segunda-feira, 4 de novembro de 2019

SACI, UM HERÓI NEGRO

SACI, UM HERÓI NEGRO
Cheguei aqui em um navio negreiro; entre mil homens e mulheres de pele preta, separados de seus maridos, esposas e filhos; postos à força em um navio e levados a servirem de animais de carga em uma terra distante, àqueles que teríamos de chamar de “senhores”.

Passamos 90 dias deitados, acorrentados no porão do navio, entre excrementos e urinas, com pouca água e comida, sem saber para onde íamos, sem sabermos se chegaríamos vivos.

No meio do caminho, muitos daqueles que estavam ao nosso lado morriam; convivíamos ao lado de seus cadáveres por dias, com seus cheiros pútridos e suas larvas, até que o senhorio do navio, após nos chicotear por horas, notava que aqueles que não mais reclamavam, não reclamavam por já estarem mortos.

Chegamos em uma terra distante, de costumes estranhos e língua estranha, de pessoas de pele branca; não conhecíamos sua língua, mas apenas o ecoar de seus chicotes.

Éramos exposto nos mercados, como objetos à servir em suas casas e fazendas; e vendidos juntos com bois e vacas.

Àqueles de nós, cansados e com fome, que se recusavam a servir, eram acorrentados à ferro, amordaçados com instrumentos que lhes feriam a boca, ou tinham as línguas cortadas, e suas carnes marcadas com ferros em brasa.

Nossas mulheres eram estupradas para gerarem novos escravos a seu “senhor”; e quando seus filhos nasciam, eram delas separados para que servissem de ama, e com seu leite alimentassem crianças brancas.

Um dia, fugi. Fui caçado como um animal. E quando pego, fui castigado. Um homem branco de coração ruim, cortou-me a perna com as rodas de sua carruagem para que eu nunca mais fugisse; e fui deixado para morrer na mata.

Mas Iansã, me vendo sofrer injustamente, me acolheu em seus braços, e me fez de novo; e me deu uma perna nova, feita de ventos fortes para que eu pudesse voltar.

Deu-me também o poder de uma carapuça vermelha com o poder, d’eu invisível, me transportar, um cachimbo e a sabedoria de um preto velho, mas a alma de uma criança.

Renasci na mata, em meio a bambuzais. Minha dança é o terror do homem injusto. Minha presença é presságio de contenda pro fraco e alívio para o justo.

Hoje, todos me chamam de Saci-Pererê.

*Escrito Por Bosco Silva.






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