sexta-feira, 27 de março de 2020

MADAME SATÃ: NEGRO, "BICHA", BANDIDO E BOM DE BRIGA


MADAME SATÃ: NEGRO, "BICHA", BANDIDO E BOM DE BRIGA
Ele foi um dos primeiros transformista, que encantava o Carnaval carioca com suas fantasias. Foi o bandido violento que matava com um único soco. O homossexual assumido que “caçava veados” na Lapa, segundo suas próprias palavras. Foi também o herói que não admitia violência contra os mais fracos e, como capoeirista, enfrentava desarmado a polícia. Ele foi o Madame Satã, um homossexual delicado, mas bom de briga!

Negro, pobre e homossexual, Madame Satã foi um personagem controverso que lutou contra o preconceito durante os anos de 1920, em um Brasil extremamente racista e homofóbico.


João Francisco dos Santos, seu nome de batismo, nasceu, em 1900, no interior de Pernambuco, foi, na infância, trocado por uma égua, motivo encontrado por seus pais, ex escravos, para poder sustentar os dezessete filhos que ficaram. O homem que o adquiriu, embora tivesse prometido que iria lhe dar casa e estudo, fez dele um escravo em sua fazenda. Em 1908, João Francisco então fugiu com Dona Felicidade, que lhe ofereceu emprego, para o Rio de Janeiro, onde também passou a trabalhar como um escravo na pensão desta. O que o levou a fugir e morar nas ruas do bairro boêmio da Lapa.

Foi na Lapa, que passou a conviver em meio a marginalidade e os malandros da época, virando menino de rua, se envolvendo em pequenos crimes. E também na rua que descobriu sua homossexualidade: “eu fui homem algumas vezes e fui bicha algumas vezes. Eu gostei mais de ser bicha”  disse ele.

Em meio aos malandros aprendeu a lutar capoeira, se tornando hábil lutador, causando medo em malandros e até mesmo em policiais.


Mas as ruas da Lapa, não lhe trouxe apenas a marginalidade, pois foi no intenso clima artístico do bairro, entre prostitutas e dançarinas, que Madame Satã se apaixonou pela arte da dança e das performances artísticas dos palcos, imitando as coreografias de dançarinas famosas da época. 


E motivado por uma jovem dançarina com quem fez amizade, em 1928, esta lhe arrumou a oportunidade de se exibir no palco em uma casa de show. Seu espetáculo foi um sucesso, e lhe proporcionou fama imediata no bairro. Contudo, foi nesse mesmo ano que um incidente lhe levaria a assassinar um guarda, que o havia provocado. O fato aconteceu quando um guarda-civíl, o chamou repetidas vezes de “veado”; passando também a provocá-lo com empurrões e tapas. Madame Satã tentou não dar importância ao fato, mesmo com pessoas terem visto a humilhação. Voltou então para seu quarto. Porém no quarto sua raiva subiu ao nível do insuportável, ao relembrar as cenas novamente. Então, de posse de um revólver, voltou ao local, e matou seu agressor com tiros.

Madame Satã foi condenado a prisão pelo homicídio. Porém, passou apenas dois anos na prisão, após ter sido apontado como crime de legítima defesa. Após este fato, João Francisco passou a receber bastante convites de emprego de segurança, trabalhando em bordéis, protegendo prostitutas, outros malandros. Contudo, policiais não engoliriam tão facilmente a morte de companheiro de trabalho, o que fez que Madame Satã se torna-se sempre alvo das investidas de policiais, o que se agravava ainda mais com o fato de que ele não suportava ver policiais agredindo a população mais fraca, intervindo sempre que podia, espancando policiais.

Um dia, um sargento disparou seis tiros nele e, ao verificar que não foi atingido, correu atrás do policial desferindo-o navalhadas, inclusive em sua nádega. Desse momento adiante Madame Satã ficou conhecido como aquele que tinha dado uma navalhada na bunda de um policial.

Outras ousadias suas contra a polícia se tornaram bastante popular, como a vez que após, centenas de vezes, ser revistado, foi marchando sozinho até a delegacia de polícia, entrou e espancou o delegado. O que lhe acarretou mais um tempo de prisão: ao todo foram 27 anos, de idas e vindas dos presídios.

Lázaro Ramos como Madame Satã no Filme Homônimo de 2008


Em 1938, João Francisco ganhou o prêmio carnavalesco de melhor fantasia, em que João retratava uma espécie de morcego originário de sua cidade natal. Alguns dias depois, durante mais uma detenção, junto de outros homossexuais, um dos policiais, ao vê-lo, perguntou: “Não foi você quem ganhou o prêmio de melhor fantasia?”. Então com base na fantasia, e com a semelhança com um dos personagens de um filme do diretor Cecil B. de Mille, passou a chamá-lo de Madame Satã, título também do filme do referido diretor. Pronto. O apelido pegou, e eclipsaria seu nome de batismo, dando nome a um dos mais famosos personagens marginais da cidade do Rio de Janeiro.

Antes de adquirir seu famoso apelido, Madame Satã havia se casado com uma mulher, com quem criou seis filhos adotivos. Madame Satã se orgulhava de ter sido bom pai, e de ter transformado seus filhos em boas pessoas. Em uma entrevista, como exemplo, citou que uma filha havia se tornado musicista (professora de acordeão), um filho havia se tornado soldado e outro… delegado de polícia!

Madame Satã faleceu em 12 de abril de 1976. 

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