Da
série: Cadê minha vó? Jesus maria josé...
Lá pelos idos de 198epouco a minha vó paterna, a vó Dária que morava em Manaus,
veio realizar seu sonho de filha de Maria, que era uma vez na vida assistir ao
Círio de Nazaré.
Eu nunca fora muito religioso, e nessa época estava cada vez mais longe das festividades
religiosas, mas como minha vó tinha se descambado pra cá com essa intenção. E
fui eu e minha irmã mais nova levá-la pra ver a passagem da Santa, nem que
fosse de longe.
Eu disse a ela que era perigoso chegar muito perto, por causa da forte correnteza
humana que, em alguns pontos do percurso, virava uma tormenta. Eu já tinha
passado por dois percalços e nos dois, quase sucumbi à fé e me desgracei nos
pés da multidão.
A primeira vez foi quando minha mãe disse: - Vamos ver a passagem da santa lá
na Pres. Vargas, ali perto da Enasa. Ficamos num canto esperando e quando a
onda humana realizou a curva ferozmente, jorrou gente em cima da gente, fomos
arrastados e ficamos esmagados na parede do prédio da Importadora e numa luta
sobre humana conseguimos sair e escapar pela rua lateral. Em menos de cinco
minutos minha camisa amarela nova comprada na Makell virou um trapo. Todo mundo
se olhando de olho arregalado e depois minha mãe disse: - Nossa, quase a gente
morre!
Passaram-se os anos e um pouco mais velho resolvi esperar a Santa na praça
matriz. Calculei mal a minha travessia com a chegada da multidão no CAM em
frente ao Cine Nazaré e fui pego por uma tormenta de romeiros que me carregaram
uns metros com os pés suspensos e os braços abertos em desespero. Fui salvo,
quando passou perto de mim um poste e me agarrei nele. Colei agarrado que não
tinha bombeiro que me tirasse dali.
Então, já tinha no currículo vasta experiência dos perigos da massa ciriana pra
quem não conhece a sua força. Assim, prudentemente ficamos na esquina da
Generalíssimo Deodoro com a José Malcher, olhando a procissão passar. Mas minha
vó tomada pela emoção de estar vendo o Círio ao vivo, disse pra minha irmã:
-Vamos ver um pouquinho mais de perto.
Eu disse: - vou ficar aqui e esperar. Não vou não. Cuidado! Não vão muito
perto!
E assim sumiram na multidão que andava em direção à Av. Nazaré.
Depois de passado o burburão de gente, minha irmã voltou só e eu perguntei:
- Cadê a vó?
Ela disse: - Sumiu na multidão e foi arrastada pela procissão. Ainda
percorremos às ruas transversais pra ver se achávamos, mas nada de encontrar a
pobre senhora de 70epoucos anos. Depois de muito procurar voltamos pra casa
depois de uma hora da tarde, mortos de cansaço.
-Cadê tua vó? Perguntou minha mãe.
- Sumiu no Círio, respondi. -E agora?
Ligamos pra polícia e denunciamos o desaparecimento de uma vó assim, assado,
frito, tudo. E esperamos angustiados.
E deu três, deu quatro, deu cinco, deu seis, deu sete, deu oito horas da noite
e nada de minha vó retornar.
De repente ouvimos um gritinho fraco. Alguém disse: - É a vovó!
Morávamos num prédio na Av. Almirante Barroso que tinha quatro andares. Ao lado
tinha outro, exatamente igual, também de quatro andares. O nosso, o edifício
Walena tinha o portão de entrada pela Av. Almirante Barroso e o outro pela
Alameda Bancrévea. Nisso meu irmão desceu e ouviu o grito mais forte da minha
vó. Quando ele chegou na garagem e ouviu novamente o grito, subiu um muro, não
muito alto que separava os dois prédios e viu minha vó do outro lado, segundo
ele branca como um fantasma. Saiu correndo do nosso prédio, deu a volta e
entrou no outro e quando lá chegou ela desapareceu!
Ele voltou branco dizendo que tinha visto o fantasma de nossa vó.
Então eu disse: - Deixa que eu vou ver isso. E corri pra baixo.
Quando cheguei no prédio ao lado, perguntei pra um morador se ele tinha visto
uma senhora idosa assim, assada e coisa e tal. Logo, olhamos pra escada e lá
vinha uma moradora trazendo minha vó segurando seu braço e a bichinha mais morta
do que viva. Coitada.
Fiquei aliviado por ver que ela estava bem. Tremendo, me contou a história de
como voltara pra casa. Quando se viu só ficou desesperada e pra explicar aos
policiais aonde ela morava foi um problema porque ela não conhecia a cidade,
nem tinha o nosso número do telefone. Mas acabou chegando, não sabemos como. A
levei pra casa e depois do susto, tudo ficou bem.
Anos depois ela se converteu ao evangelismo e faleceu pertencendo à Assembléia
de Deus.
Muito justo, pensei.
Muiiito bom, que chega a ser engraçado...:))
ResponderExcluirIsso daria um enredo perfeito pra uma peça teatral!!
Pode ser meio... sei la, cruel? mas tirando o sufoco da senhora pq perder-se numa procissão de círio não é pra qualquer um não e sair ilesa? eu to rindo ate agora, mas eu juro não gostaria de estar na pele nem dos netos e nem da avó. Do círio eu só gosto das festas que antecedem e das comidas, acho lindo emocionante, mas não arrisco meu couro em acompanhar cortejo nem pelo cacete, ao ler isso eu imaginei a cena e é inevitável não rir. perdão ;))
Obrigado pelo comentário Sandra. Apesar de trágico na época. Depois rimos morrendo de pena de minha vó. Mas apenas pq não houve nenhum dano no acontecido. E eu escrevi com este intuito, de mostrar a parte cômica da situação.
ResponderExcluirbjs
Emmanuel
Acho q sua avó onde quer que esteja esta lembrando e rindo tbm do susto que deu em vcs.
ResponderExcluirMinha única tentativa de acompanhar uma unica vez o Círio foi um desastre, a unica lembrança q tenho desse dia foi que os dedos de meus pés sofreram a maior tortura pra sádico nenhum botar defeito, perdi um par de tênis e a coragem junto.