DISCURSO DE UMA LIBERTINA
“Sabeis onde fica a alma da mulher, meus caros amigos? Pois em troca destes goles de vinho, lhes contarei um segredo: fica em seu mais íntimo orifício. Foi o que pude descobrir com minha própria história.”
O público aquietou-se.
“Sei que muitos, ao me ouvirem, me chamarão de puta, mas se puta é fruir livremente de seus desejos e ter liberdade para descobrir o próprio corpo, sou sim uma, e disso muito me orgulho. Bem melhor que as virtuosas e hipócritas sem liberdade que a machista e hipócrita sociedade coroam-nas tão injustamente. Pois a um jovem tudo se torna lícito em tal matéria, e quanto mais fodem, mais se tornam estimados e famosos, tornando seus pais orgulhosos. Mas se a uma jovem é dado tal papel, é degradada, humilhada, proibida de exercer suas próprias funções biológicas. A natureza, senhores, não é machista. E, assim, prefiro ser uma puta feliz do que uma virtuosa tolhida.”
A multidão delirava e aquietou-se novamente, enquanto Domène retomava suas palavras:
“Porém, ao iniciar-me na grande arte do amor, ainda bem novinha, deparei-me com certos obstáculos que impediam que uma ‘moça direita e recatada’, seja lá o que eles entendem por isso, pudesse fruir bem de sua vida. O que me obrigavam a seguir certas leis rígidas. Leis que eram uma garantia de nos mantermos virgens até à noite de núpcias. E como nada segura nossos maravilhosos instintos, consequentemente, encontrei modos de fornicar sem fugir um segundo, como bem queriam, das odiosas leis do hímen. E assim, encontrei outras serventias para partes específicas de meu corpo: com as mãos tornei-me uma grande masturbadora” – disse, fazendo gesto similar com as mãos -, “que muitos diriam, não sem razão, ser uma mulher de mão cheia, pois era capaz de masturbar dois homens ao mesmo tempo.”
“E portar um membro entre os seios” – disse a mulher balançando os seus com as mãos – “era uma maravilha; ao friccioná-lo entre as mamas, levava os homens ao delírio. Ou levar entre as coxas era um substituto sem igual que simulava bastante um verdadeiro coito, chegando mesmo a enganar os mais tolos. Mas nada que se comparasse ao prazer deste orifício tão social que é a boca, não apenas a minha, mas também de outra pessoa. É simplesmente inacreditável o que se pode fazer com ela, senhores! E quando se junta belas e quentes palavras a uma boca habilidosa, é simplesmente uma loucura!”
“Assim, a língua alheia tornou-se como um pequeno membro que, embora extremamente flexível, era capaz de prazeres indescritíveis, e que jamais, por mais que se empenhasse em tal arte, me botasse em perigo com as nefastas leis do hímen. A minha tornou-se, por sua vez, como que um útero que incessantemente recebia as sagradas sementes da vida. E, como um acréscimo, logo me voltei para outro orifício. O que parecia como uma descoberta natural, já que este é o término do orifício anteriormente dito. Descobri então o quanto tal orifício é desejado e, ocultamente, querido!”
As pessoas voltavam a se manifestar novamente, interrompendo-a momentaneamente com aplausos e gritos; e após a multidão se acalmar, a bela mulher, em seu vestido branco, esvoaçante, sobre o palco, retomou novamente sua narrativa:
“Quantas meninas não se iniciam desta forma, até mesmo as mais comportadas! Era como se, por mais que um homem possuísse uma mulher, ele jamais a teria verdadeiramente possuído se não a tivesse ainda aí penetrado” - disse a mulher, de costas para o público em delírio, com a coluna dobrada, o vestido levantado, separando com as mãos as nádegas em direção a todos. Após desfazer-se de tal posição, enquanto os presentes novamente se acalmavam, continuou mais uma vez:
“Era o símbolo total da conquista, o máximo da intimidade física, a vitória total dos desejos sobre as imposições morais e religiosas. Além, claro, do prazer por algo proibido. Sem contar, também, do status social adquirido, pois um homem com uma mulher com uma bela bunda significava um símbolo de sucesso, e para uma mulher com tal propriedade era uma chance a mais para que não passasse seus dias perdida, tomada pela miséria, mas com um rico admirador ao lado.”
Domène fez uma pequena pausa e, após tomar alguns goles de vinho, voltou a suas palavras:
“E para os homens era fundamental saberem que era a primeira vez que uma mulher praticava tal ato. Aliás, não somente para esse, mas para todos os outros. Fingia, por exemplo, pegar num membro com a mão frouxa, flácida, com vergonha, mesmo sabendo que para o homem era desejoso que o apertasse, que o friccionasse com ardor, e aguardava como quem não soubesse de nada, que eles, com o tom de voz de quem conhece tudo, me pedissem para apertá-los, friccioná-los. Ah!, como era importante para eles! Talvez se sentissem como um Colombo a descobrir a América, um desbravador de novas terras, um conquistador de terras virgens, deixando sua marca na memória de sua conquista. Ou como um educador que se diverte compartilhando o prazer de novas possibilidades com alunas. Mas a primeira vez só acontece uma, e eu me divertia a enganá-los insinuando dor e inexperiência. Para tanto, era necessário não tomar a iniciativa, fingia deixar as rédeas em suas mãos. Ah, como eram tolos! E assim, segui minha vida...”
“Porém, logo me casaram com um homem velho, que pôs à prova minha virgindade logo na primeira noite, sem tirá-la, mas apenas tateava com seu dedo horrível. Tal ato tornou-se uma rotina para ele. E todas as noites lá estava o velho a tatear-me. Parecia-me que apenas lhe importava isso. E embora este me fornecesse uma vida estável e segura, como tanto queria minha família, na arte do amor, como podem ver, era bastante frio, insípido e decrépito, tanto que, mesmo após alguns dias, ainda me mantive virgem. Então resolvi perdê-la com o primeiro desconhecido que me agradasse.”
A pequena multidão vibrou em uníssono.
“O que me levou, após o feito, imediatamente a conceber um plano: embebedei o velho, e com a ajuda de algumas substâncias vermelhas que encontrei na cozinha, simulei sangue sobre a cama e sobre minha vagina. E aquele, ao acordar na manhã seguinte, pôde verificar seu grande feito. Ah!, isto deixou o velho feliz pelo resto do dia; pareceu-lhe como se um gênio em sonho lhe tivesse concedido um último pedido, pedido que jamais se realizaria novamente.”
Risadas e gargalhadas preencheram o lugar neste instante novamente.
“E assim pude fluir ainda mais do que me faltava, abandonando definitivamente as horríveis leis do hímen. Decidi, então, ter dois amantes que nunca tinham se visto. Amantes que se revezavam todos os dias para manter-me no mais belo prazer da vida. Pois bem...”
“Aconteceu-me certo dia que o primeiro amante atrasou-se a mais um encontro. E enquanto nos amávamos de modo invertido, estando eu sentada, levemente inclinada sobre seu membro, estando este, por sua vez, deitado sobre a cama, eis que exponho aquela parte de que tanto agrada aos homens à entrada do quarto. Tendo o segundo amante chegado neste instante, surpreendeu-se com tal cena. O que o fez imediatamente perguntar-me: ‘O que é isso, mulher, que deslealdade é esta comigo?’” – disse Domène, imitando voz e gesto de homem. “O que me fez responder-lhe sem tirar o membro de mim: ‘Vamos, tome, contenta-te com o que agora te resta, pois sempre tem lugar para mais um!’. E ele, após meditar um pouco, não desperdiçou nem um pouco o momento propício.”
Gargalhadas e risadas preencheram novamente o lugar. E mais uma vez o público calou-se enquanto a mulher finalizava:
“Assim, pude amar dois homens ao mesmo tempo. E agora lhes digo, está ou não a alma feminina neste pequeno orifício, capaz de duplicar-me e amar dois homens ao mesmo tempo?”
Texto baseado no conto de Sade “Há
Lugar Para Dois”, tirado do meu romance: Sexo, Perversões e Assassinatos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário