O velho doutor Heidegger aparentava, com suas vestimentas antigas, ser um homem tão antigo que muitos diziam que a morte o havia esquecido há muito, muito tempo. Era o último descendente de uma antiga família, cujos familiares e amigos há muito tempo já se encontravam todos reunidos em um mesmo lugar: no mais antigo cemitério da cidade.
O Doutor Heidegger, cuja fama de suas excentricidades eram conhecidas muito além da velha cidade, criava um horror medonho em todos os moradores quando este se punha a passear ao fim da tarde vestido com sua cartola e casaco negros apoiado em sua bengala com seu rosto fechado e sua postura taciturna como um bom inglês da era vitoriana. Dizia-se que tinha mais de 120 anos, embora seu semblante não lhe desse mais do que 27 anos de idade; e nunca ninguém o vira doente ou a se queixar de alguma enfermidade. O que levava muitos a especular que este mantinha um grande segredo, uma fonte da juventude, ou uma descoberta qualquer que excedia a compreensão humana, de manter-se jovem e saudável há tanto tempo.
Sua casa, sombreada por um enorme carvalho, dava-a um aspecto sombrio, de um eterno crepúsculo, e cujo silêncio sepulcral só era quebrado ora pelo vento em meio às suas densas folhagens, ou pelo medonho gralhar dos corvos vindos do bosque e do antigo cemitério, com estes, como mensageiros da morte, pousados enfileirados, a encarar aqueles que, porventura, passassem às adjacências do velho carvalho.
Se o que se contava era verdade, o laboratório do Dr. Heidegger devia ser um lugar deveras curioso. Tratava-se de um compartimento escuro e antiquado, engrinaldado de teias de aranha e coberto de pó. Nas paredes havia várias estantes de carvalho, cujas prateleiras inferiores estavam carregadas com gigantescos volumes de livros escritos em letra góticas, e as superiores, de pequenos volumes encadernados em pergaminho. Sobre a estante central havia um busto de bronze de hipócrates, ao qual, segundo algumas pessoas dignas de crédito, o doutor costumava pedir conselho em todos os casos difíceis do seu mister. No canto mais escuro do compartimento existia um armário estreito e alto, de carvalho, com a porta entreaberta, dentro do qual dificilmente se distinguia um esqueleto. Entre duas estantes estava pendurado um espelho, alto e empoeirado, dentro de uma moldura dourada, com algumas manchas. Entre as muitas histórias maravilhosas que se contavam acerca desse espelho, corria uma, segundo a qual os espíritos de todos os defuntos pacientes do médico habitavam no seu interior e costumavam fitar-lhe o rosto, sempre que ele olhava para lá.
A parede oposta do compartimento estava ornamentado com o retrato de uma jovem, em tamanho natural, magnificentemente vestida de seda, cetim e brocado, já desbotados, e de rosto tão desbotado como o vestuário. Há mais de meio século, o Dr. Heidegger estivera para casar com esta jovem; porém, acometida por uma indisposição ligeira, ela tinha tomado uma das receitas do seu apaixonado e morrera na noite de núpcias. Mas a curiosidade mais interessante do laboratório não foi ainda mencionada: trata-se de um pesado volume, encadernado em pele negra e com fechos de prata maciça. Não tinha letras na capa, e ninguém sabia qual o seu título. Era, contudo, crença geral que se tratava de um livro de magia; e, quando certa vez uma criada o levantara, apenas para lhe limpar o pó, o esqueleto remexera-se no armário, o retrato da jovem dera um passo para o chão, e vários rostos pálidos haviam espreitado de dentro do espelho, enquanto a cabeça bronzeada de Hipócrates franzia as sobrancelhas, exclamando: - Para.
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