Muito
antes do diretor Tim Burton fazer o seu magnífico filme "A Noiva
Cadáver", uma antiga lenda fantasmagórica da cidade de Belém já narrava o
noivado entre um jovem e um fantasma de mulher, presente no livro "Visagens e Assombrações de Belém" de Walcyr Monteiro.
Convido
todos a conhecerem esta curiosa lenda que, por sua semelhança com a história do
filme, foi ilustrada com seus personagens:
Noivado Sobrenatural
Neste
estado, Pedro caminhou sem destino durante muito tempo. Passava pelas pessoas
sem ver, tropeçava às vezes em buracos ou simplesmente dava topadas nas
calçadas das garagens, em nível ligeiramente mais alto que o pavimento,
soltando, nestes momentos, exclamações pornofônicas.
Pode
fazer suas contas... não vai dar certo... pode fazer suas contas... não vai dar
certo....pode...
— É,
a gente bem que não quer acreditar nestas coisas, bem que se diz que é
besteiras e crendice do povo. No entanto, duas desgraças foram acontecer logo
hoje, sexta-feira de Agosto.
É
muita coincidência junta. E meu horóscopo bem dizia "Cuidado com o dia de
hoje. Relações tensas no local de trabalho, podendo haver discussões com superiores.
No amor, estremecimentos com a pessoa amada. Evite encontros com estranhos ou
desconhecidos. Muita cautela e adie as decisões". Só que não decidi nada.
Decidiram no meu lugar e recebi dois bilhetes azuis: do patrão e da namorada.
Que dia mais nefasto.
E
Pedro pensava nos enlevos amorosos com sua terna Letícia, em seus beijos, em
sua carícias... Na verdade, não podia compreender com aquele namoro de mais de
2 anos, com data marcada para o noivado, pudesse terminar tão bruscamente. Não
se aborrecia tanto com o fato de haver sido despedido, mas com o término do
namoro, não se conformava. E se perguntava "Por que Letícia, por
quê?". Quarteirões sucediam quarteirões, e Pedro não dava por isto. Em sua
depressão, não notava que o tempo começava a modificar-se. A lua havia sido
coberta por nuvens escuras e não mais se divisava estrelas no céu. Um vento
frio, anunciador que forte chuva cairia sobre a cidade, batia no rosto de
Pedro, sem que disto desse acordo.
De
repente, como se houvesse despertado, notou que se achava bastante longe de sua
residência. Olhou ao redor e para o céu, sentindo-se mal. Não sabia em que
bairro se encontrava. Teve consciência apenas da chuva que cairia e que teria
de sair dali o quanto antes.
Á
medida que se afastava, seu mal-estar aumentava: não era comum, era algo
indescritível, que fazia os pêlos de seu corpo se eriçarem. Pedro sorriu
amargamente, quando seus dedos, no bolsinho do lado esquerdo da calça, tocaram
nas duas alianças que levara, a fim de Letícia experimentar. Mas ela não lhe
dera esta satisfação e nem mesmo oportunidade de poder tirá-las.
Relâmpagos
riscavam o céu, seguidos de ensurdecedores trovões. Quando as faíscas elétrica
apareciam, de relance Pedro via as árvores e a vegetação das casas vizinhas,
que faziam com que seu mal-estar aumentasse. La acelerar o passo, quando
sentiu-se observado. Parou. Olhou para todos os lados e não viu ninguém.
—
Decididamente, hoje não é meu dia, pensou.
Repentinamente,
como se saísse do nada, ouviu aquela voz argentina:
—
Bô... boa noite!
—
Você parece que está muito triste e assustado. No entanto, não creio que um
rapaz como você tenha medo de uma moça.
—
Não! Não é medo não! Apenas olhei para lá agora mesmo e não lhe vi.
— Eu
o estava observando já há algum tempo. Você não me viu porque eu estava atrás
da árvore.
Raios
seguidos de trovões continuavam e já uma fina chuva começava a cair. Pedro não
estava muito interessado naquela conversa. Mas a moça o envolveria de tal
maneira, que não sabia despedir-se. E foi convidado por ela para ir à sua casa.
Pensou um pouco antes de responder. Depois, verificou que não sabia onde se
encontrava e resolveu aceitar o convite, nem que fosse só para passar a chuva.
Caminhavam
lado a lado, suas mãos roçaram e foi o suficiente para que o Pedro segurasse a
dela, com total anuência da moça. Aliás, a conversa desviara o pensamento de
Pedro de seu ex-emprego e também de sua ex-namorada. Começara a olhar para
moça: morena clara, cabelos negros, olhos castanhos, era de suave beleza.
Demonstrava ter forte personalidade e sua voz era uma das coisas que mais lhe
agradavam. Não tinha nenhuma aparência de ser de aventura, muito pelo
contrário, era de fina educação e parecia a imagem da pureza.
Finalmente,
chegaram à casa. Mal entraram, violenta chuva, característica das regiões
equatoriais, desabou sobre Belém. Raios a trovões continuavam, e Pedro, olhando
pelas vidraças, achou, mais do que nunca, aquela noite lúgubre.
— E
seus pais? — perguntou.
—
Não se preocupe, eles não estão aqui.
—
Mas... você está sozinha?
— É
o que parece, não?
Sentaram-se
no sofá, mãos entrelaçadas. Pedro, embora melhor, continuava desassossegado.
Apesar do carinho da moça, do tratamento que estava recebendo, a impressão que
sentia era a mesma que se sente nos pesadelos.
O
temporal agora estava mais violento, e lufadas de vento traziam grossas gotas de
chuva contra as vidraças.
Provocado
pela moça, Pedro contou suas desventuras. A moça acalentava-o. Afinal, Letícia
não era a única moça da face da terra, assim como o emprego que perdera. E
"Deus escreve direito por linhas tortas". Naturalmente encontraria
nova namorada e empregos melhores.
—
Eu? Ora, eu não soube o que foi amar...
— Heim?
Não soube?
—
Quero dizer... não sei ainda o que é amar.
O
tempo verbal empregado pela moça, que a esta altura Pedro já sabia chamar-se
Maria de Souza Oliveira, fez o mal-estar do rapaz aumentar. Sentia agora a moça
como se fosse um ímã, destes empregados em brinquedos de criança, que ora
atraem, ora repelem. Ao mesmo tempo em que sentia-se atraído por Maria, pensava
que devia afastar-se, embora não tivesse, aparentemente, nenhum motivo para
isto. Afinal, Maria era tão meiga...
E
esta meiguice fez com que ele aceitasse seu convite para dormir. Cerca de 23:30
horas. Ao ir para o quarto de Maria, a chuva aumentou sua força. Parecia
verdadeiramente tempestade.
Trovões
sobre trovões faziam a casa estremecer. Deitaram-se juntos e a proximidade dos
corpos fez com que se entrelaçassem. Com toda a inquietação que sentia Pedro
desejou-a...
—
Afinal, posso dizer que já amei... disse Maria.
—
Mas você... você... era virgem?
—
Disse bem: era, pois agora não sou mais...
Maria
parecia a mulher mais feliz do mundo. Pedro estava atônito. Os acontecimentos
de sexta-feira culminaram de maneira inesperada... Lembrou-se das alianças que
tinha no bolso. Tirou-as.
—
Olhe... quero que aceite como nosso noivado. Casaremos assim que consiga
emprego.
Maria
sorriu, colocando a aliança no anelar direito, e tirou pequeno anel com pedra,
dando-o ao rapaz.
—
Guarde como lembrança minha. É para não se esquecer de mim. O rapaz colocou o
anel no dedo mínimo. Maria beijou-o: Você me fez muito feliz. Espero que eu
também o tenha feito. Não gostaria, nem mesmo sem querer, de lhe fazer o menor
mal.
Pedro
respondeu ao beijo, estranhando, porém, as palavras de Maria. Mas foi trocando
juras de amor que adormeceram abraçados. Pedro guardou a última frase de Maria.
—
Jamais me esquecerei de você...
Lá
fora, o vento frio soprava violentamente, fazendo o aguaceiro varrer telhados e
paredes das casas. No ar, relâmpagos e trovões...
Pedro
remexeu-se. estranhou. O colchão da cama, tão macio e quente, parecia duro e
gelado. Com as mãos, procurou Maria e só encontrou o vácuo. Sonolentamente,
abriu os olhos. E viu o descampado cheio de cruzes.
Estava
no Cemitério de Santa Izabel, Horrorizado, cheio de pavor, viu onde se
encontrava: em cima de uma sepultura. Olhou para a cruz. Lá estava um retrato
esbranquiçado, mas perfeitamente reconhecível, de Maria de Souza Oliveira,
morena clara, cabelos negros, olhos castanhos...
“Nascida
a 3 de Fevereiro de 1902, falecida a 13 de Fevereiro de 1918".
Sem
conseguir pensar, viu que na parte de baixo da cruz estava a aliança que lhe
dera como sendo de noivado. Em seu dedo mínimo, o anel com que a moça o
presenteara...
E às
6 horas da manhã daquele sábado, os que estiverem nas cercanias do Cemitério
teriam ouvido aquele grito enregelante de pavor. Era de Pedro. Que saiu
correndo do Cemitério...