quinta-feira, 1 de agosto de 2013

LIGAÇÕES PERIGOSAS - trecho "A Marquesa de Merteuil" (de Choderlos de Laclos)









“Digo meus princípios, e digo-o propositadamente; pois não provêm, como o de outras mulheres do acaso, nem são recebidos sem exame ou seguidos por hábito; são os frutos de minhas profundas reflexões; criei-os, e posso dizer que sou minha própria obra.
Entrando na sociedade em um tempo em que, solteira ainda, estava naturalmente voltada ao silêncio e à inação, aproveitei para observar e refletir. Enquanto me acreditavam estouvada ou distraída, dando, em verdade, pouca atenção ao que me procuravam dizer, muita prestava ao que procuravam esconder de mim.
Esta útil curiosidade, ao mesmo tempo que servia para me instruir, ensinava-me a dissimular [...] Se sentia alguma mágoa, aplicava-me a assumir um ar de serenidade, e até de alegria; levei o zelo a ponto de provocar dores voluntárias, a fim de procurar durante esse tempo a expressão do prazer [...] De posse dessas minhas primeiras armas, tentei servir-me delas; não satisfeita com não mais me deixar penetrar, diverti-me com mostrar-me sob diferentes formas; segura de meus gestos; controlei minhas palavras; regulei uns e outros de acordo com as circunstâncias e as minhas fantasias. A partir de então, minha maneira de pensar foi unicamente minha e só mostrei o que me era útil deixar transparecer [...] ainda algumas observações [... Depois de viúva] Reforcei-as pela leitura; não imagineis, entretanto, que foi toda ela do gênero que pensais. Estudei nossos costumes nos romances, nossas opiniões nos filósofos, procurei até nos moralistas mais severos o que exigiam de nós, e assegurei-me, assim, do que se podia fazer, do que se devia pensar e do que era preciso parecer. Uma vez a par disso tudo, verifiquei que somente a última coisa apresentava algumas dificuldades de execução; esperei vencê-las e meditei sobre os meios de fazê-lo.
Começava a aborrecer-me com meus prazeres rústicos, muito pouco variados para a minha cabeça ativa. Sentia uma necessidade de coqueteria que me reconciliou com o amor; não para senti-lo, em verdade, mas para inspirá-lo e simulá-lo. Em vão me tinham dito, e eu o lera, que não se podia simular esse sentimento; eu percebia, entretanto, que para consegui-lo bastava juntar ao espírito de um autor o talento de um comediante. Exercitei-me nos dois gêneros, e talvez com algum êxito; mas ao invés de procurar os vãos aplausos do teatro, resolvi empregar na minha felicidade o que tantos outros sacrificavam à vaidade [...] Comecei, então, a desenvolver no grande palco da sociedade os talentos que adquirira. Meu primeiro cuidado foi conquistar a fama de invencível. Para consegui-lo, os homens que não me agradavam foram sempre os únicos de quem fingi aceitar homenagens. Empregava-os utilmente para angariar as honras da resistência, enquanto me entregava sem receio ao amante preferido”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário