A CONFRARIA
“O pênis é a menor distância entre
duas almas”
Marquês de Sade
Havíamos criado uma confraria, uma
irmandade, a Confraria dos Poetas Libertinos. Que abrigava alguns dos mais
pervertidos de nossa época. Dedicávamos incessantemente a essa grande arte, já
quase esquecida, minada pelos problemas econômicos e religiosos, mas que a
tanto custo se mantinha viva, embora houvesse perdido muito em qualidade ao
longo de tanto tempo: a grande arte da foda.
Fazíamos jus a cada gota de esperma,
a cada estocada bem metida, a cada gota de suor expelida, como havia nos
ensinado o grande Marquês de Sade. Nossa irmandade se encontrava uma vez ao mês
para botar não apenas a grande arte em prática, nos melhores e piores puteros
que conhecíamos, como para contar as mais libertinas e devassas histórias,
embaladas ao mais doce vinho. Um verdadeiro culto à Baco, a esse Deus tão
jovial e ao mesmo tempo tão esquecido, perdido entre as coisas consideradas
antigas.
A libertinagem naqueles tempos era
levada a sério, como nos saudosos tempos bíblicos. Lá se encontravam Petrúquio,
o “sagaz”; Martinho, o “libertino”; Márcio, o “espirituoso”, e assim, como
tantos outros, modelos que fazem tanta falta aos dias de hoje.
Uma noite no bordel...
- Ao sabor deste maravilhoso vinho,
neste templo sagrado à luxúria, após uma maravilhosa orgia, companheiros,
contem-nos suas aventuras, suas histórias mais pecaminosas, que poucos mortais
contariam com orgulho – disse-lhes Petrúquio, já bastante embriagado pelo doce
sabor do vinho.
- E tu Petrúquio, não terias uma boa
história a nos contar? – disse Edgar.
- Como todo bom e velho libertino,
mas não antes de abastecermos nossas mesas novamente com este maravilhoso
vinho.
Taverneira, não vedes que temos sede,
não apenas de vida, mas também de vinho? Então, sirva-nos sua maldita – gritou
Petrúquio.
Após alguns goles, e enxugando as
gotas de vinho que lhe escorria pela barba com a manga da camisa, pôs-se a
relatar sua história:
- Havia alguns anos que não
encontrava um velho amigo, exímio apostador e um grande libertino. E por acaso,
encontrei-o numa noite na rua.
Convidou- me, então, para tomar
alguns goles de vinho. E como um bom jogador, após relembrarmos algumas
aventuras, pôs-se logo a fazer mais uma das famosas apostas suas.
Disse-me: “Aposto que não és mais
capaz, oh! Petrúquio, das nossas velhas aventuras. Tens ainda coragem de entrar
num puteiro, ludibriar, e fazer com que a puta não lhe cobre?”
Confesso que há muito tempo tinha perdido a
prática em tal ato, mas não pude, de modo algum esmorecer. Disse-lhe, então: -
Vamos, escolha o bordel e a puta.
O bordel escolhido foi de Madame
Nise, antiga cafetina, mulher avarenta e extremamente rígida, como uma madre
superiora. A escolha não podia ser pior.
Todavia, o que a princípio parecia
ser péssimo, piorou, ainda mais, quando também ela foi a escolhida.
Nise, mulher elegante, de finos
modos, mas que aparentava ser fria, como aquelas putas que fornicam com o olho
no relógio.
Levei-a, então, para o quarto...
Parecia que tinha esquecido a muito o prazer em sua memória.
Tratei-a ora como uma verdadeira
dama, ora como a mais devassa das putas, pois, como sabêis, na arte do amor,
deve-se tratar uma puta como uma dama, e uma dama como uma puta. Eis um segredo
infalível!
Pois bem. Chupei com avidez seu
clitóris..., masturbei-a incessantemente..., beijei-a até mesmo onde a luz do
sol não a clareia..., mas nada parecia ser o bastante. Penetrava-lhe, então,
com ardor..., mas ela continuava fria, como uma morta. Tentei de
tudo que a uma boa ou má mulher excitaria, pois, lembrei-me que mesmo uma puta
haveria de ter seus caprichos. E que agradando-a, talvez, me recompensaria com
uma noite gratuita.
Em um dado momento, já desesperado
por nenhuma resposta, dei-lhe pequenas tapas, como forma de desabafo, que
estalavam em seu rosto gorduchinho. Ela, para minha surpresa e felicidade,
sorrindo, imediatamente, começou a implorar-me:
- Bata-me... bata-me... pelo amor de
Deus, bata-me...
- Ah! Safada - exclamei pensativo.
E enquanto mais me pedia, mais eu
intercalava com a ausência de tapas, o que me dava um prazer enorme em
provocá-la, e ver lhe suplicar-me. O que, por outro lado, certamente, mais lhe
excitava, implorando por tapas cada vez mais fortes.
- Mais... mais... mais... – então,
dizia.
As tapas, os sorrisos, seu corpo na
fúria louca do desejo, iam num crescendo que parecia não terem fim...
E, enfim, realizando seus desejos,
acabei por desmaiá-la, em um misto excitante de prazer e dor, por meio de
tantas tapas.
E saindo de lá como entrei, com os
bolsos sem nenhum níquel, não apenas ganhei a aposta, como a lembrança de uma
de minhas melhores memórias.
Petrúquio, em seguida, em meio a
tantos risos, levantando-se da mesa, pôs-se a declamar o Soneto de todas as
Putas de Bocage, tendo na mão, levantada, uma grande taça de vinho:
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta d’um soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.
- Ah! Bocage que seria dos poetas sem
as putas – exclamou Petrúquio.
- E nada seriam das putas sem os
libertinos! – completou Márcio.
- Um viva, pois, a estas verdadeiras
discípulas de Vênus, a estes seres tão desprezados, outrora tão cultuados, e
que, ao contrário das hipócritas virtuosas, fazem tanto bem à sociedade, pois
quantos estupros não têm evitado!
Após o imenso murmúrio que se seguiu
às palavras de Petrúquio, com os convivas ora aplaudindo, ora gritando: viva as
putas, viva as putas... disse-lhe Márcio:
- Então Nise era uma masoquista?
- Quanto a isso não há a menor
dúvida.
- Assim como não há a menor duvida
que és um sádico – completou Márcio.