segunda-feira, 7 de março de 2022

RELATO DO LEITOR: A Rua do Cemitério (por Bosco Silva)



A Rua do Cemitério (por Bosco Silva)

A casa dos meus avós maternos ficava em uma encruzilhada. Bem ao lado direito dela havia a estrada de terra batida, por onde os ônibus de viagem chegavam; na frente da casa, a rua que passava pela entrada do único cemitério da cidade.


Numa das noites de férias, durante minha infância, no silêncio profundo da sala clareada pela fraca luz de uma lamparina, deitado na rede, sem sono, único que aparentava estar acordado tarde da noite, passei a ouvir de repente um estranho barulho, que no inicio não chamou-me atenção, mas com sua repetição, logo fiquei atento a ele. Era um barulho surdo como um baque que parecia ser dado diretamente no chão; o barulho começou baixo dando a impressão de que soava distante, vindo da estrada de terra batida; o som era seguido de um pequeno intervalo, quando ressurgia mais alto, indicando estar se aproximando da casa; até que, após outro breve silêncio, o baque ressoou bem ao lado da casa… Nesse instante senti uma mistura de medo e apreensão, pois imaginava que o próximo baque fosse dentro da casa, ou, quem sabe, próximo da minha rede; e assim permaneci, esperando assustado pelo próximo baque. Mas, após outro intervalo, este ressoou mais adiante, já na rua da frente, aparentando ter dobrado a esquina e seguido em direção ao cemitério.


Me embrulhei no lençol e acabei dormindo. Na manhã seguinte, ainda intrigado com o estranho barulho, fui até o quintal e dei de cara com a enorme mangueira que havia lá, cheia de frutos. Pensei que aquele barulho poderia muito bem ser explicado pelo cair das mangas durante a madrugada; mas não me convenci por completo, pois forçosamente também teria que ter ouvido o som da folhagem e dos galhos quebrados produzidos pela queda dos frutos. Perguntei então ao meu avô, o que seria aquilo. Ele, em um tom tranquilizador, disse que eram pescadores que, ao seguirem para a maré com remos nas mãos, tinham o hábito de bater com eles no chão enquanto caminhavam. Bem, a explicação também não me convenceu por completo, pois o som não parecia se deslocar com a mesma velocidade de alguém andando e teria que ter um número maior de baques, um para cada passo. Seja como for, ate hoje aquele estranho barulho ainda me intriga.


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