(uma história de amor entre assassinos.
Feita não apenas de corações apaixonados mas também de sangue e tripas. Dividida
em partes, como um bom esquartejador faria)
Inspirado no caso recente de Elize
Matsunaga, que matou e esquartejou seu marido, o empresário Marcos Kitano
Matsunaga.
Com
vocês, o conto:
O QUE MAIS ME SURPREENDIA em Elise, era como esta via o crime. Para ela,
o crime era uma verdadeira arte: o assassinato, uma composição, como uma obra
musical, com sua estrutura melódica, sua harmonia pré-estabelecida, por uma
mente que aspirava ao belo até mesmo na destruição, no desvísceramento de um
corpo, ou no esfacelamento de um crânio; o roubo, como a concretização de um
plano audacioso, pensado em seus mínimos detalhes. O crime era antes de tudo, para
ela, uma luta consigo própria, contra os valores, os sentimentos, as ideias
impensadas que carregávamos desde o berço, que nos fazia esquecer, de modo
errôneo, nossa própria natureza assassina, que aguardava pacientemente quieta
apenas um momento para se mostrar às claras. Matar era a salvação para almas
que ambicionavam transcender este mundo corriqueiro, fundado na mentira. E para
isso, nada como a Sociedade dos Amigos do Crime para sanar todos estes erros.
Este era o nome que ela havia dado ao nosso grupo de amigos. Disse-me que havia
se inspirado em um livro.
Lembro-me
bem de como a conheci, posso dizer que foi amor à primeira vista. Ou melhor: amor
ao primeiro crime.
A CABEÇA
Estávamos,
eu e Mão-de-cepo, atrás de um carro; um carro que nos rendesse um bom lucro pro
fim de semana. Depenaríamos ele e venderíamos suas peças por uma boa bagatela
qualquer. Esperamos então, discretamente, pelo primeiro que chamasse nossa
atenção em um sinal de trânsito qualquer. Até que um luxuoso carro preto parou
quase em nossa frente, um carro como aqueles de bacanas, com películas nos
vidros das janelas como um modo de evitarem não se aborrecerem ao verem as
misérias de fora do luxo destes. Nossa primeira impressão foi de que fosse como
um daqueles carros blindados que bacanas importantes usam para se proteger. Mas
naquele dia estávamos com sorte, pois foi somente impressão nossa. Mão-de-cepo
foi em sua direção e ficou bem na frente deste com sua arma na mão apontada
direto para a fuça de quem tinha o volante nas mãos. Eu contornei o carro e fui
para o lado do motorista com arma em punho, bati na janela com vigor ameaçando
atirar se caso este não abrisse a janela logo. Até que “plac”, a porta se abriu,
e naquele momento foi como se tudo mergulhasse no mais profundo silêncio, como
se eu mergulhasse na mais límpida água; e tudo ao meu redor ficasse em câmera
lenta; então vi a mulher mais doce do mundo aparecer em minha frente, linda,
com seus cabelos lisos sobre os ombros, com um modo só seu de jogá-los para
trás dos ombros... Inesperadamente tudo voltou ao normal. Entramos no carro
rapidamente, a joguei para o banco traseiro e fui para o lado desta em seguida,
enquanto Mão-de-cepo tomava o volante e seguia rumo a qualquer lugar ermo.
Ao
chegarmos a um grande terreno abandonado, amarramos a moça e a amordaçamos. Em
seguida, saímos do carro para decidirmos o que iríamos fazer com ela.
Mão-de-cepo, como um bandido prático, queria imediatamente matá-la e jogá-la em
qualquer barranco daqueles, ou mesmo em um córrego de rio; mas sempre fui o
mais sensato, disse-lhe que, pelo carro, deveria ser a filha de algum bacana,
um empresário ou mesmo de algum político, como aqueles que roubam nossa grana
guardando-a em algum banco no exterior, gastando-a com suntuosos jantares
acompanhados de caríssimos vinhos. Nesse momento, Mão-de-cepo sorriu como se a ficha
finalmente houvesse caído - ele sempre foi um sujeito lerdo para isso: pensar
nunca lhe foi uma qualidade -, então me disse que sim, que poderíamos ganhar
algum dinheiro extra sequestrando-a. Tomamos a decisão de pô-la desamarrada no porta-malas
do carro. Porém, ao abrir o porta-malas, achamos três grandes malas dentro.
Perguntei a ela o que significava aquilo, ela me disse que estava de viagem,
que as malas estavam cheias de suas roupas. Aquilo, momentaneamente, confirmou
imediatamente o que eu pensava, pois com tanta roupa assim só poderia ser uma
filha de algum bacana filho-da-puta. Resolvi então tirar as malditas malas de dentro
do carro. Mas as malas pesavam feito chumbo. Notei que até então ela tinha sido
uma mulher bastante fria, mas, naquele momento, algo desabou nela. Decidi abrir
uma das malas. E qual não foi minha surpresa ao ver surgir assim na minha
frente, tête-à-tête, um pé humano, branco como cera. Dei um pulo para traz
assustado, soltando um sonoroso caralho. Verifiquei as outras duas malas
restantes e percebi que havia outras partes do corpo. Perguntei várias vezes a
ela, até que ela me respondeu:
- Tá
bom, tá bom, eu confesso, fui eu que o matei.
- E
quem o cortou desse jeito?
-
Também fui eu.
-
Sozinha!?
-
Sim.
Demos
boas gargalhadas: não acreditávamos que uma mina como aquela seria capaz de tal
ato. Nem mesmo eu e Mão-de-cepo seríamos capazes de fazermos aquilo. Gostávamos
de fazer as coisas limpinhas, sem manchas de sangue ou miolos grudados nas
paredes. Mas a verdade viria imediatamente à tona, quando decidimos despachar o
corpo, jogando-o ribanceira abaixo. Ela levantou-se sem temer a arma de meu
parceiro, e foi em busca das malas. Corri atrás dela com arma em punho. Quando
a encontrei estava vasculhando as malas. Perguntei o que queria. Ela me disse
que não poderia deixar a cabeça e as mãos nas malas. E que se tinha que ir,
tinha que levá-las. Na dúvida, assenti com a cabeça, calado. E não foi que a
louca pôs-se a catar o que havia falado. Mão-de-cepo tomou um grande susto, o
negão de quase dois metros de altura ficou branco como uma folha de papel,
quando a viu entrar no carro pondo a cabeça e as mãos sobre as coxas.
-
Que isso!? – disse ele.
- Se
elas ficassem lá, ele seria facilmente identificado – respondeu ela.
Foi
quando vimos que o que ela nos havia dito era de fato verdade. A mina era mesmo
capaz daquilo, e de muito mais. Quem diria que aquela moça frágil, de beleza
delicada, era uma assassina tão fria, como poucas que já vi na vida. E eu, de
minha parte, não podia acreditar que, ao vê-la apanhar aquela cabeça com tanta
coragem e frieza, já estava terrivelmente apaixonado por ela, ao ponto de tudo
isto não ter tido nenhum efeito sobre meus planos. E para piorar ainda mais as
coisas para Mão-de-cepo, a mina começou a falar com a gente usando a cabeça
como um boneco de ventríloquo, segurando-a pelo cabelo e puxando com sua mão
esquerda o maxilar do cadáver. Quando ela aproximou a cabeça do negão, ele
quase bateu o carro, soltando um sonoroso “caralho, tira isso daí!”. Nunca
tinha visto Mão-de-cepo daquele jeito, já tinha visto o negão encarar a polícia
várias vezes, brigar com dois homens ao mesmo tempo, levar facada e usar a
mesma faca para matar seu algoz, mas parecia que ele a temia. Que ironia! Temia
uma mulher. Ele era do tipo supersticioso. Parou então o carro, e saímos para
conversar à beira da estrada vazia, sob um luar escandaloso.
- E
agora? O que faremos com ela? A mina é uma assassina, cara. Manteremos ainda o
plano de sequestrá-la?
Eu
lhe ouvia calado, fumando um cigarro, enquanto Mão-de-cepo continuava
esbravejando nervoso:
-
Acredita ainda que ela é uma filha de bacana?
O
engraçado é que ao saber que ela havia feito aquele crime, isto havia de alguma
forma, me aproximado dela; éramos agora como parceiros dividindo segredos, sem
que houvesse um acordo prévio. Disse, então, para ele:
- A
verdade é que ainda nada sabemos sobre ela. E o fato de ter matado não elimina
a possibilidade de ser de família rica.
-
Vamos cara, vamos dar logo um fim nisso. Essa mina me causa arrepios. E o cara
quem era ele? Pode ter sido algum bacana, cuja a família poderá nos por em
cana.
Bem,
parecia-me que pela primeira vez na vida a inteligência havia brotado naquela
cabeça vazia, pois o que Mão-de-cepo havia dito parecia fazer sentido.
Dei
um último trago no cigarro, joguei-o ao longe, e disse:
- É
o que vamos descobrir.
Fomos
para um motel barato de beira de estrada, daquele tipo que o maior conforto é
um velho ventilador rangendo e com as cobertas tão sujas que não devia ser
trocadas à dias. Pedimos bebidas e deixamos a mina solta. Ela foi imediatamente
ao banheiro, não sem que antes Mão-de-cepo verificasse se havia um meio de
fuga. Ficamos a conversar bebendo algumas cervejas que ela pegava da geladeira.
E para iniciar a conversa, perguntei a ela se havia sido fácil cortar aquele
cadáver. Ela disse-me que quando se sabe o modo certo é tão fácil quanto cortar
uma fatia de bolo.
- Modo
certo? - retruquei a ela. E ela respondeu-me:
- Sim,
quando se sabe um pouco de anatomia. O difícil foi cortar a coluna - finalizou
ela.
Porém esta havia contornado o problema
quebrando-a primeiro, após expô-la da carne, com chutes certeiros.
- Mas
o mais difícil foi evitar que o sangue respinga-se pelo caminho todo, tive
então que esperar que o sangue coagula-se no corpo antes do serviço. A espera
durou dez horas - disse-me ela entre um gole e outro de cerveja.
Perguntei-lhe
quem era? Ela ficou calada e nada me disse. Até que, de repente, um grito
fez-se ouvir dos fundos do quarto, a voz era de Mão-de-cepo. Quando chegamos ao
fundo do quarto a geladeira estava aberta, Mão-de-cepo assustado no canto,
apontando em direção da geladeira. Quando me aproximei desta logo percebi a
causa de tal susto, a cabeça estava na geladeira entre as cervejas, com seus
olhos murchos e entre abertos, olhando para fora. Mão-de-cepo repreendeu-a, ela
lhe respondeu que tinha que mantê-la conservada. Bem, mas passado alguns
minutos tudo se acalmou novamente. Até que para impressioná-la, quando esta
veio do banheiro, tive uma ideia estúpida, passei a jogar a cabeça como bola de
boliche tentando derrubar algumas garrafas de cerveja que pus no chão. Queria
demonstrar-lhe ser tão frio quanto ela. Ela, quando viu a cabeça no chão,
tentou imediatamente apanhá-la, dizendo que iria desfigurá-la. Foi quando, ao
ver seu interesse, tive uma ideia. Pedi então para que Mão-de-cepo se
ausentasse um pouco do quarto. Em seguida peguei a cabeça e ameacei batê-la na
parede até que os últimos vestígios de um rosto humano fosse-lhe apagado se
caso ela não me dissesse quem era o sujeito. Ela relutou em me dizer. Então
bati com a cabeça na parede; um pouco de sangue respingou sobre meu rosto. Ela
continuou calada. Bati mais uma vez, desta vez com o rosto virado para a
parede. Ela balbuciou algo. Foi quando ameacei mais uma vez bater com a cabeça
na parede. Ela, então, finalmente, soltou a língua. Disse-me que o homem era um
estuprador, que havia estuprado a filha de um fazendeiro rico, que prometera
pagar bem aquele que o houvesse pegado. E a cabeça era a prova disso. Então entendi,
finalmente, o cuidado com a mesma. Porém um problema havia agora se formado,
como iria dizer a Mão-de-cepo que eu havia me enganado, que a mina não era o
que pensávamos.
AS MÃOS
Bem,
mas isso eu deixei para depois, o que queria naquele momento era apenas
conversar com ela, olhá-la em seus belos olhos negros. E como um sussurro, um
segredo, ela havia me dito que aquele tinha sido seu primeiro crime; e que o
homem que havia matado também havia lhe estuprado. Aquele segredo me havia
acendido; um fogo passou a me queimar depois disso, um fogo de desejo, que eu
jamais havia sentido. E lá pelas tantas, passamos a acariciarmos. Minha mão
unia-se a sua mão, aquelas belas mãos assassinas. E ambas tornavam-se uma
apenas, como nossas almas naquele momento. Despimo-nos e deitamos na cama, ela
pôs a cabeça ao lado. E sobre aquela velha e suja coberta transamos em meio ao
sangue que ainda saia da cabeça decepada. Nossas secreções uniram-se as
anteriores, dos amantes passados, como evidências de novos desejos.
Após
o sexo, ela disse-me como tudo havia ocorrido: ela havia seguido o homem até
uma boate. Chegando lá, sentou-se ao lado dele, enfrente ao balcão. Ela sabia
que o atrairia. E como um golpe certeiro, ele mordeu a isca, passou a olhá-la,
pagou a ela algumas doses de bebida e puxou conversa com ela. Ela
identificou-se como uma prostituta. E
assim, ficaram por alguns bons minutos. Ele, então, convidou-a a sair...
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