quarta-feira, 18 de junho de 2014

DEAD E EURONYMOUS E A OBSESSÃO PELA MORTE



Um carro em alta velocidade invade a pista contrária. Sua lataria torna-se lâminas cortantes, ao chocar-se com outro carro que surge em direção oposta, decapitando os passageiros do carro da pista de direção contrária. O motorista e o passageiro do carro invasor, após capotar várias vezes, têm suas cabeças esmagadas e suas vísceras expostas, sob esguichos de sangue...
Embora esta cena choque algumas pessoas, a verdade é que muitas se sentiriam atraídas por uma curiosidade mórbida a ver os corpos mutilados expostos em via pública, servindo-as ao mesmo tempo como motivo de curiosidade e diversão. E quem já não presenciou tal cena, pelo menos uma vez na vida: aquele monte de pessoas, curiosas, ao redor de um cadáver, ou de um moribundo agonizando em plena via pública?
 A obsessão pela morte, não parece ser apenas um atributo dos transeuntes, curiosos, a espreitar tais cenas, podemos vê-la disseminada pela internet, através dos milhares de sites e blogs dedicados a mostrar, com toda a dedicação, cadáveres esmagados, eletrificados, decapitados, esquartejados, esfolados, congelados, embalsamados, necropsiados, cozinhados, queimados, em decomposição, devorados por animais, afogados, estripados, etc... etc... etc..., enfim, tudo aquilo que possa agradar, saciar, e até divertir, a curiosidade mórbida daqueles que incansavelmente visitam tais páginas. E isso vem de longa data:

Desenho Representando o Necrotério de Paris no Séc. XIX

Na Paris do séc. XIX, era comum pessoas convidarem outras para juntas visitarem o necrotério público, enquanto passeavam pela cidade. Pessoas se exprimiam para observarem por meio de pequenas portinholas corpos de indigentes, ou anônimos, expostos ao público. As visitas iam da manhã à noite.
O necrotério servia também para matar a curiosidade daqueles que liam os jornais, pois como nessa época não havia jornais com fotos, o público ia até ele para observar os mortos de crimes famosos. E quando o cadáver era exposto de um crime desses, o público aumentava consideravelmente. O referido necrotério foi construído em 1864, atrás da catedral de Notredame, e funcionava sete dias por semana. 
Blogs como o ISSO É BIZARRO, continuam com a mesma tradição, (pasmem!) têm em média 12 mil acessos diários, com farto material sobre o assunto. Chegando mesmo a rivalizar com sites e blogs dedicados a pornografia. Ou seja, para muitos a morte tem o mesmo, e, em muitos casos, até mais interesse que o sexo, que é algo que a grande maioria procura por puro prazer. Então, não se pode negar que para muitos a morte, e suas cenas relacionadas, despertam um grande prazer em tais pessoas. Aliás, a relação entre prazer, dor e morte, não é novidade alguma, ela está presente em grande parte em assassinos, e estupradores, como os Serial Killers.
MARQUÊS DE SADE: O PODER É AFRODISÍACO
E foi um dos temas preferidos do escritor francês Marquês de Sade, que tinha grande predileção ao ato de provocar dor e humilhação aos outros, e a si mesmo. Seu nome originou o termo Sadismo, que é justamente o nome dado ao prazer obtido pelo ato tão querido por Sade durante suas orgias sexuais. Para Sade o Sadismo seria algo natural no homem, tão natural quanto rir e respirar, algo tão instintivo quanto o sexo. E que deveria ser liberado, já que tolhido viria com mais força, provocando um maior efeito. Talvez, aí esteja a explicação para a indústria cinematográfica, dedicada ao grande público interessado por cenas chocantes, de saciar a irresistível sede de tal público, por cenas cada vez mais chocantes de mortes, ter crescido tanto.
VIDEOS NASTYS E SNUFF MOVIES

Acima um Exemplo de Vídeos Nastys, o Filme AFTERMATH,
que Conta A História do Amor de um Médico
 Legista por um Cadáver de Mulher 

Os veículos de informação e entretenimento, como o cinema e a internet, passaram cada vez mais a tentar saciar a sádica curiosidade humana pela morte. Então, quando os filmes costumeiros de horror e assassinatos, pareciam não serem mais suficientes, eis que surgem nos anos 2000, os chamados Vídeos Nastys, que traziam como grande atração cenas de assassinatos, estupros, tortura e dor, nos seus mínimos detalhes, com bastante realismo. Estes filmes mostram coisas como estupro de recém-nascidos, relações sexuais com cadáveres, no pior estado possível dos mesmos, etc. E quando tudo parecia ter chegado ao limite, eis que surge a idéia de gravar vídeos com cenas reais de assassinatos, da forma mais brutal possível. Os chamados Filmes Snuff, são filmes propositadamente feitos para serem vendidos a um público extremamente sádico, e capaz de pagar grandes quantias de dinheiro para poderem obter uma de suas tão procuradas cópias.

Um dos Ucraniânos com a Arma do Crime

Querendo, então, abastecer este grande público, carente e ansioso, por cenas extremas de violência, três ucranianos passam a cometerem assassinatos, da forma mais fria e cruel possível. À eles não importava o sexo nem a idade de sua vítimas, apenas que estas lhes proporcionasse a mais pura cena de extrema violência. Ao todo foram feitos 20 filmes de assassinatos reais, porém antes que pudessem vender os filmes, os assassinos foram pegos pela polícia ucraniana. Porém um desses filmes chegou a vazar pela internet. Nele um homem tem a cabeça desfigurada à marteladas.
E não me surpreenderia, em saber, que mais filmes desse tipo existem pela internet ou em arquivos caseiros.
O METAL DA MORTE
Seguindo outras formas de artes, como o vídeo e o cinema, alguns seguimentos da música passaram a cultuar também a morte; tendo mesmo um deles adotado o termo morte como um de seus títulos: o Death Metal (Metal da Morte em inglês) é um bom exemplo disso, como também o Black Metal. Para os que não a conhece vamos as suas origens.
Nascido da música Heavy Metal, ritmo que representa um seguimento do Rock, surgido no final dos anos 70, com ritmo vigoroso, com postura teatral, com letras fortes, versando sobre batalhas, ou ocultismo, o Death Metal e o Black Metal exageraram ainda mais tudo isso, acrescentando vocais guturais e letras versando sobre violência, paganismo, satanismo, e, claro, morte, principalmente através do Corpse Paint (pintura de cadáver) usada por músicos Black Metal. Tanto que, caveiras, corpos em decomposição, assassinos, etc., viraram tão comuns em suas capas de discos, camisas, nome de bandas e músicas, quanto doce em festa de criança. E não é tão incomum que temas, como a morte e o suicídio, extrapolem da música para a própria vida de seus músicos. Por isso, uma questão se impõem: haveria na música Black e Death Metal, assim como no vídeo e no cinema de horror, traços sádicos em sua origem que possibilitasse a passagem da ficção à realidade. Isto é, da passagem de temas de letras de músicas para a vida de músicos e fãs, como pensam mesmo alguns religiosos?
DEAD E EURONYMOUS: UM CASO ESCLARECEDOR


Um dos casos bastante conhecidos, por envolver músicos com queimas de igrejas, assassinato e suicídio, foi o que se sucedeu nas frias e extremamente civilizadas terras da Noruega, com uma então promissora banda de Black Metal: MAYHEM.
O MAYHEM foi a mais conhecida banda do chamado INNER CIRCLE, um grupo formado por músicos noruegueses de Black Metal, com o intuito de fazer propaganda contrária as religiões cristãs. Porém, o grupo foi muito além do plano intelectual e musical, ganhando ares de movimento terrorista, queimando algumas dezenas de igrejas. Ao todo foram queimadas cerca de cem igrejas, algumas bem antigas.
O então vocalista Dead da banda MAYHEM, na verdade Per Yngve Ohlin, era um rapaz estranho, que cultuava a morte. E que tentava ao máximo vivenciar as letras fúnebres e mórbidas das músicas que cantavam. Era descrito por seus parceiros como alguém solitário e melancólico, que estava sempre trancado no quarto, que não se alimentava para poder sentir a dor da fome, e que usava camisetas com anúncios fúnebres. Que gostava de usar corpse paint (pintura imitando cadáver), mesmo em dias que não eram de shows. Foi mesmo um dos primeiros a usá-la. Dead (Morto em inglês) gostava também de enterrar suas roupas, antes dos shows, para que ficassem pútridas com insetos e vermes, como a carne de um cadáver putrefato. Nos shows, gostava de auto-flagelar-se, e antes das músicas, gostava de aspirar o cheiro de um pássaro morto que guardava em um saco plástico. O cheiro da morte o inspirava. Tanto que foi ao extremo de conhecê-la pessoalmente...

acima Capa do Disco do Mayhen The Dawn of The Black Hearts (Madrugada dos Corações Negros).
Ostentando, sob efeito de fotografia, o Corpo Desfacelado de Dead
   
Em um dia de abril de 1991, Euronymous, o então líder da banda norueguesa de Black Metal MAYHEM, ao retornar à casa de ensaios, se depara com uma cena chocante, Dead, o antigo vocalista da banda, havia se suicidado, cortado os pulsos e dado um tiro na boca, com uma espingarda. A metade de seu crânio havia sido estilhaçado, expondo parte de seu cérebro. O qual, após o tiro, havia escorregado para o chão, ao lado do cadáver, que continuava, parcialmente, apoiado à uma parede. A faca e a arma continuavam ao seu lado, bem como um irônico bilhete, que dizia: “Desculpe pelo sangue”, além da afirmação de que sua alma pertencia aos bosques nórdicos, para onde sempre quis ir. Como relembraria, posteriormente, seu antigo colega de banda, Euronymous:
"Nós não temos mais vocalista! Dead se matou a duas semanas! Foi realmente brutal, primeiro ele cortou os pulsos e então ele estourou os miolos com um rifle. Eu o encontrei e ele estava horrível pra caralho, a metade superior de sua cabeça estava por todos os lados do quarto, e a parte inferior do cérebro escorreu pelo resto da cabeça e caiu na cama. Eu, claro, peguei minha câmera imediatamente e tirei algumas fotos, nós vamos usá-las no próximo LP do Mayhem. Eu e o Hellhammer tivemos sorte, porque encontramos dois grandes pedaços de seu crânio e então fizemos colares como lembrança. Dead se matou porque ele vivia somente para o verdadeiro black metal. Quer dizer, roupas pretas, espetos, etc... [...] Eu tenho que admitir que foi interessante examinar um cérebro humano em "rigor mortis".
Dead gravou três discos com a banda MAYHEM, "Live in Leipzig", o único oficial com a banda, "A Tribute to the Black Emperors", que contem gravações com o MAYHEM, e com a antiga banda dele, MORBID. E o "Dawn of the Black Hearts", famoso não tanto pela música, mas pela capa, que traz o seu corpo morto com seu crânio esfacelado. Idéia de seu “sentimental” amigo Euronymous que, após o ocorrido, declarou: "Quando Dead explodiu seus miolos, este foi o maior ato de promoção que ele fez para nós. É sempre fenomenal quando alguém morre, não importa quem. Se você pensa que nós somos idiotas emocionais com sentimentos humanos, você está errado!"
Euronymous (Príncipe da Morte), ou mais precisamente Øystein Aarseth, seu nome verdadeiro, teria, anos depois, um trágico fim. Seria morto, após dezenas de facadas, com uma fatal em seu cérebro, por Varg Virkenes, um ex-membro de sua banda Mayhem, e o principal acusado de queimar igrejas na Noruega.
Euronymous era outro obcecado pela idéia da morte, como fica bem demonstrado em sua atitude ao encontrar o corpo do ex-amigo Dead, e em seus comentários sobre o ocorrido. Sua alma fria e insensível explorou a morte do amigo como forma de chamar atenção para sua banda, embora alguns contestem o que foi dito. Para estes, sua atitude insensível com relação a morte de seu ex-amigo, fora apenas uma reação natural de proteção à morte:
 “Um dos fatores que mais pesam contra Euronymous foi a sua atitude com relação à morte de Dead. Mas será que ele realmente foi tão frio, indiferente, perverso ou mesmo oportunista como foi julgado? Talvez as pesquisas de Elisabeth Kübler-Ross sobre a ‘Morte’ esclareçam a maneira que Euronymous tratou a morte prematura de Dead. Com base em várias pesquisas de campo com pessoas sobre a morte, a Dra. Kübler-Ross identificou cinco estágios em que as pessoas tratam o sofrimento perante a morte, a saber: 1º) negação e isolamento, 2º) raiva, 3º) barganha, 4º) depressão, 5º) aceitação.
Segundo a teoria da Dra. Kübler-Ross, depois do choque inicial causado pela perda de um ente querido, o estágio seguinte é frequentemente uma negação. Num estágio de negação as pessoas optam pela má-fé, fingindo que nada aconteceu, mantendo-se no auto-engano. A etapa seguinte é geralmente um acesso repentino de raiva que ocorre numa explosão de emoção, onde os sentimentos ocultados – do estágio precedente – são expulsos em uma manifestação enorme de sofrimento. A frase ‘por que eu?’ é repetida inúmeras vezes na consciência. Parte desta raiva é igualmente ‘por que não você?’, descarregando sua raiva naqueles que não são afetados.
Na carta de Euronymous, a que ele fala sobre a morte de Dead os jovens modistas do Metal são esses que não são afetados. Assim como Necro Butcher (‘o baixista sentimental’) que (ao contrário de Euronymous) pôde encarar a morte de Dead e assistir ao seu funeral. Como o próprio Necro Butcher sugere no documentário ‘Once Upon a Time in Norway’ e em algumas entrevistas, a distribuição/exibição das fotografias do corpo mutilado de Dead é um ato pleno de raiva, uma maneira de atingir a todos pela morte de Dead. Portanto, podemos interpretar que a recusa convenientemente (e aparentemente) insensível de Euronymous para assistir ao funeral de Dead foi um sintoma de negação e de raiva.
A frieza estética e a brutalidade de ‘De Mysteriis Dom Sathanas’, o álbum do MAYHEM, foi uma expressão enigmática da raiva por causa do suicídio de Dead. Podemos concluir que ele representa uma espécie de lamento.”
Seja como for, se a frieza e a insensibilidade de Euronymous, perante a morte do amigo, pode ser explicada como uma forma de proteção, a sua extrema curiosidade com relação a morte, jamais poderá ser negada.
VIDA, MORTE E MÚSICA METAL: OS PRÓS E CONTRAS
Pelo o que foi visto, a curiosidade pela morte não é exclusiva da cultura da música METAL, pois está tão presente em um transeunte, que observa um acidente motobilístico com mortos, quanto os milhares de freqüentadores dos milhares de sites que ostentam corpos humanos mutilados. O que parece ser, em parte, uma curiosidade natural. Pois como presenciar este fenômeno tão misterioso, e tão presente ao nosso dia-a-dia, que é a morte, se não observarmos a morte no outro? É claro que nisso há os seus limites. Se blogs e sites como o ISSO É BIZARRO é capaz de rivalizar com sites dedicados ao sexo, é sinal que a morte é tão rentável quanto o sexo. O que causa certa banalização da morte, fenômeno que é visto também na pornografia com relação ao sexo. E o que motivou, por sua vez, como foi visto, a criação dos chamados FILMES SNUFF. E como bem observou o Marquês de Sade, o Sadismo, pelo menos até certo grau, parece ser inato no homem, e que pode ser estimulado, principalmente em personalidades distorcidas e précondicionadas à isso, como parece terem sido as personalidades de Dead e Euronymous. Suas vidas parecem atestar que, quando a dor, e o medo, parece não ser mais um limite, nos aproximamos cada vez mais da morte, não apenas de modo físico; quando se privilegia mais a morte que a vida; quando a idolatramos em demasia, como tudo na vida, torna-se uma obcessão, algo doentio, que poderá nos carretar conseqüências terríveis.
Porém, há algo positivo nisso, como vemos nas artes, e na música METAL.
A idéia da morte é tratada na música METAL, e em muitas outras culturas underground, como de fato deve ser vista, não como uma apologia à morte, como uma idolatria desta, mas como algo que, eventualmente, faz parte da vida, do nosso dia-a-dia, embora não queiramos saber disso, e a todo custo procuramos a fastá-la de nossos pensamentos. É um modo de torná-la comum e natural e nos acostumarmos a ela. E quando a arte, e os interessados nesta, deixam de aborda morte de modo simbólico e indireto, é o primeiro sinal que há algo de errado nela. 

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