RESUMO: O presente texto tem a
finalidade de analisar o sadismo, o masoquismo e a coprofilia (sexo com fezes
humanas), por meio da obra do escritor Marquês de SADE; bem como da importância
destes comportamentos sexuais extremos em sua literatura e filosofia.
Não raro, ouvimos
comentários de alguém que conhece alguma história a respeito de um terceiro que
possui comportamentos sexuais estranhos; comportamentos que não se adequam ao
que se convencionou chamar de normal em matéria de sexo. Assim, ouvimos, por
exemplo, histórias da mulher que adora, durante suas relações sexuais, receber,
de bom grado, tapas em seu rosto, ou mordidas em seu pescoço (MASOQUISMO); do
jovem que pede para usar banheiros de conhecidos para roubar calcinhas das
irmãs destes (FETICHISMO); ou do sujeito que, bem vestido, frequenta o banheiro
público durante horas a fim de espreitar outros homens em seus momentos
íntimos, olhando indiscretamente com interesse para o órgão exposto do cidadão
ao seu lado (VOYEURISMO); de outro
que coleciona absorvente femininos, sujos, de baixo da cama (MENOFILIA); ou
ainda do sujeito que prefere ter relações sexuais com mulheres menstruadas,
fantasiando as ter desvirginado durante suas relações; etc.; tais histórias parecem
serem bem mais comum do que se pensa, e com o advento da internet, com seus
inúmeros materiais dedicados as mais “estranhas” formas de desejos sexuais,
percebemos, definitivamente, que a quantidade de tais comportamentos superam
mesmo a maior estimativa que suspeitávamos existir quanto a tais
comportamentos.
A internet possibilitou
uma nova era de informação, facilitando e tornando acessível a muitos,
informações que até então eram privilégios de poucos; divulgando ideias e novas
formas de comportamentos humanos, em que, como era de se esperar, o sexo possui
um lugar de destaque, com dezenas de milhares de sites dedicados a saciar a
curiosidade e o desejo de centenas de milhares de pessoas. Assim, há desde
sites inocentes que se dedicam a reunir futuros casais de namorados, aos
dedicados a prostituição, ou encontros de casais com fins sexuais; ou ainda os dedicados
ao comércio de pequenos filmes pornôs, às formas mais extremas de sexo, como os
que se dedicam a mostrar sexo entre humanos e animais; sexo entre adultos e
crianças; relações sadomasoquista extremas, em que a violência e a dor são os
atrativos principais; sexo entre pessoas mutiladas; relações sexuais envolvendo
excrementos humanos, havendo mesmo o contato e a ingestão de urina e fezes
humanas durante o ato sexual, etc.
Joy Angeles, um site dedicado ao
voyeurismo daqueles momentos bem íntimos
Tais sites, a contar pela
grande quantidade destes, possui - contrariando o que se pensa - um imenso
público, com milhares de acessos diários; sites que, sendo pagos, demonstram
que há um numeroso público sedento e disposto a pagar para vê-los, não se
dedicando, portanto, apenas a saciar a curiosidade casual de alguns, mas de
orientar a atividade sexual de muitos. O que deve levar muitos a questionar: ATÉ QUE PONTO TAIS COMPORTAMENTOS PODEM SER
CONSIDERADOS NORMAIS, NÃO-DOENTIOS?
É o que se propõe
analisar este artigo.
Embora exista uma
infinidade de formas sexuais extremas, algumas, certamente, ainda sem nomes,
três nos interessa por estar ligadas diretamente a obra do Marquês de SADE; e
que são a base de muitas outras; são elas: o SADISMO, o MASOQUISMO e
a COPROFILIA. Práticas sexuais, que
como podemos notar através de relatos famosos sobre a vida do nobre francês,
estavam presente também em sua vida. Mas antes um pequeno resumo de quem foi SADE
e de seu pensamento:
Sade e suas inspirações demoníacas, visto pelo séc. XIX
O escritor francês
Donatien-Alphonse-François de SADE (1740 – 1814), mas conhecido por Marquês de SADE,
foi sem dúvida uma das mais intrigantes personagens da história; tão intrigante
que chega tomar, por vezes, ares de personagem ficcional, chegando mesmo ao
ponto de muitos confundirem o autor com os criminosos e pervertidos personagens
de sua própria obra. Assim, não raro, muitas pretensas histórias foram contadas
- mesmo em sua época - e afirmadas terem ocorrido com o nobre escritor francês,
como a de ter provocado por meio de seus livros, muitos assassinatos ao
instigar os leitores com suas ideias criminosas; havendo mesmo a ideia de que
sua obra seria capaz de destruir a alma de qualquer leitor que a lesse.
SADE passou quase a
metade de sua vida em prisões e manicômios; foi capaz de ser enclausurado por
três formas diferentes de governo: primeiro pela monarquia francesa, depois
pelos revolucionários franceses, e, finalmente, pelo imperador Napoleão; ora
preso por sua vida libertina, ora por suas obras “pervertidas”; dono de uma
personalidade capaz de abarcar aspectos, à primeira vista, considerados
opostos, como a genialidade de seu pensamento e literatura e uma vida marcada
por comportamentos sexuais, marcadamente vistos como “doentio”, não apenas para
sua época, mas mesmo para a nossa: uma época em que pessoas podem trocar de
sexo, e em que os meios de comunicação é capaz de saciar a curiosidade sexual,
seja ela qual for, de qualquer um que possa dispor de tais meios; mas que ainda
recebe sua filosofia com desdém e preconceito. Filosofia em que SADE, por meio
de seus personagens, demonstra toda complexidade e obscuridade da sexualidade
humana.
Em seu romance 120 DIAS DE SODOMA, fato repetido a
quase a exaustão em algumas de suas biografias, SADE relata 600 formas de comportamentos
sexuais incomuns; alguns tirados de seu próprio comportamento sexual, e outros sendo
fruto de relatos impessoais de terceiros ou de viajantes vindo de outras terras
e países. O que demonstra a postura moderna de SADE em considerar a sexualidade
humana independente de convenções sociais ou religiosas.
O sexo visto como caminho
de descoberta e de união entre o humano e algo que o ultrapassa, como era visto
em muitas religiões e filosofias antigas, que divinizavam o sexo, como vínculo
entre o humano e o divino, e que concebiam o sexo como algo natural, isento de
culpa, passou a ser visto de outra forma, com a popularização da religião
cristã e da sua forte ideia de pecado; que radicalmente quebrava esta união,
passando a ver no sexo algo indigno do homem; reprimindo-o como algo satânico;
gerando mesmo em algumas seitas cristãs, castração em massa, como entre os SKOPTSI
russos do século XVIII; ou, no mais das vezes, permitindo-o apenas como ato de
procriação; ideia ainda hoje professada pela igreja católica, implícita em sua
proibição a todos os métodos contraceptivos, menos, claro, a abstinência sexual
- como se fosse possível se excitar sexualmente apenas com a ideia de ter um
filho! -; proibição sabiamente não seguida por muitos. E quando o sexo era
feito sem este objetivo era taxado indiscriminadamente como horrível pecado de
luxúria.
Deste modo, o que era
espontâneo no homem; o que era uma característica natural isenta de maldade,
passou a ser vista de forma imprópria, chegando ao cúmulo de ser proibida ou
vigiada, como aconteceu com o tribunal católico da Inquisição, que julgava,
prendia, torturava e condenava à morte, pessoas que não seguiam as rígidas
proibições católicas sobre o sexo.
Foi contra este modo de
ver o sexo que SADE se revoltou, exigindo que voltássemos a sermos senhores de
nossos corpos e desejos, bem como a vermos o sexo como algo natural ao homem,
isento de culpa ou proibições.
Para SADE o sexo seria
aquilo que mais nos aproximaria dos animais, por isso era taxado de indigno do
homem, já que estes passaram a cultuar religiões que erroneamente concebiam o
homem dividido entre um lado divino e outro animal, entre um lado superior e
outro inferior, sendo o primeiro procurado, estimulado e o outro evitado ou,
mais das vezes, proibido. Portanto, contrariando as proibições cristãs, SADE
nos ensina a não termos vergonha do sexo, procurando-o além dos limites e das
proibições que nos são impostas. O que não deve ser confundido com a simples
promiscuidade. Se assim fosse, SADE jamais seria um filósofo, que como todo
verdadeiro filósofo busca incessantemente o conhecimento e a verdade, mas sim
apenas um homem promíscuo que buscava unicamente o prazer.
Antes de prosseguirmos, e
analisarmos algumas formas extremas de sexo, convém que definamos o que se
convencionou chamar de sexo normal.
O sexo dito normal nada
mais é do que o sexo orientado por regras de condutas morais, com bases, em última instância, em ideias religiosas que, como visto acima, dentro da visão cristã
Católica, por exemplo, permiti o sexo apenas como ato unicamente para fins de
procriação; sendo proibido tudo aquilo que foge desta ideia; sendo taxado de
comportamentos sexuais antinaturais. Portanto, dentro desta visão, seriam
antinaturais: a masturbação; o sexo com animais; o homossexualismo tanto
feminino quanto masculino; o sexo oral e anal, etc.
O “sexo normal” seria
apenas uma mera convenção, um mero acordo de conduta, dependendo de
interpretações pessoais e religiosas; e que, assim como as religiões, seriam
relativas, sendo nenhuma mais verdadeira que a outra; e que mudaria segundo
períodos de tempo, de países e culturas diferentes. Desse modo, o que em um
país seria proibido como algo antinatural, em matéria de sexo, em outro seria
permitido como a coisa mais normal do mundo.
A expressão “antinatural”
como forma de proibição sexual, carece mesmo de sentido; não possuindo nenhum
fundamento na natureza, chegando mesmo a ser contraditória, já que tudo que existe
- inclusive o homem e seus desejos sexuais, por mais diferentes que possam ser
- pertencem à natureza, sendo, portanto, naturais.
O que comumente se chamou
perversão sexual, ou desvio sexual, ganhou modernamente um nome menos propenso
a julgamentos morais ou sentido pejorativo; tais denominações passaram assim a
ser substituída pelo termo PARAFILIA (embora muitos críticos afirmam ainda que tal
termo continua sendo pejorativo na maioria das circunstâncias), nome dado para
atividades sexuais em que o prazer sexual se concentra em atividades, ou em objetos
não relacionados diretamente com o sexo, ou em gostos específicos de parceiros
sexuais, como na PEDOFILIA, em que o
prazer do ato sexual está em praticá-lo com crianças.
Algumas parafilias não
são mais vistas como perversões, crimes ou doenças mentais, desde que não sejam
capazes de substituir o sexo convencional por completo e que sejam praticadas ESPONTANEAMENTE
pelo casal, sem prejuízo para ambos e terceiros; o que, claramente, neste caso,
não condiz com os CRIMES de PEDOFILIA. Portanto, vemos que há tanto
parafilias inofensivas quanto criminosas. Vale lembrar também que mesmo a
excitabilidade sexual, obtido apenas através do mais rígido código moral, é
também considerado como uma parafilia, chamada de NORMOFILIA. O que demostra que, quando se tratando de gostos
sexuais, a classificação entre o que é normal e anormal é extremamente
relativo; bastando lembrar que a homossexualidade e a masturbação já foram consideradas
crimes e perversões, passíveis de tratamento ou de detenção.
As parafilias podem ser
classificadas de acordo com o comportamento ou o objeto inserido no ato sexual,
segundo normas de saúde ou critérios de sociabilidade, indo das que poderíamos
classificá-las como inofensivas, passando por aquelas que classificaríamos como
perigosas à saúde, às de índole violentas e mesmo criminosas.
AS VELAS DE SADE: da sensação de poder ao prazer sexual
No longínquo 3 de abril
de 1768, num domingo de páscoa, uma bela mendiga é levada para uma suntuosa
casa, com promessa de trabalho; ao chegar é trancada em um dos quartos;
posteriormente, é manietada de bruços sobre uma cama; tem seu corpo chicoteado;
em seguida, tem o corpo pinicado por um objeto cortante; o qual derrama
múltiplas gotas de sangue, que escorrem sobre sua pele branca, entre faixas
vermelhas feitas pela ponta do chicote; o sangue é estancado por pingos de cera
quente que caem de uma vela, que é administrado por seu algoz, sobre suas
feridas abertas. Seu algoz é um nobre francês de nome SADE.
O jovem SADE concretiza
neste ato, o ápice de seu sadismo prático. O caso tornou-se conhecido como “o
caso Rose Keller”.
Rose Keller o denunciará às
autoridade da época, descrevendo o que está acima como o ocorrido, embora não
tenha sido a mesma versão dada por SADE. Mas uma coisa é certa: SADE a teria
chicoteado; costume que era tão comum em suas festinhas, e que era também
administrado, com veemente exigência, por si próprio, sobre seu próprio corpo,
por meio de prostitutas pagas para também fazerem este trabalho.
Tais fatos, junto com
inúmeros escritos seus dedicados ao tema, originaram o termo médico SADISMO
(termo dado ao prazer provindo da provocação de dor ou humilhação no outro),
propagado pelo psiquiatra alemão KRAFFT-EBING; termo que também passou
a ser bastante usado como sinônimo de barbárie e crueldade feitas por homens
contra outros homens.
Quando se fala sobre tais
assuntos, quando se lê em matérias de jornais sobre a crueldade dispendida de
um humano sobre outro humano, logo a explicação que surge é que este foi tomado
pela loucura, pela desrazão, pela inconsciência; como se a crueldade só pudesse
existir sob a égide da loucura; é como se nós não quiséssemos reconhecer que
seríamos capazes mesmo em sã consciência de atos extremos de crueldade e
selvageria. Talvez esta seja uma das grandes ilusões que SADE nos ajuda a
esvanecer com seus escritos. E nenhuma situação parece exemplificar melhor o
que é dito do que as crueldades provocadas pelas guerras:
Nestas, homens que
aparentemente pareciam conviverem em respeito mútuo, segundo leis de
convivência, quando quebradas, são tomados pela barbárie, pela crueldade entre
si; de modo que, diferentemente de antes, tudo parece ser permitido: estupros,
infanticídio, massacres, etc. E torna-se impossível falar sobre isso sem tocar
em um grande exemplo: a Alemanha nazista.
O que teria levado uma
das mais ricas culturas mundiais, herdeira dos grandes valores humanistas, tida
como um dos maiores exemplos de civilização, a querer eliminar povos tidos por
eles como inferiores, criando campos de concentração, verdadeiras indústrias da
morte, em que milhares de pessoas eram humilhadas, torturadas e por fim eram
mortas, da forma mais execrável e efetiva possível, por meio de gazes venenosos
que ilusoriamente saiam de chuveiros em pretensos banhos comunitários; vítimas
que eram exploradas ao máximo, tendo mesmo seus corpos aproveitados como
matéria prima para confecção de sabão e sandálias para o exército alemão?
Muitos serviam de cobaias
para experiências macabras, como dissecação enquanto estavam vivos, ou
amputação de seus membros sem anestesia; ou ainda eram jogados vivos em
caldeirões com água fervente, ou expostos ao mais extremo frio, para que os
médicos nazistas pudessem analisar suas reações de dor e o quanto de calor ou frio
podiam suportar antes de morrerem.
E não apenas aos nazistas
pode-se reconhecer este teor de crueldade, ela sempre existiu, e não somente entre
povos primitivos, pois pode-se matar tanto com pedras, quanto com bombas
atômicas, fruto máximo de nossa tecnologia da morte.
Ironicamente, mesmo na
revolução francesa - modelo de ideal político para vários países modernos -,
enquanto SADE estava preso na bastilha, por sua vida libertina, os
revolucionários franceses em nome da LIBERDADE,
IGUALDADE e FRATERNIDADE, massacravam milhares de pessoas pelas ruas de Paris,
ou em praças públicas, decapitando-as por meio da guilhotina; ato que SADE viu
várias vezes pela janela de sua cela, e que certamente influenciou-o bastante
em sua escrita. Chegando ao cúmulo do abade Morellet sugerir, numa assembleia,
que se colocasse à venda a carne dos guilhotinados, obrigando, por meio de lei,
que todo cidadão se abastecesse num açougue nacional, pelo menos uma vez por
semana.
Paradoxalmente, parecia
que a razão tomava forma de insanidade, enquanto aquela se trancafiava,
protegendo-se, em hospícios. O que nos leva a perguntar: afinal de contas, quem
eram os verdadeiros loucos?
Mas talvez de um “louco”,
como era considerado SADE, possa vir a explicação!
Para SADE o PODER É AFRODISÍACO. Isto é, é
estimulante de prazer; um estimulante inerente aos homens, em menor ou maior
grau, que tanto pode dar prazer a um déspota, provocando-lhe orgulho e sentimento
de superioridade perante seus semelhantes, mantendo-o ao máximo no poder; como
também a um assassino, que subjuga sua vítima, forçando-a a se submeter aos
seus desejos; ou ainda ao prazer sexual com que um casal, que por meio de
chicotes e algemas, apimentam a relação à dois com joguinhos sexuais de
submissão e autoridade. Todos tendo a mesma origem: o sadismo inerente ao homem.
Sadismo e masoquismo seriam
mesmo uma das maneiras pelas quais, durante a evolução do homem, a natureza
fundamentara as noções de poder e autoridade; certamente noções bastante
importantes para a sobrevivência do homem durante as primeiras sociedades
humanas; em que a coesão do grupo era de suma importância para a sobrevivência
deste, exercida indubitavelmente pela autoridade de um indivíduo: um líder.
Ideia que é corroborada ainda hoje pela forte relação histórica entre poder e
sexo, pois o sexo seria um dos grandes modos pelos quais o poder poderia ser exercido
sobre alguém – exemplo, uma recente pesquisa estabeleceu que homens podem ter
interesse despertado em mulheres de acordo com o seu tipo de carro. Donos de
carros que demonstram controle e poder tornam-se mais atraentes para elas. Ou
seja, assim como muitos animais que atraem as fêmeas oferecendo-lhes proteção e
repelindo os machos adversários por meio da força, estes machos humanos estariam
atraindo fêmeas por meio do luxo e do conforto econômico, que estes podem
oferecê-las; e repelindo os outros machos de nossa espécie, por meio da
demonstração de que são economicamente mais fortes. Em suma, embora mude os
meios, os métodos são os mesmos para a natureza.
Por outro lado, a fundamentação
da autoridade por meio da mais pura submissão - um instinto que ainda hoje
predispões os homens a obedecerem aos seus líderes - explicaria, por sua vez,
que homens comuns, sem nenhum instinto assassino, colaborem, em tempos de
guerras, com atrocidades, e se tornem assassinos, bastando que um pequeno
punhado de líderes os estimule para tanto, transferindo seus desejos e
objetivos para seus subalternos. O que, por
outro lado, também explica, como um país, com uma imensa tradição cultural
humanista, no nível, então, mais alto de civilização, tenha submergido à
barbárie nazista.
Sacher-Masoch (1836 - 1895)
Se o termo sadismo se
originou do nome do Marquês de SADE, adepto desta forma de atividade em seus
escritos e na própria vida, como já foi visto, o termo masoquismo originou-se,
por sua vez, do nome de outro escritor, do austríaco Leopold von Sacher-Masoch,
que em seus inúmeros livros narra personagens masoquistas. Sacher-masoch era
pessoalmente um masoquista, que teve tal atividade despertada, como muito bem
narra o próprio escritor: na infância, quando ao esconder-se no quarto de uma
tia, no guarda-roupa desta, entre seus casacos de peles, presenciou esta tendo
relações sexuais com um homem. Ao ser descoberto, foi castigado com surras por
ela, enquanto estava entre os casacos de peles, o que o fez durante o resto de
sua vida, relacionar dor, humilhação e casacos de peles ao sexo.
Embora a muitos pareça
descabido que alguém possa obter prazer com a própria dor e humilhação, a
verdade é que o prazer e a dor sempre andaram juntas, até mesmo onde menos
podemos imaginar. Tomemos, por exemplo, as religiões, principalmente aquelas em
que veem na dor e na humilhação, virtudes imprescindíveis a evolução espiritual
e importante modo de submissão a Deus. O Cristianismo é um bom exemplo disso:
A flagelação passou a ser
um ato cotidiano em muitas ordens cristãs; como um modo de mortificação do
corpo e de seus desejos, geralmente desejos sexuais. Não raro, este era o modo
de alcançar êxtases religiosos. Santa Tereza usava a flagelação como prática
diária; através do chicote ela alcançava estados místicos de transe; São
Francisco de Assis dizia: "Humilhação
é o caminho para a humildade e sem humildade, nada agrada a Deus".
Muitos devotos e líderes religiosos cristãos se flagelavam, e prescreviam tal
prática, como São William, São Rudolph e São Dominic. Havia mesmo ordens
dedicadas a tal ato, como a Seita dos Flagelantes, organizada por Santo
Antônio; que ia de cidade em cidade arrecadando novos penitentes, até uma
igreja, onde se flagelavam com chicotes durante horas, em seus dorsos nus; às
vezes chegavam a dezenas de milhares.
Se não era por meio do
chicote era pelo meio do jejum; muitas devotas tornavam-se anoréxicas, e tal
atividade tornava-se muito mais consequência de tal doença do que demonstração
de fé.
Não é difícil de encontrar,
por exemplo, nas vidas dos santos, atos execráveis:
São João da Cruz (1542 –
1591) afirmou, certa vez, sentir prazer em lamber feridas de leprosos; Santa
Catarina de Siena (1347 – 1380) afirmou não ter comido nada tão delicioso
quanto o pus dos seios de uma cancerosa.
Estas palavras foram
pronunciadas por pessoas que são tidas, ainda hoje, para muitos, como modelos
de virtude e de bem viver.
É que as religiões tem o
grande poder de transformar o que seria um ato torpe e execrável, quando não vistos
com os olhos da fé, em um belo ato de devoção e sacrifício, quando inserido em
seu contexto religioso. E o que é tido muitas vezes como meramente um ato de
masoquismo, quando fora da religião, pode ser cultuado como virtude quando
visto pelos olhos da fé.
O prazer da dor, neste
caso, não estaria certamente na forma sexual, como podemos ver em SADE ou em
Sacher-Masoch, mas no PRAZER DO ALÍVIO DA PASSAGEM DA CONSCIÊNCIA DO PECADO, MARCADO
POR TORTURAS PSICOLÓGICAS, PARA O BEM ESTAR DA NÃO-CULPA, já que o
Cristianismo, com sua forte ideia de redimir os pecados, coloca na dor, o
melhor modo. E a capacidade de sentir dor sem reclamar, como uma de suas
virtudes; terminando, enfim, por associar prazer e dor, dor e salvação ou a
total permissão de desejos mórbidos, vistos como virtude; o que certamente
estimularia ainda muito mais nossas tendências masoquistas.
MASOQUISMO: Quando ador torna-se prazer
Enquanto o SADISMO seria
uma relação ATIVA com o poder, com a autoridade; o MASOQUISMO, por outro lado,
seria uma relação PASSIVA com estas formas de atividades. Para o masoquista,
figuras poderosas estariam necessariamente ligados a exigência de punição, pois
tal capacidade seria a própria essência do poder delas, por isso seriam
inseparáveis do castigo. O que explica, por um lado, como já foi visto, tanto a
reação masoquista com relação à religião e à figura de Deus, quanto aos “prazerosos
joguinhos” sadomasoquista entre amantes.
Novamente uma boa
explicação para isso, como bem observou SADE, é que tanto o sadismo quanto o masoquismo,
em menor ou maior grau, são tendências inerente no ser humano, à nossa origem
animal.
Em 1954, um dos primeiros
pesquisadores sexuais, Alfred Kinsey, constatou que mais da metade de homens e
mulheres, reagiam sexualmente com prazer a mordidas: nada muito diferentes de
vários animais. E, talvez, assim como, por exemplo, alguns insetos, como
algumas aranhas, ou louva-deuses, em que o macho se permite, ao fim do ato
sexual, ser subjugado e devorado pela fêmea, tenha também se conservado no
homem a tendência a submissão no ato sexual, identificando dor e prazer. Fato
que parece se repetir continuamente nas mulheres; associação que parecer ter
bases biológicas, já que o papel biológico da mulher está impregnado de dor: da
menstruação, ao defloramento e, consequentemente, ao parto.
É claro que um mesmo
indivíduo poderia abarcar em si tanto o papel de sádico quanto de masoquista.
Sua relação com a ideia de autoridade seria tanto ativa quanto passiva; ele
seria ao mesmo tempo tanto algoz quanto vítima de si mesmo; assumindo a
autoridade de punir a si próprio. Tal relação denomina-se de SADOMASOQUISMO.
Porém, antes de nos
debruçarmos sobre as particularidades da COPROFILIA, é de suma importância
examinarmos uma prática sexual que, embora não considerada PARAFILIA, possuía
uma grande importância para o nobre escritor francês: o SEXO ANAL.
SADE o praticava não
apenas de forma ativa como passiva; e não apenas com homens, mas também com
mulheres. Em Marselha, por exemplo, SADE é denunciado por três prostitutas por tê-las
forçado a açoitá-lo; e depois ter praticado, em cada uma, sexo anal, enquanto
ao mesmo tempo recebia em seu ânus o pênis de seu criado.
A preferência de SADE
pelo sexo anal pode não apenas ser explicado por esta modalidade sexual unir
tanto sadismo quanto masoquismo em uma mesma atividade sexual, quanto à certa
dose de blasfêmia atribuída a ela. O que fez desta atividade o ápice de sua
sexualidade, pois como bem observou Simone de Beauvoir, podemos dizer que toda
a sexualidade de SADE é de teor anal; contendo, pois:
SADISMO - posto que o sexo anal provocaria dor no parceiro; seria a invasão mais
completa da sexualidade de um pessoa sobre a outra; seria o máximo da
intimidade sexual e da conquista, etc.;
MASOQUISMO - o sexo anal permitiria a subjugação do parceiro ou da
parceira, até mesmo simbolicamente, por meio de algumas posições sexuais,
representando a dominação de um sobre o outro; simbolizando a atividade de um
sobre a total passividade do outro, etc;
TRANSGRESSÃO – o sexo anal quebraria valores, principalmente valores
cristãos, como a ideia de que o sexo seria permitido apenas para fins de
procriação, e a ideia de que este seria antinatural.
SADE, por meio da
transgressão, transforma mesmo a blasfêmia em prazer, misturando-a ao prazer
sexual; por exemplo, durante relações sexuais suas, obrigava que suas parceiras
desrespeitassem símbolos cristãos. Vale notar que, em sua época, o sexo anal,
mesmo praticado de modo heterossexual, era considerado crime de sodomia,
passível de detenção e mesmo de morte, tendo tal lei bases cristãs. O que certamente
incluiria um atrativo a mais para SADE: o perigo. Elemento com forte poder de
estimulação, pois como é sabido, ainda hoje: “O que é proibido é sempre mais
procurado”.
Tais elementos reunidos,
pelo menos em parte, seria a própria essência do desejo pelo sexo anal, como
podemos ver ainda hoje em relatos de casais, em que o parceiro pretende iniciar
sua parceira em tal atividade. Para muitos destes, o sexo anal é o máximo da
conquista sexual, principalmente quando tal possibilidade é tantas vezes negada
pela parceira, não raro com argumentos que incluem desde que tal ato causa dor,
é nojento, á afirmação de que é contra a natureza. Negativas que só fazem
aguçar ainda mais o desejo do parceiro. Principalmente em uma cultura como a
nossa que privilegia como modelo de beleza mulheres possuidoras de fartas e
belas bundas, chegando mesmo tal atributo torna-se um meio de alcançar sucesso
profissional, ou econômico, como podemos observar acompanhando carreiras de
dançarinas, ou mesmo na vida cotidiana, em que grande parte dos homens bem
sucedidos aparecerem nos meios de comunicação ostentando mulheres com “belos
traseiros”, tornando as nádegas femininas status social.
Ao atribuir,
revolucionariamente, à transgressão papel coadjuvante ao prazer sexual, e ao
explorar ao extremo os prazeres do corpo, a transgressão terá papel fundamental
no pensamento de SADE, como também em seus escritos. Tornando-se mesmo em
muitas descrições de sexo extremo, em sua literatura, o elemento fundamental; o
que parece refletir bem a realidade, já que muitos desejos sexuais extremos,
praticados na realidade possuem a transgressão e o proibido como elementos
fundamentais; como o sujeito que necessita da sensação do proibido, envolvendo
a não permissão do outro, para excitar-se, como no caso de alguns
exibicionistas que exibem seus órgãos sexuais para pessoas desavisadas, nas esquinas,
em frente de escolas; em geral para pessoas estranhas ao seu convívio. O
elemento de surpresa e de não permissão, que está por trás de seu ato proibido,
são os elementos que o excitam. Fato que não aconteceria se fosse visto por
ele, ou por outras pessoas, como algo natural e permitido. A transgressão é o
princípio deflagrador e excitador de tal ato. Originando
também atos modernos como comportamentos sexuais autodestrutíveis, como os
praticados pelo movimento de homossexuais masculino denominado de BAREBACKE, em
que o prazer sexual está em transgredir normas de saúde, possibilitando assim a
transmissão e a infecção pelo vírus da AIDS, por meio do relacionamento com
indivíduos desconhecidos, principalmente com indivíduos já infectados pelo
vírus da AIDS, sem uso de preservativo.
COPROFILIA é a atração sexual por fezes humanas; que pode ser
acompanhada, muitas vezes, por COPROFAGIA;
que, por sua vez, significa o prazer sexual em ingerir fezes.
Como em todas as formas
de extremismos, em que uma atitude extrema é alcançada gradativamente por meio
de graus menores de extremismos, o sexo anal e a anilingua (manipulação anal
por meio da língua) poderiam ser mesmo visto como um caminho que levaria do SADISMO e MASOQUISMO à COPROFILIA,
já que este tenderia a proporcionar contato com fezes humanas.
Seguindo esta linha de
raciocínio, a COPROFILIA seria a culminância de um processo de associações
graduais, em que, a princípio, o futuro coprófilo sentiria atração normal por
nádegas, e, gradualmente, estenderia seu desejo ao ânus; em seguida, movido por
meio de associações e TRANSGRESSÕES graduais, teria sua atração voltada para a
defecação do ser desejado; culminando, finalmente, no prazer de manusear,
cheirar, ou até mesmo ingerir fezes humanas.
Há que se levar em conta
também outros elementos, como o FETICHE;
uma atividade profundamente simbólica, relatado mesmo por muitos praticantes de
tais atividades; em que as fezes humanas ganhariam uma proporção gigantesca de
simbolismos e metáforas em relação ao ser desejado. E em que o contato com as
fezes seria visto como “uma oferta de profundidade do interior de um desejável
corpo, tornando-o muito, muito íntimo”. Seria como um canibalismo simbólico, em
que o contato com as fezes, a ingestão desta, seria como a absorção simbólica
do objeto do desejo em seu grau máximo de intimidade.
Há também, sem dúvida, um
ato de desafio, de proibido, em tal atividade que a muitos, em si,
representaria um estímulo a mais.
Para alguns masoquistas o
ato significaria submissão e auto degradação simbólica ao ser amado. Por isso,
tal prática novamente teria um grande valor em comportamentos religiosos.
Aqui novamente, o que
para muitos seria considerado repulsivo, tornar-se-ia um ato santo quando visto
pelos olhos da fé cristã, ou não seria melhor dizer: quando visto pelo MASOQUISMO CRISTÃO? Como podemos ver em
alguns casos:
Santa Marguerite-Marie Alacoque
(1647-90), transformava vômitos de doentes em seu alimento; mais tarde ao
ingerir fezes de uma doente, declarou que tal ato suscitava nela visões, em que
esta aparecia atrelada com a boca nas chagas de Cristo.
O profeta Ezequiel, foi
ordenado por Deus a comer fezes humanas: “E o que comeres será como bolos de
cevada, e cozê-los-ás sobre o esterco que sai do homem, diante dos olhos
deles.” Ezequiel 4:12. No entanto, este ao protestar, Deus muda de ideia, porém
sem mudar de método: “Vê, dei-te esterco de vacas, em lugar de esterco de
homem; e sobre ele prepararás o teu pão.” Ezequiel 4:15.
Como foi visto, algumas
parafilias não são mais vistas como perversões, crimes ou doenças mentais,
desde que não sejam capazes de substituir o sexo convencional por completo e
que sejam praticadas ESPONTANEAMENTE pelo casal, sem prejuízo para ambos e
terceiros; havendo mesmo muitos que advogam que o sadomasoquismo praticado por
casais não sejam mais rotulados como parafilia.
O sexo como atividade
humana, não se prende a um modelo único, como o modo correto de ser feito,
rotulado de normal; ele abarca certo grau de subjetividade e fantasia que tal
ideia não pode conter. Sendo que o que se convencionou de normal dentro da
sexualidade humana, como a ideia católica do sexo apenas para fim de
procriação, revela-se como uma ideia equivocada e, como mostra a história, mesmo
perigosa. O sexo possui, por exemplo, como é visto no reino animal, papeis que
vão além da própria procriação, ele promove a sociabilidade entre os indivíduos,
e uma hierarquia social, natural, que identifica no líder a coerção do grupo,
etc., comportamentos fundamentais para a manutenção da vida de muitos animais,
inclusive o homem.
Dentro de um rígido
sistema moral, a transgressão passa a tornar-se um elemento fundamental, pois
mesmo que a única lei que vigorasse na natureza fosse a lei da força bruta, tal
lei não seria causa de perversões sexuais, já que a transgressão, como elemento
principal, deflagrador da perversão, não existiria, pois para que houvesse tal
elemento, seria preciso que o sujeito transgredisse leis morais. O que só pode
existir em sociedades com definido e rígido sistema moral. Aí está a grande
sacada de SADE: as perversões são frutos da sociedade. De uma sociedade que ao
proibir o que é natural no homem, como o desejo sexual, acaba, enfim, por
intensificá-lo. Pois, bem sabemos que, tudo que é proibido é mais procurado.