domingo, 25 de agosto de 2024

DANIEL MASTRAL: O HARRY POTTER BRASILEIRO (RESENHA DO LIVRO “FILHO DO FOGO”)





DANIEL MASTRAL: O HARRY POTTER BRASILEIRO (RESENHA DO LIVRO “FILHO DO FOGO”)


Uma série de fatos trágicos e curiosos têm vindo à tona após o suicídio do escritor cristão Marcelo Agostinho Ferreira, mais conhecido como Daniel Mastral, que inclui  o suicídio de seu filho de 15 anos e a suspeita dele ter provocado a morte de sua primeira esposa, e coautora de seus livros, Cynthia Rosa, mais conhecida como Isabela Mastral, por overdose de medicamento. O fato tem se cercado de inúmeras teorias da conspiração que inclui a teoria de que ele teria sido morto por membros da suposta seita satânica que ele teria sido membro. O que gerou em mim curiosidade suficiente para ler o mais famoso livro dele, intitulado: Filho do Fogo.


O livro de Daniel Mastral e Isabela Mastral, foi lançado na década de 90, contém as ideias bases de que Daniel Mastral se servia em suas palestras e em entrevistas em podcasts; narra sua entrada em uma suposta seita satânica e os ensinamentos que recebeu em tal seita.


Por meio de suas entrevistas, Daniel Mastral dá a entender que Filho do Fogo é sobre sua vida, tendo sido representado pelo personagem Eduardo.


Um Harry Potter Brasileiro

O livro conta a história de Eduardo, jovem adolescente, que se sente deslocado em sua família e sem amigos, enfrentando bullying em sua escola e bairro, até que ele conhece membros de uma gang, que o recebe bem e que passa a lhe proteger, o que o leva a fazer parte da gang, caindo no mundo do crime. Narra também seu contato com o Kung Fu e também sua entrada em uma seita satânica, seu treinamento para invocar demônios e adquirir poderes sobrenaturais.


O livro possui uma escrita fluida, competente e com um toque feminino --- dizem que Isabela Mastral, primeira esposa de Daniel, era a verdadeira autora dos livros ---; sua narrativa possui uma estrutura de história ficcional, de filme. O prólogo, “Semente do Mal”, que conta a história de uma mulher cuja relação com o marido está em crise e ela o trai com um desconhecido que a trata muito bem, que a seduz e a leva ao motel, e que se revela um homem com comportamentos estranhos e que pronuncia estranhas palavras enquanto a possui, engravidando-a; se assemelha àquelas cenas iniciais de filmes que não parecem ter nada a ver com a história principal, mas que, próximo do final, descobrimos o porquê dela. 


Filho do Fogo contém o sugestivo aviso: “Esta é uma história baseada em fatos reais. Nomes de pessoas, empresas e escolas foram modificados”, que aparece em suas primeiras páginas, um conhecido artifício de chamar atenção, muito usado em filmes. Porém todos sabemos que uma história supostamente “baseada em fatos reais” chama mais atenção do que uma história apenas fictícia, principalmente quando contém a frase “Apenas os nomes das entidades demoníacas é original”. Aí, pronto, é o auge do sensacionalismo. Contudo sabemos que muitas das histórias que se valem deste artifício, em geral, estão muito longe dos “fatos verdadeiros”, no máximo, estes foram apenas uma leve inspiração --- veja os casos: Horror em Amityville e Invocação do Mal ---, em que nada é provado. A verdade é que Filho do Fogo se assemelha muito a um livro de ficção para adolescentes, sobre sociedades secretas e escola de magia --- há até um castelo enorme e luxuoso, com direito a urso e leões empalhados nas paredes e armaduras medievais nas salas ---, uma mistura de Harry Potter com O Bebê de de Rosemary. E vale lembrar: Filho do Fogo parece seguir o modelo dos livros em forma de trilogia, que marcaram a época de 90, pois é dividido em três volumes.


O Satanismo de Filho do Fogo

Eduardo é um adolescente roqueiro que se sente atraído pelo ocultismo (coisa comum nesse meio musical), frequentando rituais de umbanda, espiritismo, etc. mas não encontra nelas algo real que realmente lhe convença, até que, casualmente, encontra uma matéria sobre a Igreja de Satã (Church of Satan), localizada em San Francisco, Estados Unidos, na biblioteca que sempre frequenta. Eduardo fica fascinado pela Igreja de Satã, passando então a se corresponder com tal instituição por meio de cartas. Um dia, na biblioteca, ele encontra um representante brasileiro de tal Igreja que vai ao seu encontro, se identificando pelo nome de Marlon.


Marlon expõe os ideias da seita, convencendo Eduardo do seu grande potencial que deve ser lapidado com as práticas e reuniões da seita.


Confesso que esperava com bastante curiosidade para saber quais seriam os ensinamentos “satânicos” da tal seita. Porém tudo que o instrutor satânico Marlon pronuncia é uma miscelânea de clichês batidos vindos da filosofia oriental, principalmente do taoísmo com seu famoso conceito de yin e yang --- um conceito que prega que o que entendemos como forças opostas, na verdade não o são, mas são partes complementares de um todo, e que o verdadeiro conhecimento deve conhecer o todo, não somente as partes, que origina apenas um conhecimento relativo. Assim, Marlon usa este conceito para relativizar os conceitos de bem e mal, de verdade e conhecimento científico. Esta parte do livro fortalece um perigoso preconceito que existe no meio evangélico, de que tudo que não é cristão é obra do Diabo; um preconceito que tende a demonizar outras culturas, e os autores do livro sabem disse, pois escreveram: “Muitas das técnicas que estávamos aprendendo tinham sido proibidas por Deus”.


O livro de Daniel Mastral possui uma grande parte em forma de diálogo, dedicada ao ensinamento dados por Marlon a Eduardo, que são extremamente artificiais, massantes, panfletário, repetitivo, permeado de clichês filosóficos, anticientíficos, sobre o que é o conhecimento verdadeiro, com frases desgastadas, como: “Existem mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia. Ou “O ser humano usa apenas 10% de seu cérebro”. Ensinamento que só cita a ciência quando é para confirmar suas comparações, nunca para contradizê-lo, que só impressionam aqueles que ignoram por completo conhecimentos básicos de filosofia e ciência; tornando risível aos mais experientes nesses campos.


E a tal seita satânica que engloba as pessoas mais poderosas e bem sucedidas do mundo só tem um objetivo: “Os filhos de Lúcifer neste mundo devem instituir um domínio completo sobre a Terra e preparar o caminho para sua vinda”. Como podemos ver nada tão diferente dos inúmeros filmes de terror em que sociedades satânicas preparam e aguardam a vinda do anticristo.


É por demais fantasioso, até mesmo para um livro de ficção, que um personagem comum, sem nenhuma qualidade ou poder extraordinário, como Eduardo, seja visto como um elemento fundamental para uma seita que engloba as pessoas mais poderosas e ricas do mundo. Parece-me que é agora que a história do início do livro, da mulher engravidada pelo homem que recitava estranhas palavras enquanto a possuía na cama de um motel, fará sentido.


O Ex-Presidente Michel Temer

O livro de Daniel Mastral, junto de seus comentários, deu início ao boato de que o membro da tal seita satânica que seria seu verdadeiro pai, seria o ex-presidente Marcelo Temer (risos), boato nunca desmentido claramente por ele, pois é uma ótima propaganda para seu livro.


A Igreja de Satã de Anton Lavey

É impressionante como uma história cheia de detalhes fantasiosos fora usado por Daniel Mastral para convencer e arrecadar seguidores, mesmo com incongruências grosseiras, como sua afirmação de que, após sua saída da seita satânica ele passou a ser um homem procurado, que estaria com a vida em perigo. E o que faz ele, em vez de sumir do mapa, ele passa a se expor o máximo possível por meio de seus livros, entrevistas em podcast, palestras em igrejas e em seus cursos pagos. Compare com alguém jurado de morte por trair alguma organização criminosa, para ver se se comportam assim. Por isso, ou é tudo fantasia de Mastral ou esta seita satânica é a mais fajuta de todas as organizações.


Outra incongruência de Daniel Mastral é a afirmação de que a seita satânica que ele fez parte é a Igreja de Satã, de Anton Lavey, criada durante a década de 50.


Anton Lavey

Basta uma pequena pesquisa na internet para perceber que a Igreja de Satã, de Lavey, nada tem a ver com o que Mastral afirma em seu livro. O seu satanismo não possui satã ou qualquer outra entidade, é mais uma filosofia, que estimula libertar seus seguidores da dura moral cristã, com sua definição de pecado, seu sentimento de culpa. Anton Lavey, seu criador, foi um artista de circo que aproveitou da liberdade do movimento hippie da época, para ganhar projeção e dinheiro com sua igreja, e usou o termo satanismo apenas como forma de chamar atenção, chocar, com seus rituais que eram apenas espetáculos, e ele como um experiente artista de circo sabia o quanto efeitos visuais são importantes em um espetáculo para atrair público.


Anton Lavey Entediado com seu Satanismo Tirado de Filmes de Terror

Conclusão 

Em suma, termino o volume I do livro Filho do Fogo com um curioso pensamento: Este livro é muito mais um panfleto de crítica ao Cristianismo, uma divulgação de crenças não-cristãs e proibidas por autoridades cristãs, do que propriamente um livro a favor do cristianismo. Então como ele fez tanto sucesso no meio evangélico?! E notando as entrevistas do falecido Daniel Mastral, hoje, também é bastante curioso que ele falasse muito mais sobre demônios e seus poderes do que de Cristo para seus devotos cristãos, e mesmo assim conseguiu tantos seguidores cristão.  

 

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