estas preferissem tal atividade a usufruir de seu órgão próprio de reprodução.

RESPOSTA:
Aqui, novamente, Anete comete algumas generalizações indevidas e incoerências, como:
Se não há terminais nervosos de sensibilidade no reto como é possível a dor, já que esta está ligada a esses mesmo terminas nervosos?;
E se estes órgãos produzem dor também são capazes de produzir prazer, logo o sexo anal pode, sim, embora certamente não seja o caso de todas as mulheres nem todos os homens, produzir prazer.
Ela também não parece ligar para a acrescente popularização da prática do sexo anal, com crescente depoimentos de mulheres em favor de tal atividade, em uma época em que as mulheres possuem maior direito e liberdade em relação a seus corpos e ao prazer sexual. 
Por outro lado, Anete parece viver em uma época contrária, em que a mulher ainda tem seu prazer excessivamente subjugado por seus companheiros, e em que o sexo ainda é visto apenas como atividade de reprodução.

*Texto publicado no blog: http://infernodesade.blogspot.com.br   

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

LIGAÇÕES PERIGOSAS - trecho "A Marquesa de Merteuil" (de Choderlos de Laclos)









“Digo meus princípios, e digo-o propositadamente; pois não provêm, como o de outras mulheres do acaso, nem são recebidos sem exame ou seguidos por hábito; são os frutos de minhas profundas reflexões; criei-os, e posso dizer que sou minha própria obra.
Entrando na sociedade em um tempo em que, solteira ainda, estava naturalmente voltada ao silêncio e à inação, aproveitei para observar e refletir. Enquanto me acreditavam estouvada ou distraída, dando, em verdade, pouca atenção ao que me procuravam dizer, muita prestava ao que procuravam esconder de mim.
Esta útil curiosidade, ao mesmo tempo que servia para me instruir, ensinava-me a dissimular [...] Se sentia alguma mágoa, aplicava-me a assumir um ar de serenidade, e até de alegria; levei o zelo a ponto de provocar dores voluntárias, a fim de procurar durante esse tempo a expressão do prazer [...] De posse dessas minhas primeiras armas, tentei servir-me delas; não satisfeita com não mais me deixar penetrar, diverti-me com mostrar-me sob diferentes formas; segura de meus gestos; controlei minhas palavras; regulei uns e outros de acordo com as circunstâncias e as minhas fantasias. A partir de então, minha maneira de pensar foi unicamente minha e só mostrei o que me era útil deixar transparecer [...] ainda algumas observações [... Depois de viúva] Reforcei-as pela leitura; não imagineis, entretanto, que foi toda ela do gênero que pensais. Estudei nossos costumes nos romances, nossas opiniões nos filósofos, procurei até nos moralistas mais severos o que exigiam de nós, e assegurei-me, assim, do que se podia fazer, do que se devia pensar e do que era preciso parecer. Uma vez a par disso tudo, verifiquei que somente a última coisa apresentava algumas dificuldades de execução; esperei vencê-las e meditei sobre os meios de fazê-lo.
Começava a aborrecer-me com meus prazeres rústicos, muito pouco variados para a minha cabeça ativa. Sentia uma necessidade de coqueteria que me reconciliou com o amor; não para senti-lo, em verdade, mas para inspirá-lo e simulá-lo. Em vão me tinham dito, e eu o lera, que não se podia simular esse sentimento; eu percebia, entretanto, que para consegui-lo bastava juntar ao espírito de um autor o talento de um comediante. Exercitei-me nos dois gêneros, e talvez com algum êxito; mas ao invés de procurar os vãos aplausos do teatro, resolvi empregar na minha felicidade o que tantos outros sacrificavam à vaidade [...] Comecei, então, a desenvolver no grande palco da sociedade os talentos que adquirira. Meu primeiro cuidado foi conquistar a fama de invencível. Para consegui-lo, os homens que não me agradavam foram sempre os únicos de quem fingi aceitar homenagens. Empregava-os utilmente para angariar as honras da resistência, enquanto me entregava sem receio ao amante preferido”.