quarta-feira, 25 de setembro de 2019

"VAMPIROS PARAENSES" MATAM ADOLESCENTE EM SUPOSTO RITUAL EM BELÉM

"VAMPIROS PARAENSES" MATAM ADOLESCENTE EM SUPOSTO RITUAL EM BELÉM
Há quase 10 anos atrás um assassinato por homofobia em um cemitério na periferia da cidade de Belém, foi divulgado com estardalhaço e sensacionalismo pela mídia local, alimentado por preconceito e pela pura ignorância sobre um movimento cultural seguido por milhares de jovens do mundo inteiro que têm em comum: música, roupas pretas e um gosto pelo lado sombrio da vida, e que nada tem de satânico ou criminoso. Tal acontecimento exemplifica bem o quanto os meios de comunicação estão fadados a distorcer, por ignorância, ou por puro sensacionalismo, o que não conhecem, ou não querem conhecer.

O blog Bornal relembra e discute o assassinato de Cíntia Oliveira e o papel da mídia sensacionalista local que transformou um crime hediondo de homofobia em um suposto ritual satânico.

O Caso Cíntia Oliveira
Na manhã de 21 de julho de 2010, um corpo de mulher é encontrado em uma cova em um cemitério desativado no Benguí, periferia de Belém. O IML conclui que a jovem foi morta estrangulada sobre uma sepultura e arrastada e jogada na cova onde foi achada. Possuía também ferimentos no pescoço e na cabeça que a desfiguraram, que não foram suficientes para matá-la, ou foram feitos depois da vítima já morta.


Sepultura Onde Aconteceu o Crime
Segundo familiares, na noite anterior, por volta das 19h, a adolescente saiu de sua casa para ir à igreja, e de lá, foi para uma casa de uma prima, e depois iria para casa de uma colega, se extraviando pelo caminho.

Os dias se passavam sem que a polícia tivesse qualquer pista sobre o assassinato de Cíntia Oliveira, de 16 anos. Até que algo surpreendente aconteceu: um blogueiro do Rio Grande do Sul ligou para os jornais Amazônia e O Liberal dizendo que havia conversado com três paraenses que se diziam vampiros e que teriam matado a jovem Cíntia Oliveira.

Vampiros Paraenses
O jovem gaúcho contou que quando participava de um jogo de RPG, frequentado somente por gaúchos, chamado “Vampiros: a Máscara do Brasil”, três jovens paraenses começaram a participar dizendo serem vampiros reais.

"Eles me chamaram a atenção porque eram de outro Estado e não falavam coisa com coisa, dizendo que eram vampiros de verdade, falando coisas de satanismo", disse o jovem.

Durante uma conversa por Skype, o jovem gaúcho provocou os paraenses dizendo que era tudo mentira, que eles não eram vampiros de verdade, foi quando então eles começaram a contar sobre o assassinato de Cíntia Oliveira.


Ezequiel Abreu Calado  Escoltado por Policiais
A conversa com Ezequiel Abreu Calado, de 19 anos, de apelido "Bloody" (Sanguinário), que se dizia pertencer a um grupo de góticos denominado de “Dark”, foi então gravado. Na gravação, que foi repassada para a polícia, “Ezequiel afirmava que ‘foi fácil’ matar a jovem e que a mordeu no braço e desferiu um soco na testa dela, que chegou a deixar sua mão inchada. Além disso, riu ao contar que desferiu um golpe na cabeça dela, usando uma cruz. Ao final da gravação, o jovem também ameaça matar a diretora Ângela Pantoja, da escola em que estuda (Escola Maria Luiza Nunes, no Bengui), e outros dois jovens”.


Acima, a Cruz Usada para Ferir Cíntia Oliveira
Através da ajuda do jovem gaúcho (que até hoje se manteve anônimo) se chegou a mais três participantes do homicídio: Nancy Danielly da Silva Amorim, de 19 anos, namorada de Ezequiel, e um adolescente de 15 anos e uma de 16, de nomes não identificados.

Embora não tenha participado da prática, Nancy Danielly contou que “o ato foi feito pelos outros três acusados, ela participou da reunião de planejamento e ficou sabendo de tudo que ocorreu depois. Segundo Nancy, a vítima foi cortada no pescoço com lajotas soltas e foi espancada na cabeça com uma cruz, ambos os objetos retirados de sepulturas do Cemitério do Bengui. De acordo com ela, ninguém chegou a beber o sangue da adolescente morta porque acreditavam que, por ela ser usuária de drogas, o seu sangue tinha gosto ruim. "Eles chegaram a lamber o sangue, mas acharam o gosto ruim e não beberam o sangue dela", disse Nancy, fazendo o gesto da lambida. Ezequiel já havia negado todas as acusações mas, ao ver sua namorada confessar e o acusar, limitou-se a dizer que só falaria na presença de seu advogado”.

Satanismo em Belém?
O que chama a atenção no caso do assassinato da jovem Cíntia Oliveira, claro, além dos detalhes sórdidos do assassinato, é a tentativa feita pela imprensa de pôr em relevo o crime como sendo parte de um ritual satânico, procurando sempre destacar qualquer detalhe que alimenta-se isso, como pôr em destaque o costume do grupo de vestir-se de preto, como se  o gosto por roupas pretas estivesse diretamente ligado ao satanismo: 
"Até para a escola, na qual existe uniforme, eles vão vestidos de preto. Mas, na última quarta-feira, 10, a diretora os proibiu de ir vestidos de preto", disse Eduardo Rollo, delegado responsável pelo caso.
Ou, o fato da polícia ter encontrado entre os pertences de um dos participantes do assassinato um inocente “bode” preto de pelúcia: 
Os policiais apreenderam vários materiais na casa de todos os acusados, como algemas de brinquedo, máscaras de monstro, aparelhos celulares, agendas, computadores, cartas, documentos e até um filhote de bode de pelúcia, que pode ter relação com os supostos rituais satânicos praticados.”
Uma pergunta surge: Será que este boneco de pelúcia seria mesmo um bode? Ou seria um veado, ou um carneiro, ou um cordeiro, ou qualquer outro animal feito com pelúcia preta, que aos olhos de quem estava preparado para ver satanismo em tudo, viu um bode?

Embora o grupo de assassinos tenha feito alusões a vampirismo e satanismo em torno do assassinato de  Cíntia Oliveira, na verdade, seu assassinato, como a investigação mostraria mais tarde, não teve nada de satanismo, magia, bruxaria, envolvido, não sendo, pois, motivado por estes motivos --- não foi encontrado no local do crime nenhum símbolo, objeto, texto, comuns ligados ao tema ---, muito menos por vampirismo, como sugeriu a imprensa local,, já que os assassinos não chegaram a tomar o sangue da vítima, como afirmou Nancy, que relatou: 
"Eles chegaram a lamber o sangue, mas acharam o gosto ruim e não beberam o sangue dela". 
Mas, sim, seu assassinato foi fruto de puro preconceito, da mais radical homofobia de seu assassino, já que Cíntia era lésbica e demonstrava claramente seu amor através de cartas para a adolescente que a atraiu para o cemitério com a finalidade de assassiná-la; adolescente que era ex-namorada de Ezequiel, que ficou profundamente irritado com o lesbianismo da vítima. Ezequiel tinha aversão a homossexuais, chegando a afirmar para jornalistas, quando preso, que: 
"Não tenho ódio (de homossexuais), mas não gosto. Prefiro não andar com gays se não vão achar que eu sou também porque quem se mete com porco, farelo come". 
Porém, infelizmente, a imprensa preferiu destacar manchetes sensacionalistas que associavam o crime a satanismo a fim de atrair a atenção de um público maior, do que pôr em questão o quanto a homofobia é capaz de produzir barbaridades.

Demonizando o Diferente
O assassinato da jovem Cíntia Oliveira, mesmo sendo um caso isolado, na época, afetou e aumentou ainda mais o preconceito aos Góticos, grupos de pessoas que têm em comum o gosto por músicas que envolvem temas, como decadência, melancolia, obscuridade; que gostam de se vestir de preto, representando melancolia, mistério e a obscuridade que envolvem a vida humana, e que nada tem de satânico. Embora o diferente, o incomum, a cor negra, tende a ser associado ao demoníaco por uma sociedade que não tolera o diferente.


Góticos de Belém

O culto a cemitérios encontrado no movimento gótico é visto, antes de tudo, como uma reflexão sobre a curta duração da vida humana, e do passageiro sentido da pompa, de sua efemeridade, sua evanescente existência, e também como um lugar de culto ao passado, por suas estruturas tumulares evocar a bela arte funérea do passado. Tendo nisso nada de demoníaco.

*FONTE: Portal ORM: Garota foi Morta por Jovens "Vampiros".

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