TATIANA FELTRIN X RAPHAEL MONTES
Recentemente a booktuber mais famosa de nosso país, Tatiana Feltrin, fez a resenha do livro Dias Perfeitos, do também famoso escritor brasileiro Raphael Montes, para seu canal do youtube. Sua crítica foi devastadora. Mas terá sido justa?
Tatiana inicia seu vídeo com a descrição da história e dos personagens do livro O Colecionador (1963), de John Fowles, para mostrar a imensa semelhança entre o livro de Montes e o do escritor inglês, afirmando que o autor de Dias Perfeitos (2014) se beneficiou do fato do livro de John Fowles ter ficado por décadas sem uma nova edição em nosso país, o que facilitou ser copiado por ele e passar despercebido pela nova geração de leitores. Ela também afirmou que Montes teria copiado filmes de psicopatas dos anos 90 e o livro O Que Aconteceu Com Baby Jane? para compor seu livro.
Assistindo ao vídeo, lembrei-me de um pequeno artigo do compositor, escritor e teórico da literatura Braulio Tavares, em que ele diz que inverter as situações de uma história é uma boa maneira de criar histórias interessantes. Assim, em vez de conceber mais uma história de família assombrada por fantasma, por que não inverter e criar fantasmas sendo assombrados por pessoas vivas? Nesse molde foram feitos dois filmes famosos e com ótimas críticas: Os Outros e O Sexto Sentido. Esse procedimento acontece de forma natural em nós. Quantas vezes não estamos lendo um livro ou vendo um filme, e pensamos: “E se isso acontecesse de outro jeito, e se acontecesse em nosso país?” Ou, “Acho que isso ficaria melhor assim”.
No mesmo artigo, Braulio toma como exemplo o livro O Colecionador: “Eu me pus a imaginar uma reversada no plot de John Fowles, e imaginar uma nova Miranda (protagonista do livro de Fowles), contemporânea e carioca da gema”. Teria sido esse o procedimento usado por Raphael Montes para criar Dias Perfeitos?
Como bem viu Braulio Tavares, não há nada de errado em se inspirar em obras já feitas e imaginar variantes delas. É até uma ótima forma de criar boas histórias. Mas nesse ponto Tatiana Feltrin, afirma: “Nós vivemos um período em o que está sendo valorizado é, na verdade, é isso ó: como posso utilizar a criatividade dos outros a meu favor. Eu pego então o que aquela pessoa está fazendo, dou meu tuistedizinho, e pronto. Agora é meu!”
Mas claro que não é tarefa das mais fáceis compor uma boa obra a partir da inspiração de outra. É isso que levou Tatiana Feltrin a afirmar que Dias Perfeitos é um “arremedo”, uma cópia mal feita de O Colecionador: “É mal escrito; os diálogos são péssimos; a sequências de eventos não convence ninguém; as conversas por telefone com os pais preocupados com eles, também não convence ninguém; a posição da polícia, aqui, é caricata, e não serve pra nada; o final é uma das coisas mais patéticas que li em minha vida!”.
Sim, o protagonista de Dias Perfeitos é o estereótipo do psicopata, com o narrador ainda reforçando isso, com comentários sobre a total falta de empatia dele. É compreensível para alguém que leu e assistiu, à exaustão, centenas de livros e filmes contendo psicopatas, que um novo livro com mais um psicopata com as mesmas características já batidas, cause náuseas. E é aqui que se explica o grande sucesso de Dias Perfeitos nas gerações mais novas, pois para alguém com menos de 25 anos e com pouca experiência em termos de livros e filmes sobre psicopatas, o protagonista será visto como uma grande novidade. Agora cabe a pergunta: E sendo o público alvo de Raphael Montes da faixa etária de menos de 25 anos, caberia a exigência do personagem fugir do conhecido estereótipo do psicopata clássico?
Mas a famosa booktube afirma sem titubear que, Dias Perfeitos é um dos piores livros lidos por ela em toda sua vida, chegando a compará-lo com a “Redação (tema livre) de adolescente que curte suspense e podcast de true crime”.
Se for assim, então Raphael Montes está em boa companhia, já que a mesma acusação Tatiana fez ao romance Estrada da Noite, do premiadíssimo Joe Hill: “Este livro, aqui, ficou com mais cara ainda de redação de ginásio. Para você que não é da minha época, ginásio seria, ali, até a 8ª série". Joe Hill, escritor estadunidense, ganhador com seu livro de estreia, o best seller Fantasmas do Século XX, dos mais importantes prêmios da literatura de horror, como o International Horror Guild Award, British Fantasy Award e o aclamado prêmio Bram Stoker Award, na categoria de melhor livro de contos de horror de 2005. Um escritor novato ganhar o Bram Stoker Award com seu primeiro trabalho, é muito, muito, muito significativo. Hill escondeu o fato de ser filho do escritor Stephen King para conseguir se estabelecer como escritor sem a influência do pai famoso, que deve ter lido a obra do filho e não deu nenhum pitaco para que ele melhorasse sua escrita de redação de ginásio?! (Risos).
Estrada da Noite, assim como Dias Perfeitos, não parece ter como público alvo experientes leitores de James Joyce e Thomas Mann, mas adolescentes que querem apenas uma leitura divertida (sem desmerecer a obra, pois divertir por meio de leitura é difícil pacas) enquanto estão no metrô indo para a escola. Não seria por isso que eles têm essa escrita de “redação de adolescente”?
Mas uma pergunta incômoda sobre a crítica de Tatiana Feltrin ao livro Dias Perfeitos, permanece: Até que ponto sua leitura e crítica foi influenciada pela inimizade que se abateu entre ela e Raphael Montes? Feltrin comenta que chegou ao ponto do autor de Dias Perfeitos festejar com comentários desagradáveis na internet quando ela sofreu cancelamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário