ZUMBI
A PASSEIO
de Braulio Tavares
“Felisberto!
Leve o lixo pra jogar lá fora!”. Eu já
estava quase no portão quando ouvi a voz de Dalva, e gritei de volta: “Não
posso agora! Estou levando Zombe pra passear!”.
Zombe é o nome do zumbi da gente, e às vezes eu fico imaginando a cara
do meu pai se ele tivesse sobrevivido à Guerra Canibal e visse nosso estilo de
vida hoje. Ele provavelmente iria dizer: “Não importa quantos apocalipses a
humanidade tenha que passar, ela sempre encontra um jeito de regredir à
pequena-burguesia suburbana!”. Meu pai
foi devorado quando eu tinha 12 anos mas me lembro até hoje das aulas dele,
porque ele não conversava, ele dava aula o tempo todo, era incapaz de pegar um
pão na mesa sem dar uma aula sobre a Crise do Trigo Asiático. Ele sempre disse
que a Epidemia Zumbi era uma trama de umas organizações que eu nunca entendi.
Quando cresci fiquei sabendo que foi acidente mesmo.
De
qualquer modo, fui na casinha, botei a coleira em Zombe e saí. Fim da tarde
todo mundo se encontra na padaria. Com uma passadinha no açougue, onde cada um
compra um osso pra distrair seu pet. Zombe gosta de costela, bem crua. Dê
aquela costeletazinha básica e ele passa meia hora de cócoras, entretido,
enquanto a gente troca uma idéia, comenta o futebol. Claro, futebol acabou, mas
a gente tem as gravações; eu e uns amigos do meu prédio estamos acompanhando o
campeonato carioca de 2002, um jogo por dia, proibido spoilers. Eu saio pouco
de casa; tenho 44 anos e sou o mais velho da minha rua. Só saio de casa armado
e com Zombe. Gente com fome é pior do que zumbi.
Na
volta dou uma passada na Praça do Por do Sol, uma colina de onde contemplo as
ruínas. Antigamente era bonito, hoje é
uma mistura de arquitetura e floresta. Sou um dos poucos que conheceram o mundo
antigo, um mundo onde os zumbis eram uma ameaça e não nossos cães de guarda
quimicamente domesticados. Foram vinte anos de carnificina recíproca até que
conseguimos amestrá-los. Hoje, não viveríamos sem eles, que nos defendem de nós
mesmos. O mundo colapsou, todo mundo só come o que planta, cria ou fabrica.
Comércio, só de bairro. Não há mais política, indústria, capital financeiro,
exércitos, guerras; e isto é um baita dum consolo por não existirem mais
universidades, esportes, estações de TV, cinema, restaurantes e bares. Na minha
cidade somos (li ontem) um milhão de humanos, e só 120 mil possuem zumbis para
se defender do restante. Dalva diz que sempre haverá ricos e pobres. Puxo a
coleira de Zombe e arrasto-o de volta para casa. Falem de apocalipse, falem que
vivemos num inferno, mas para mim qualquer mundo é um paraíso se nele sou eu
quem puxa alguém pela coleira. (de Braulio Tavares).
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