quinta-feira, 1 de outubro de 2020

VAMPIROS E BOTOS: DUAS LENDAS COM MUITO EM COMUM



VAMPIROS E BOTOS: DUAS LENDAS COM MUITO EM COMUM

Um das lendas mais conhecidas da Amazônia, a Lenda do Boto, nos conta que em noites de lua cheia, o boto se transforma em um belo rapaz de chapéu e roupa branca, que sai do rio para encantar jovens caboclas das cidades próximas a beira de rios, fazendo-as se apaixonarem por ele, engravidando-as, e deste relacionamento nascem crianças encantadas, que trazem em si os poderes dos encantados.
 


Sempre se diz que o chapéu é um bom indício do encantado, pois ao se transformar em homem, o boto traria um defeito, uma ligação com sua forma original: um furo no alto da cabeça, por onde o boto respira. O que o levaria a ocultar tal defeito sob o chapéu, que não tiraria da cabeça por nada, levando as moças a criar situações para desvendar o mistério e quebrar seu encanto, tirando seu chapéu da cabeça, fazendo-o revelar-se como boto.



Nos rios da Amazônia há dois tipos de boto: o boto tucuxi, cinza, que é visto como um ser benévolo, que ajuda afogados a ser deslocados para a beira dos rios, e o boto rosa, tido como encantado, e é dele que vem a Lenda do Boto.
 
O boto pertence aos seres encantados da Pajelança, religião de origem indígena, são seres que possuem o poder de se transformar em outros seres.



O curioso é que a Lenda do Boto possui profundas semelhanças com  uma famosa lenda surgida na Europa, mais precisamente, do leste europeu: a Lenda dos Vampiros. A semelhança não está apenas na capacidade de se transformar em outros seres, como os vampiros possuem de se transformar em cachorros, lobos, morcegos; acrescenta-se a eles também a Matinta Pereira que, devido a uma maldição de família, possui a capacidade de se transformar em ave ou em porco. 

A pesquisadora Dione do Socorro de Souza Leão, em sua dissertação de mestrado "Cosmologias da Encantaria do Marajó", recolhendo relatos de ribeirinhos da ilha de Marajó registra que também há outras semelhanças entre a Lenda do Boto e a Lenda dos Vampiros, como o ato amassar alho para jogar no rio, colocar cruzes nas portas das casas para afugentar e se proteger contra o boto encantado:

Quando eu era criança e a gente morava no interior, meu pai viajou e ficou eu, minha mãe e meus três irmãos. Uma noite, a gente estava dormindo e a mamãe assustada acordou a gente, pois ela sentia que tinha alguém dentro da casa, no corredor. Quando ela fez o barulho, a coisa correu pela cozinha, desceu ao redor da casa e pulou na água. No outro dia, minha mãe amanheceu com muita dor de cabeça, febre, vômito e, em frente a casa um monte de botos boiando. Foi preciso bater um monte de dentre de alho dentro de uma cuia e meu irmão 12 mais velho foi jogar lá no meio do rio pra espantar os bichos e, nós fomos pra casa da vovó pra ela cuidar da minha mãe.
 


É interessante encontrar em duas lendas de regiões tão distantes, separadas por um oceano e pela língua, elementos tão comuns em ambas: Os mesmos elementos usados para afugentar o que se teme, no caso vampiros e botos encantados.

O uso de água benta e cruzes pode ser explicado pelo hábito de devotos cristãos de demonizar personagens de crenças diferentes das suas, mas alho é difícil de explicar. E a semelhança entre vampiros e botos encantados não param por aí. Assim como os vampiros, botos também são atraídos por sangue humano. Há relatos que dizem que se mulheres menstruadas viajam num barco, este é seguido por botos atraídos à distância por seus cheiros. Estes vêm até ao barco com intenção de virá-lo. Então, para evitar que suas embarcações sejam viradas, alguns caboclos pintam seus cascos com óleo.

O sangue como atração nas duas lendas, pode se dá devido a associação inconsciente, feitos tanto pela Lenda do Boto quanto pela dos vampiros, entre sangue e sexo.

As semelhanças entre a Lenda do Boto e a dos vampiros demonstra que apesar das inúmeras diferenças entre as duas culturas, o ser humano usa simbolismos semelhantes, contendo os mesmos sentidos.

FONTE: Cosmologias da Encantaria do Marajó/Dione do Socorro de Souza Leão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário