Fazer literatura no
Brasil não é tarefa fácil, principalmente se você for um escritor marginal,
vivendo à margem das grandes mídias e dos poucos incentivos à cultura de nosso
país. Em geral, não basta apenas ter uma boa escrita ou uma boa história pra
contar, é necessário que você banque seu trabalho, seja seu editor, faça também
sua própria propaganda, se autopromova, que inclui, algumas vezes, até resenhar
seus próprios livros.
Pensar viver então de literatura
em um país em que a cultura e a educação são vistas como luxo, ou algo desnecessário,
e que além dos milhares de analfabetos que mal conseguem escrever o próprio
nome, há também as centenas de milhares de analfabetos funcionais que leem mas
não conseguem entender o que estão lendo, parece ser uma missão quase
impossível. Mas o pior de tudo para mim ainda é o culto à ignorância que há no
Brasil, que vê o escritor ou o leitor como alguém que não tendo o que fazer
escreve ou lê: um vagabundo.
Recentemente, eu
perguntei a uma pessoa se ela gostava de ler, ela me disse que não tinha tempo
para tal atividade e que, ao contrário de mim, tinha que trabalhar.
Retruquei-lhe, então: “Mas nem mesmo com todos estes finais de semanas, em que
vejo você com o copo na mão, não lhe sobra tempo?!”. Ela ficou calada.
E como se tudo isso não
fosse o bastante há ainda a indiferença forçada dos outros. Muitas vezes, por
exemplo, cheguei com meu livro, em meio a conhecidos e bons leitores, e, mesmo
tendo comentando ter lançado o livro, nem um se indignou a puxar conversa a
respeito de sua história. Esta frieza parece não combinar com pessoas que
gostam de literatura, mas isso me parece ser algo muito mais ligado ao próprio
ser humano que a uma cultura específica como a brasileira. Mas é algo que
atrapalha muito novos escritores já que trava a possibilidade de uma cooperação
mútua.
Há também um fato que
penso se tratar apenas de países de terceiro mundo, e que muitas vezes acontece
também nas artes cênicas: a confusão entre autor e obra.
Pude acompanhar, algumas
vezes, relatos de atrizes que, tendo interpretado vilãs na televisão, eram
maltratadas em público com xingamentos por pessoas que tomavam as dores de
seus personagens preferidos. Isto também acontece na literatura, principalmente
com escritores que se dedicam a temas que fogem dos conceitos usuais de moral
ou de normalidade. A escritora Ilana Casoy bem sabe disso, tanto que após
centenas de perguntas sobre por que escrever sobre serial killers resolveu
escrever em seu livro:
“Antes que você entre na
fila dos que já me perguntaram, com olhos esbugalhados e uma indisfarçável
desconfiança, por que eu escolhi um assunto tão “chocante”, “mórbido”,
“sanguinário”, “cruel”, “doloroso”, “perigoso”, “pungente”, “angustiante”,
“desumano”, “problemático”, “assustador”, “patológico” e outros tantos
adjetivos utilizados para explicitar a perplexidade que um crime sem motivo
logico pode causar; aqui vai uma pequena história...”
Penso que Ilana quis
dizer com “indisfarçável desconfiança” a confusão de que acabamos de falar,
entre autor e obra. Ou seja, muitos veem Ilana Casoy com os “olhos desconfiados”
de alguém que obtém tanto prazer com a descrição destes crimes quanto seus
próprios autores. Grosso modo: para estas pessoas o escritor e sua obra tornam-se
uma coisa só. O que faz com que Ilana e os serial killers retratados em seus
livros sejam vistos quase como a mesma coisa.
E quando o tema é sexo
então a coisa torna-se muito mais grave.
É impressionante como a
maioria das pessoas não consegue falar a respeito de sexo sem introduzir piadas de muito mau
gosto ou, quando muito, ofensivas. Isto quando não há a pestilenta confusão
entre autor e obra. Eu, por exemplo,
escrevi um livro baseado em Marquês de Sade, um livro que descreve desejos
sexuais extremos, como sexo com animais, sexo envolvendo secreções humanas; são
desejos que pertencem ao universo de Sade, transposto para a modernidade dos
sites pornô da internet. E assim como Ilana casoy, muitas vezes, experimentei
na própria pele os efeitos nefastos deste maldito preconceito. Ouvi várias
vezes comentários desagradáveis que me identificavam com o assunto abordado em
meu livro, como se eu fosse um dos meus personagens. Este modo de pensar
desestimula a literatura tornando-a uniforme, e também ao autor que muitas
vezes se torna motivo de piada em um pais com muitos preconceitos e sem cultura,
que parece ser incapaz de diferenciar o criador de sua obra.
E quando o escritor, após
ter passado por todas estas dificuldades, parece ensaiar seus primeiros passos
na vida profissional há ainda a pirataria, que no Brasil cresce sem qualquer
limite, e que acaba, infelizmente, prejudicando muitos escritores no começo de
sua vida profissional, pois o escritor, como qualquer outra pessoa, precisa
também pagar suas contas.
O escritor já ganha
bastante pouco com sua obra, em geral, quando muito, ganha 10% do preço de cada
livro vendido. Isto significa que de cada livro vendido por, digamos, 30 reais
apenas 3 reais é dado ao escritor. O que penso ser um absurdo, pois sem ele o
objeto de venda não existiria.
Muito já foi discutido
sobre a pirataria na área da música, com alguns a favor, outros contra, mas a
verdade é que, quanto a pirataria de livros, a situação do escritor é bem pior
que a do músico, pois mesmo que se tenha pirateado cd’s de música resta ainda
ao músico arrecadar dinheiro com seus shows, e ao escritor o que lhe resta com este
terrível descaso com a cultura? Leituras de suas obras em praças, com seu
chapéu virado a catar as moedas do público?
Mas se apesar de tudo isso
você ainda quer ser escritor no Brasil, leia o que Charles Bukowski tem a lhe
dizer:
se não sai de ti a
explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem
perguntar do teu
coração da tua cabeça da
tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas
sentado
a olhar para um ecrã de
computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro
ou fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra
vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar
em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como
outros escreveram,
não o faças.
se tens que esperar para
que saia de ti a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a
gritar,
faz outra coisa.
se tens que o ler
primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer
que seja,
não estás preparado.
não sejas como muitos
escritores,
não sejas como milhares
de pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem
aborrecido e pedante,
não te consumas com
auto-devoção.
as bibliotecas de todo o
mundo têm bocejado até adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da tua
alma como um míssil,
a menos que o estar
parado
te leve à loucura ou ao
suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro
de ti
te queime as tripas,
não o faças.
quando chegar mesmo a
altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a
acontecer
até que tu morras ou
morra em ti.
não há outra alternativa.
e nunca houve.
Super...Curti mil vezes!!
ResponderExcluirVc disse tudo...
É impressionante como as coisas sem conteúdo, tem mais espaço nas mídias que a arte escrita ou musicada, conheço ótimos músicos no meu convívio social que estão a anos insistindo na sorte de um dia sobreviverem de suas artes e serem reconhecidos... não só os músicos, meus amigos poetas e artistas plásticos sofrem tbm dessa falta de oportunidades. Sobre esse lance de sofrer preconceito ou ser rotulado por gostar de leitura nos dias atuais eu entendo muito pq sinto isso na pele, hoje em dia ninguém mais tem assunto a não ser as novelas da TV e lamento,pq é uma pena não ter com quem discutir ou conversar sobre poesias e cronicas urbanas, sinto que estamos vivendo na época das coisas fáceis. Ler, ouvir uma boa musica e pensar se tornou algo luxuoso demais pra quem vive com pressa e "sem tempo". Sinto-me agraciada todas as vezes que venho aqui e leio suas crônicas e as maravilhas que encontro nesse blog. Não desista e lembre-se que sempre existirá pessoas que não perderam a capacidade de apreciar uma boa leitura... Vc é bom nessa arte, parabéns!!
Charles Bukowski com certeza iria adorar fazer parte disso tudo aqui, ate acho q algumas cronicas que leio por aqui tem essa veia bukowskiana.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObrigado pelas palavras. E quanto a leitura, temos o Bornal para dividirmos nosso gosto pela literatura.
ResponderExcluirEstamos apenas começando, brother. Não precisamos de afirmação porque temos voz, temos coração e temos, principalmente, muita bala na agulha pra derrubar essa caretice, toda essa rigidez cadavérica, preguiçosa e rude. Somos um grupo unido e brando, conciso. Essa precariedade de percepção de alguns "inteliGUENtes" não nos interessa, nem representa. Vivem dentro de uma realidade inexpressiva, sem complexo cultural (e talvez, político) a defender. Eles nos subestimam, mas nós conhecemos todos eles. Sabemos como agem, pensam, comem e bebem (por pura falta de opção). A gente vai ficar, meu irmão, mas eles... vão se FODER, evidentemente.
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