quinta-feira, 21 de março de 2024

ÉLIPHAS LÉVI: “BILOCAÇÃO” e “CORPO SIDERAL” DO LIVRO DOGMA E RITUAL DA ALTA MAGIA





ÉLIPHAS LÉVI: “BILOCAÇÃO” e “CORPO SIDERAL” DO LIVRO DOGMA E RITUAL DA ALTA MAGIA

“Éliphas Lévi era muito, muito, muito crédulo”, disse Claudio Bersot, em seu canal Caminhos do Imaginário, zombando hilariamente da credulidade exagerada do mago francês que acreditava até em lobisomem fato apresentado no capítulo “As Transmutações”, do livro Dogma e Ritual da Alta Magia. 


Bersot se referia ao fato de Éliphas Lévi acreditar na existência de lobisomem apenas baseado em relatos: “Esse célebre ocultista vai dizer o seguinte: olha, o lobisomem é lógico que existe, porque nós temos, dezenas, centenas de relatos, relatos fidedignos, relatos mais do que provados da existência desses seres. Pessoas honestas, corretas, têm contado seus relatos sobre o avistamento, o contato com esses seres. Portanto, trata-se de um absurdo dizer que esses seres não existem”. 


Éliphas Lévi


E ainda resumiu, de forma irônica, como sempre, um dos argumentos que Éliphas Lévi usa em favor da existência dos lobisomens:

 

“Uma outra questão muito interessante, muito lógica, que ele (Éliphas Lévi) apresenta, é o seguinte: nunca se encontrou um lobisomem morto. Claro, porque o lobisomem é um ser poderoso, que consegue escapar…. Então o fato de nunca se ter encontrado um lobisomem morto, isso mostra que é impossível de se capturar um lobisomem, comprovando a existência de um lobisomem, porque se um lobisomem fosse morto, isso ia negar a própria natureza de como se forma um lobisomem… Muito interessante, muito lógica, essa tese desse célebre mágico que até os dias de hoje é extremamente enaltecido, principalmente, aqui, no nosso youtube. São dezenas, centenas de vídeos dos nossos amigos ocultistas e espiritualistas, louvando o Éliphas Lévi”.


Lobisomens, Bilocação e Corpo Sideral 

Claude Bersot zomba ainda mais ao narrar a explicação que Éliphas Lévi dá para a transformação do lobisomem, recorrendo a dois conceitos esotéricos: o corpo sideral e a bilocação.


“Mas como é que se forma o lobisomem? O Éliphas Lévi vai explicar, do ponto de vista da magia profunda, da magia mais poderosa que existe no mundo. Para isso nós temos que falar um pouquinho da “bilocação”. A bilocação, segundo Éliphas Lévi, é um fenômeno extremamente comum e provado, não há a menor dúvida que a bilocação existe. O que é a bilocação? A bilocação é o fato de um sujeito encontrar-se em dois lugares ao mesmo tempo: o sujeito tá aqui numa cidade e encontra-se em outra cidade ao mesmo tempo… E como ocorre este fenômeno tão fantástico da bilocação? Ocorre da seguinte maneira, segundo o Éliphas Lévi: nós temos nosso corpo físico e nós temos a nossa alma, no meio, nós vamos ter o corpo sideral, ligando a nossa alma ao nosso corpo físico. Então quando o sujeito dorme, o corpo sideral se põe a viajar, ele vai passear, vai conhecer, novas geografias, viver grandes aventuras, e uma dessas aventuras, ele vai viver como lobisomem. Esse lobisomem trata-se da materialização dos nossos desejos mais ocultos, dos nossos desejos mais agressivos, mais sanguinários, mais ferozes, o bicho, o animal que todos nós somos, ele será materializado no lobisomem… Então o lobisomem nada mais é do que o corpo sideral de uma pessoa que está dormindo: o cara tá na casa dele dormindo e o corpo sideral dele está pelos campos matando galinha, matando porco, matando vaca, e camponeses atrás dele ali, atingindo ele com pedra, paus, facadas… Por isso o Éliphas Lévi nos alerta:’vocês tem que ter muito cuidado quando vocês acordarem uma pessoa que está dormindo, porque quando a pessoa está dormindo, está sonhando, o seu corpo sideral está passeando, está longe, está ligado ao coração e ao cérebro por um cordão… Então essa é a explicação do lobisomem: o lobisomem nada mais é do que o corpo sideral de um sonhador…”


Nas palavras do próprio Éliphas Lévi:

“Ousemos dizer, agora, que um lobisomem outra coisa não é senão o corpo sideral de um homem, de que o lobo representa os instintos selvagens e sanguinários, e que, enquanto seu fantasma passeia, assim, nos campos, dorme penosamente no seu leito e sonha que é um verdadeiro lobo”.




Bilocação e Corpo Sideral

Para Éliphas Lévi, assim como a existência dos lobisomens era inquestionável, a bilocação também o era; escreveu ele:


“Nada no mundo, é mais bem atestado e mais incontestavelmente provado do que a presença visível e real do padre Afonso de Liguori, junto ao papa agonizante, enquanto que a mesma personagem era observada em sua casa, a uma grande distância de Roma, em oração e êxtase.”


Embora as afirmações de Éliphas Lévi sobre o lobisomem possa parecer a mais pura bobagem (como fez questão de demonstrar Claude Bersot), mais uma vez, a ciência moderna pode servir de base, não para a fantástica narrativa do lobisomem, mas para os conceitos de bilocação e corpo sideral.


Mas deixemos os lobisomens e nos concentremos nos conceitos de “bilocação” e “corpo sideral”.

 

Ciência Moderna, Bilocação e Corpo Sideral

Para céticos e ateus, a ciência é a única fonte segura de conhecimento, a única forma capaz de garantir que algo é verdadeiro.




E poucos lugares estão mais cheios de ciência do que salas de cirurgia e UTIs, em que o paciente está conectado aos mais variados aparelhos científicos, que medem batimento cardíaco, respiração, pressão sanguínea, atividade cerebral e estão cercados de inúmeros profissionais especializados em cada função do corpo humano. E é justamente nesses ambientes, que costuma acontecer relatos do que Éliphas Lévi chama de bilocação e corpo sideral, como partes de relatos mais amplos, chamados de Experiência de Quase Morte, em que pacientes relatam ter deixado o corpo e visto o próprio corpo inerte no leito de cirurgia ou de UTI, e ser transportado para lugares para além da sala hospitalar, estando em dois lugares ao mesmo tempo, com plena atividade mental contrariando muitas vezes a inconsciência causada pelo efeito da anestesia, e em muitos casos com aparelhos mostrando que houve parada cardíaca e um período que se assemelha com a morte do corpo.


Porém, longe dos aparelhos médicos negarem os fenômenos de bilocação e o corpo sideral em tais experiências de quase morte, eles não possuem explicação alguma, mas, ao contrário, parecem confirmar o que Éliphas Lévi afirma sobre eles.


Estranho que a ciência com seus aparelhos científicos modernos ainda não consiga explicar “bobagens” como as proferidas por Éliphas Lévi. Fico a imaginar como Claudio Bersot zombaria a total ausência de explicação científica para fenômenos ocorridos em seu próprio núcleo como são as Experiências de Quase Morte.

 

ÉLIPHAS LÉVI E O OCULTISMO





ÉLIPHAS LÉVI E O OCULTISMO

Não deixa de ser engraçado quando aqueles que usam a ciência para zombar do ocultismo, notam que em vez de o refutar, a ciência moderna se torna, cada vez mais, semelhante a ele: a teoria das múltiplas dimensões e a hipótese dos multiversos da física moderna são extremamente semelhantes às ideias de portais mágicos do ocultismo. 


A Doutrina Secreta

Nesse sentido é interessante a afirmação do ocultista Éliphas Lévi, dado em seu livro “Dogma e Ritual da Alta Magia”, de que há uma “doutrina secreta” que está dispersa em todos os povos e culturas, uma doutrina que tem sido transmitida desde às origens do ser humano e que, através das eras, tem sido transmitida de modo inconsciente de povo para povo por meio dos mitos. O que explica porque há tantos mitos semelhantes nos mais diferentes povos, mesmo estando distantes entre si, tanto no tempo quanto no espaço. Exemplos: em diferentes culturas, grega, judaica, suméria, indiana, etc., há mitos contendo o dilúvio, em que um deus mata toda uma população para conservar apenas alguns escolhidos. Ou a crença em trindades divinas: Egito (Hórus, Ísis, Osíris), Índia (Brahma, Vishnu, Shiva), Grécia (Zeus, Maia, Hermes), Escandinava (Odin, Villi, Vé), Cristianismo (José, Maria, Jesus), etc.




E não é que a tal doutrina secreta defendida por Éliphas Lévi também encontrou respaldo na ciência moderna. Pesquisas sobre a variedade das línguas de hoje apontam que, quanto mais se retrocede no passado, mais as línguas vão se tornando semelhantes entre si, dando a entender ter havido um tempo remoto em que havia uma língua-mãe, chamada pelos pesquisadores de “proto-indo-europeia”, da qual todas as demais línguas derivaram. E assim, como havia uma língua-mãe havia também uma cultura-mãe ligada a esta língua, uma cultura composta de mitos primordiais, criada com o surgimento da humanidade, e a qual derivou todas as outras culturas. Por isso, os mitos dos mais diferentes povos possuem características em comum. 


Eurásia

A existência de uma cultura primordial também é comprovada pela geologia ao afirmar que, há milhões de anos atrás, os continentes terrestres se encontravam unidos, formando um gigantesco continente, conhecido como Eurásia, que milhões de anos depois, foram se distanciando, até chegar à formação de hoje, de onde os primeiros humanos partiram de um ponto comum para povoar o restante da Terra, levando consigo os mitos.

terça-feira, 12 de março de 2024

CAMILLE MONFORT E A LENDA DA CANTORA VAMPIRA




CAMILLE MONFORT E A LENDA DA CANTORA VAMPIRA

O romance “Após a Chuva da Tarde” não se limita apenas a contar a incrível história de Camille Monfort (1869 -1896), a bela cantora lírica francesa que durante estadia na cidade de Belém para concertos, em 1896, enfrentou toda a fúria da cidade devido seu comportamento não corresponder ao esperado de uma mulher de sua época, terminando com uma acusação de vampirismo e uma misteriosa morte; o livro também aborda como sua presença deu origem a sombrias lendas urbanas, com o romance partindo destas para traçar sua real história.

E, para que o leitor possa separar fatos reais de lendas, o livro se debruça sobre o que são as lendas e como surgem:

“Lendas são histórias que se originam de acontecimentos reais que impressionaram tanto um povo que, com o tempo, passam a ser acrescentados a elas elementos mágicos por aqueles que as contam, criando, assim, versões fantásticas destas histórias.” Ou seja, toda lenda tem sempre um quê de verdade. 

O livro também define o papel psicológico das lendas:

“Nascida do disse-me-disse e do medo natural do desconhecido, fruto da necessidade que temos de darmos formas aos nossos medos mais primitivos para que possamos melhor lidarmos com eles. Assim, se tememos a morte, então criamos histórias de fantasmas para apaziguar o medo desta e acreditarmos que a vida continua após a morte; se tememos uma vida infeliz, então projetamos a felicidade para um além-vida; se tememos a escuridão da noite, criamos histórias de terríveis criaturas que se transformam com o brilho da lua e se desfazem com o nascer do dia…”


O romance mostra a semelhança entre a lenda europeia dos vampiros e lendas amazônicas, semelhança que levou o povo da região a ver Camille Monfort, não como uma vampira, mas com uma matinta perera (figura folclórica da região capaz de se transformar em animais). O que é plenamente explicado: 

“A lenda da matinta perera está sempre ligada a uma figura feminina, a uma mulher independente que, por incomodar o público com sua independência, é acusada com tal ignomínia.”

“Após a Chuva da Tarde” é muito mais do que um inovador romance de vampiro, é um verdadeiro estudo de como surgem as lendas.

Para Comprar o Livro, Acesse: Editora Uiclap.

 

sábado, 9 de março de 2024

QUANDO A REALIDADE SUPERA A FICÇÃO (Jean Libbera)




QUANDO A REALIDADE SUPERA A FICÇÃO (Jean Libbera)


No filme O Vingador do Futuro (1990), Arnold schwarzenegger é Douglas Quaid, um simples trabalhador que ao fazer um implante de memória, para ter lembranças e sensações como se tivesse realmente viajado para uma das colônias em Marte, passa a ter memórias que foge do simples roteiro de turismo, como ele pretendia, passando a ficar indeciso se as memórias são do implante ou reais.




Em Marte, ao encontrar George e seu irmão mutante Kuato, que é parte do ventre do irmão e líder da resistência, Douglas Quaid descobre tudo sobre seu passado.




Na verdade, o personagem Kuato não é um mutante mas o que é conhecido como gêmeo “parasita vestigial”, uma má formação genética. E como a realidade está sempre pronta a nos surpreender mais que a ficção, irmãos gêmeos parasitas, não é tão incomum quanto se pensa: nasce um a cada 50 mil nascimentos. O mais famoso caso foi do italiano Jean Libbera.




Jean Libbera nasceu em Roma em 1884, com um pequeno irmão grudado em sua barriga. O irmão, que Jean o chamava de Jacques e com quem compartilhava todos seus órgãos, tinha dois braços, duas pernas e a cabeça estava embutida no estômago de Jean.


Libbera havia tido 12 irmãos, um deles também nascera com um gêmeo parasita grudado no corpo, porém faleceu quando ainda era bebê.




Jean ganhava a vida se apresentando em um circo de freak show, com seu irmão que, assim como ele, vestia um smoke, sapatinhos e fralda, e quando precisava sair o cobria com uma capa. E embora Jacques não tivesse a desenvoltura de Kuato, há relatos de que Jacques movia os braços e as pernas.


Jean Libbera viveu até seus 50 anos, casou-se, teve quatro filhos normais, e voltou para a Itália, falecendo em algum período entre os anos de 1934 e 1936. 


terça-feira, 5 de março de 2024

“DIAS PERFEITOS”, de Raphael Montes (Resenha)



“DIAS PERFEITOS”, de Raphael Montes (Resenha)

Finalmente, li um livro do aclamado autor nacional Raphael Montes, famoso por seus romances policiais e pela série “Bom Dia, Verônica”, da Netflix; e o livro foi “Dias Perfeitos”. 

O romance já começa dando uma amostra da insanidade que acompanhará a história de Téo, jovem estudante de medicina, extremamente moralista e conservador, que nutre uma admiração mórbida por um cadáver de mulher durante as aulas de anatomia. Ele conhece Clarisse em um almoço, uma moça totalmente o contrário dele: estudante de artes, bissexual, fumante e apreciadora de grandes bebedeiras.

A partir de uma conversa casual com ela, Téo passa a nutrir uma paixão doentia pela moça, descobrindo o número de seu telefone e posteriormente o endereço de sua casa. E, ao ser rejeitado por ela, devido a total ausência de afinidade entre os dois, Téo toma a atitude impulsiva de sequestrá-la para que, devido ao contato forçado entre os dois, ela possa o conhecer melhor e se apaixonar por ele.

É impossível, para quem já leu o romance O Colecionador, do inglês John Fowles, não comparar os dois livros. No O Colecionador o jovem Frederick Clegg é um estudioso e colecionador de borboletas, ao ver a bela estudante de artes Miranda da janela de seu trabalho, passa a nutrir grande paixão pela moça e a vontade de possuí-la. Frederick, julgando que a moça jamais se interessaria por ele, devido sua condição social e por não ser uma pessoa descolada como ela. Passa a alimentar o desejo de sequestrá-la para que a convivência forçada entre os dois, seja a oportunidade de Frederick mostrar para ela suas boas qualidades e que ela possa se apaixonar por ele. O plano de Clegg torna-se realidade após ele ganhar na loteria. E, assim, como uma de suas belas borboletas de sua coleção, Frederick captura Miranda apenas para si, apenas para admirar sua beleza.


Téo e Frederick são bastante parecidos: ambos são anti sociais, com nenhuma experiência sexual, sequestram suas vítimas mas não com interesse sexual e são psicopatas.

As semelhanças entre os dois livros são tantas, que acredito que o O Colecionador serviu de inspiração para Raphael Montes, ao ponto de Dias Perfeitos poder ser considerado como uma adaptação de O Colecionador ao clima brasileiro, tanto que fiquei com a sensação de que Raphael Montes partiu da ideia: “E se a história de O Colecionador acontecesse no Brasil, como seria? E se tivesse um final bem diferente? Pois vou escrevê-la”.

O Colecionador é dividido em duas partes: a primeira tem como foco o ponto de vista do sequestrador, Frederick, com seus gostos, desejos e as ações sobre Mirada; a outra parte, dedicada a Mirada, com suas opiniões sobre seu sequestrador, suas reflexões sobre sua vida pessoal e a arte contemporânea, de modo que as duas partes se contrapõe e se completam, mostrando interpretações diferentes para as mesmas ações ocorridas na trama.

Tenho visto que a segunda parte de O Colecionador foi a responsável por desagradar alguns leitores, devido às repetições e reinterpretações de fatos ocorridos na primeira parte do livro e às reflexões de Miranda sobre a arte e suas memórias sobre seu relacionamento com um pintor mais velho, levando a história para uma área de pouco interesse dos leitores brasileiros, se afastando da trama do livro e gerando uma queda na tensão da história.

Raphael Montes

Mas em Dias Perfeitos não há queda de tensão alguma, ao contrário, ela só aumenta até chegar ao auge da tensão, com uma conclusão infinitamente diferente da pensada por John Fowles, mostrando que, apesar da semelhança com a obra do autor inglês, Dias Perfeitos tem méritos próprios, sendo um bom livro, de linguagem fluída e contemporânea.

Contudo, há dois pontos que me incomodaram no livro. Primeiro: os diálogos são bastante artificiais, sem envolvimento emocional ou social.

OK. Téo é um psicopata que não possui sentimentos, o que poderia servir de explicação para a frieza e artificialidade dos diálogos, porém, os outros personagens com quem ele trava diálogos não são, mas mesmo assim, faltam neles ironias, gracejos e principalmente características comportamentais peculiares aos indivíduos, relativas ao seu grupo social ou ao seu papel na sociedade, que inclui gírias e expressões peculiares. Por exemplo: Clarisse, embora seja uma universitária descolada, acostumada a boemia, não tem o hábito de usar gírias, algo que seria natural à sua idade e grupo social; também a mãe de Téo, ao conversar com ele, usa palavras frias, não refletindo o comportamento de uma mãe super protetora, como parece ser o caso, o que prejudica a imersão do leitor na trama.

Raphael Montes

Outro ponto que me incomodou foram as repetidas análises das características de um psicopata, feitas pelo narrador ao longo do romance, devido já serem bastante batidas (principalmente para um ávido leitor de histórias sobre serial killers): ausência de empatia, fingimento de sentimentos, pôr a culpa de seus atos agressivos sempre na vítima, etc., que, se obedecesse a regra do show, don't tell (mostre, não diga), ficaria bem melhor se tal comportamento fosse apenas demonstrado pelos próprios atos de Téo, não necessitando ser dito pelo narrador.

Dias Perfeitos tem sido o livro de maior sucesso do autor, com publicação no estrangeiro e traduções para várias línguas.      


segunda-feira, 4 de março de 2024

ENTREVISTA COM O AUTOR DE “NA TRILHA DO MEDO”, WYBER GESTER


ENTREVISTA COM O AUTOR DE “NA TRILHA DO MEDO”, WYBER GESTER

A literatura brasileira de terror ganha mais um novo autor, o estreante Wyber Gester, que une lendas amazônicas ao terror primordial e psicológico.

Gester, que tem um conto publicado no Bornal (A Sombra da Lua), é natural de Belém do Pará, formado em física licenciatura pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e se dedica ao ensino de física. Hoje reside em Manaus, Amazonas. É baterista numa banda de Heavy Metal, fã de Clive Barker e Bernard Cornwell e escritor em seu tempo livre.

Wyber Gester levou um papo legal sobre literatura de terror e lendas amazônicas com a gente; uma entrevista por meio de texto (uma arte já quase perdida). Um papo imperdível!


BORNAL: Você lançou, recentemente, seu primeiro romance de terror, “Na Trilha do Medo”. Fale um pouco sobre ele.

WYBER GESTER: O livro tem cerca de 180 páginas, com 23 capítulos curtos, que deixam a leitura bem dinâmica e fluida. Tem ilustrações maravilhosas do talentoso Wilham Ferreira, um artista que mora em Belém. A história gira em torno de Laura Santos, uma estudante de antropologia que parte para uma pesquisa de campo para escrever sua tese de doutorado em uma pequena cidade no interior do Amazonas, uma cidade fictícia chamada Novo Amaturá. Lá, ela percebe que lendas são mais reais do que ela pensava. Então, Laura se vê envolta em uma trama repleta de pesadelos vívidos e é perseguida por uma entidade antiga e poderosa.

BORNAL: Quanto tempo você levou para elaborar e escrever o livro?

WYBER GESTER: Eu escrevi o livro em 5 meses. Mas demorei um ano aproximadamente para deixá-lo apto à publicação, que ocorreu no último dia 23 de fevereiro de 2024. Foi o tempo hábil para que as ilustrações ficarem prontas, fora a revisão e diagramação do livro.

BORNAL: O livro tem como cenário a Amazônia, como foi o processo de elaboração da história e qual o elemento principal que você se baseou para escrevê-la?

WYBER GESTER: Eu queria escrever algo sobre a região Norte, ou pelo menos, uma história que se passasse aqui na nossa região. Como sou fã de terror nas suas diversas formas, seja cinema, livros, jogos, etc. Então tentei mesclar o terror com a nossa regionalidade, utilizando lugares, crendices, cultura nortista no geral. Aí surgiu o mote de Na Trilha do Medo, um terror que se passa na floresta amazônica.

BORNAL: O diretor Guillermo del Toro se inspirou em uma lenda brasileira para criar seu premiado filme A Forma da Água, que na versão de livro, o começo, passa-se na Amazônia, em Belém; outro premiado filme, Avatar, do mesmo modo, foi inspirado na Amazônia; foi dito também que a famosa série Lost teve influência das lendas brasileiras. Se para os gringos as lendas brasileiras são grandes inspirações, por que elas são pouco exploradas por escritores e cineastas brasileiros? Seria devido ao nosso complexo de vira-lata?

WYBER GESTER: É algo a se pensar. Vemos realmente alguns autores brasileiros escreverem sobre lendas gregas, nórdicas, etc, mas poucos sobre lendas brasileiras. Em relação às lendas amazônicas, menos ainda. Tivemos um suspiro quando a Netflix lançou a série “Cidade Invisível” no qual algumas das lendas mais famosas foram retratadas, algumas da região norte, como a lenda do boto e da Matinta Perera. Mas ainda acho que falta um pouco mais de desejo de autores brasileiros para escreverem sobre lendas brasileiras.


BORNAL: Você acredita que para escrever histórias com lendas amazônicas é necessário certa familiaridade com as lendas, como morar e ter crescido na região amazônica, já que em nossa região tais entidades são mais do que apenas folclore, são parte da Encantaria, uma forma de religiosidade amazônica? E conte um pouco sobre sua vivência com as lendas da região amazônica.

WYBER GESTER: Como disse anteriormente, há quem escreva sobre lendas gregas ou nórdicas, por exemplo, sem morar na Grécia ou em algum país escandinavo. Acredito que falta mesmo um pouco do conhecimento sobre nossas raízes, nossa cultura, nossa mitologia, pois sabemos que é tão ou mais rica que as mitologias de outros países. No meu caso, sempre procurei saber sobre nossos mitos, cultura, folclore, etc. Quando eu resolvi escrever um livro de terror, já sabia exatamente qual lenda do nosso folclore retratar e como faria isso. Elaborei a minha forma de contar sua história, minha versão da lenda, ainda que muitas características populares dela permaneceram na narrativa.

BORNAL: Desde Monteiro Lobato e sua versão televisiva do Sítio do Pica Pau Amarelo que o público brasileiro se acostumou a ver as lendas brasileiras como ingênuas histórias infantis, sabemos que a verdade é bem distante disso; então como foi quebrar essa visão infantilizada das lendas e extrair delas terror para os leitores?

WYBER GESTER: Realmente. Eu li o livro do autor nacional Marco DeBrito, “Escravo de Capela”, onde ele reconta as origens de uma das grandes lendas brasileiras. Nele, o autor faz algo parecido com o que eu fiz. Na verdade eu já tinha parte do livro escrito e quando li o Escravo de Capela, eu pensei: “rapaz, é isso”. Muito Bom. Tanto no livro do DeBrito como no meu, a história não é ingênua nem infantil, longe disso. E o terror é o tempero dessas histórias. 

BORNAL: Recentemente, com a série Cidade Invisível, da Netflix, as lendas folclóricas brasileiras foram abordadas mais próximas de sua versão original, com toques de mistério e terror, surpreendendo o público que conhecia apenas a versão infantilizada, e que não imaginava que nossas lendas podiam ser atrativas mesmo para adultos; esta série foi de alguma forma uma influência para a feitura de seu livro? 

WYBER GESTER: Não necessariamente. Mas assisti a série pouco depois de ter escrito boa parte do livro. E achei muito interessante a forma como as lendas foram retratadas.

BORNAL: Você é professor de física, seguindo a tradição dos escritores com formação científica, é natural que esperássemos uma história de ficção científica sua, então por que não uma trama de ficção-científica, mas sim uma história de terror? Você pode explicar essa predileção pelo terror?

WYBER GESTER: Bom, embora eu seja da área de exatas, sempre tive predileção por filmes de terror, não que eu não goste de ficção científica. Amo também. Em 2018 escrevi um livro de História da Física, o “Do Caos ao Átomo”. Foi o primeiro livro que escrevi. Até 2023 eu só lia livros científicos. Foi então que me arrisquei nos romances, e fui logo ao terror. Fiquei fissurado. Foi então que resolvi escrever o meu livro, o meu terror. E queria que fosse algo mais regional. E então, nasceu o “Na Trilha do Medo”


BORNAL: Qual foi a maior dificuldade em escrever o livro?

WYBER GESTER: Acredito que foi deixar a trama bem amarradinha no que diz respeito ao enredo. Não deixar pontas soltas com certeza foi uma das maiores dificuldades. Acho que deve ser a maior dificuldade que todos que escrevem romances.

BORNAL: Qual o seu processo de escrita: do tipo que escreve com tudo já planejado, do começo ao fim, ou o que deixa a trama tomar forma durante a escrita, deixando as personagens tomarem vida própria?  

WYBER GESTER: Eu faço um pouco das duas coisas. Eu já tinha uma trama em mente, um começo, e um desfecho, mas à medida que fui escrevendo, via a necessidade de acrescentar ou remover algumas coisas pra deixar a história mais consistente e interessante. 

BORNAL: Como foi passar das histórias curtas para uma longa?

WYBER GESTER: Na verdade fui direto ao romance. Comecei a escrever contos para começar a divulgar o livro e também para ambientar o leitor e os seguidores. No meu perfil de escritor @wybergester.autor eu publiquei 3 contos sobrenaturais que se passam na floresta amazônica, preparando o leitor ao que o esperava no livro.

BORNAL: Quais são suas maiores influências literárias?

WYBER GESTER: Por mais que eu goste de terror, minha maior influência literária é Bernard Cornwell, que escreve ficção histórica, livros como As Crônicas de Artur e Crônicas Saxônicas. Mas dentro do terror curto bastante o Clive Barker, Bram Stoker, F. Paul Wilson e os nacionais André Vianco e Marcos DeBrito.

BORNAL: O que seu romance traz de novo?

WYBER GESTER: Eu conto a minha versão de uma das lendas mais populares e temidas da Região Norte. Muitas das vezes lendas têm algumas versões que alteram certos aspectos e características. No livro Na Trilha do Medo eu conto a minha versão da origem desta lenda, como ela surgiu e por que. Além de a história ser (sendo suspeito pra falar) interessante e gostosa de ler, temos ilustrações belíssimas de um artista paraense, o Wiliam Ferreira. Elas aumentam a sensação de tensão e terror presente na leitura.

BORNAL: Você pode dizer alguma coisa sobre a lenda que lhe serviu de inspiração?

WYBER GESTER: A lenda que é retratada no livro é uma das mais populares e temidas da região norte, em especial no interior do Pará e Amazonas. No processo de escrita, fui conversando com algumas pessoas de Manaus, alguns professores colegas que são do interior do Amazonas e sempre tinham pelo menos uma história sobre essa entidade das matas amazônicas. É só o que posso dizer, se não, dou spollier do livro rsrsrs.

BORNAL: Qual o sentimento de publicar livros em um país com tão poucos leitores, e com um público ainda menor que se interessa por autores nacionais e independentes?

WYBER GESTER: Infelizmente temos alguns fatores que corroboram com essa triste realidade. Temos, por exemplo, o preço do livro que hoje em dia está um absurdo. Vemos em livrarias livros que não saem por menos de 60,00. Somando-se a esse fator, temos que historicamente o brasileiro pouco se interessa por literatura, e menos ainda se for por um autor nacional e independente. Mas o que fica, e é o que importa no final das contas, é a sensação de “gerar” um filho, que é sensacional.

BORNAL: Ao longo das décadas, escritores têm perdido espaço para o cinema, a TV, os games; e nos últimos anos, para a internet e as redes sociais. Porém nada tem sido mais ameaçador ao ato de fazer literatura (aliás, esta ameaça se volta contra toda forma de fazer arte) do que a ameaça vinda da inteligência artificial (IA). O Chat GPT já cria, por si mesmo, artigos, contos e até partes de romances. Você acredita que no futuro as IAs substituirão os humanos na arte de escrever? 

WYBER GESTER: Não acredito que IA seja capaz de escrever uma boa história. Não acho que uma máquina pode substituir a criatividade humana.

BORNAL: Para você, o que impediria as IAs substituir por completo os escritores humanos?

WYBER GESTER: Acredito que a questão da criatividade e emoção humana ao escrever uma história não pode ser substituída por uma máquina. O que é uma boa história sem emoção? Apenas um emaranhado de palavras que podem ou não fazer algum sentido.

BORNAL: Seu livro está sendo vendido na forma de ebook pela Amazon, você se contenta apenas com o formato eletrônico ou sente a irresistível vontade de ter ele nas mãos, de senti-lo de forma física? Você lançará ele também na forma física?


WYBER GESTER: O livro está disponível na plataforma Amazon na forma de ebook, inicialmente. Mas espero que, em breve, tenhamos a forma física disponível. Embora eu goste de ler no aparelho kindle, não substitui o livro físico. Então, sim, espero ter o mais breve possível o livro em mãos em sua plenitude.

Biografia:

Natural de Belém do Pará, é formado em Física Licenciatura pela Universidade Federal do Pará (UFPA) onde também obteve o Mestrado em Ensino de Física. Hoje reside em Manaus, Amazonas, onde atua como professor de Física na rede estadual de ensino. É amante de Rock, baterista numa banda de Heavy Metal, fã de Clive Barker e Bernard Cornwell e é escritor em seu tempo livre.