quarta-feira, 22 de agosto de 2018

O ESTRANHO DOCTOR HEIDEGGER

O ESTRANHO DOCTOR HEIDEGGER
O velho doutor Heidegger aparentava, com suas vestimentas antigas, ser um homem tão antigo que muitos diziam que a morte o havia esquecido há muito, muito tempo. Era o último descendente de uma antiga família, cujos familiares e amigos há muito tempo já se encontravam todos reunidos em um mesmo lugar: no mais antigo cemitério da cidade.

O Doutor Heidegger, cuja fama de suas excentricidades eram conhecidas muito além da velha cidade, criava um horror medonho em todos os moradores quando este se punha a passear ao fim da tarde vestido com sua cartola e casaco negros apoiado em sua bengala com seu rosto fechado e sua postura taciturna como um bom inglês da era vitoriana. Dizia-se que tinha mais de 120 anos, embora seu semblante não lhe desse mais do que 27 anos de idade; e nunca ninguém o vira doente ou a se queixar de alguma enfermidade. O que levava muitos a especular que este mantinha um grande segredo, uma fonte da juventude, ou uma descoberta qualquer que excedia a compreensão humana, de manter-se jovem e saudável há tanto tempo.

Sua casa, sombreada por um enorme carvalho, dava-a um aspecto sombrio, de um eterno crepúsculo, e cujo silêncio sepulcral só era quebrado ora pelo vento em meio às suas densas folhagens, ou pelo medonho gralhar dos corvos vindos do bosque e do antigo cemitério, com estes, como mensageiros da morte, pousados enfileirados, a encarar aqueles que, porventura, passassem às adjacências do velho carvalho. 

Dizia-se que em sua casa, Doutor Heidegger abrigava um misterioso laboratório que continha inúmeros objetos misteriosos que colecionava desde sua tenra juventude, fruto de sua incansável busca pelos mistérios do mundo e por conhecimentos ocultos tidos hoje como fantasiosos por aqueles que se julgam sensatos, de tal modo, que toda sorte de espectros fantasmagóricos ou estranhos fenômenos eram relatados por aqueles que moravam próximos de sua sinistra residência. E excetuado estranhas visitas noturnas a frequentar seu velho casarão, seu lar só era frequentado por alguns poucos serviçais, que eram sempre advertidos por ele a nunca irem além da entrada de seu porão. Todavia, foi graças a estes meros serviçais que suas estranhas histórias tornaram-se famosas.

Se o que se contava era verdade, o laboratório do Dr. Heidegger devia ser um lugar deveras curioso. Tratava-se de um compartimento escuro e antiquado, engrinaldado de teias de aranha e coberto de pó. Nas paredes havia várias estantes de carvalho, cujas prateleiras inferiores estavam carregadas com gigantescos volumes de livros escritos em letra góticas, e as superiores, de pequenos volumes encadernados em pergaminho. Sobre a estante central havia um busto de bronze de hipócrates, ao qual, segundo algumas pessoas dignas de crédito, o doutor costumava pedir conselho em todos os casos difíceis do seu mister. No canto mais escuro do compartimento existia um armário estreito e alto, de carvalho, com a porta entreaberta, dentro do qual dificilmente se distinguia um esqueleto. Entre duas estantes estava pendurado um espelho, alto e empoeirado, dentro de uma moldura dourada, com algumas manchas. Entre as muitas histórias maravilhosas que se contavam acerca desse espelho, corria uma, segundo a qual os espíritos de todos os defuntos pacientes do médico habitavam no seu interior e costumavam fitar-lhe o rosto, sempre que ele olhava para lá.



A parede oposta do compartimento estava ornamentado com o retrato de uma jovem, em tamanho natural, magnificentemente vestida de seda, cetim e brocado, já desbotados, e de rosto tão desbotado como o vestuário. Há mais de meio século, o Dr. Heidegger estivera para casar com esta jovem; porém, acometida por uma indisposição ligeira, ela tinha tomado uma das receitas do seu apaixonado e morrera na noite de núpcias. Mas a curiosidade mais interessante do laboratório não foi ainda mencionada: trata-se de um pesado volume, encadernado em pele negra e com fechos de prata maciça. Não tinha letras na capa, e ninguém sabia qual o seu título. Era, contudo, crença geral que se tratava de um livro de magia; e, quando certa vez uma criada o levantara, apenas para lhe limpar o pó, o esqueleto remexera-se no armário, o retrato da jovem dera um passo para o chão, e vários rostos pálidos haviam espreitado de dentro do espelho, enquanto a cabeça bronzeada de Hipócrates franzia as sobrancelhas, exclamando: - Para.

Nunca a antiga expressão inglesa “Esqueleto no Armário” (skeleton in the Cupboard) - usada para designar que determinada pessoa possui segredos inconfessáveis em sua vida -, havia caído tão perfeitamente bem quanto ao velho Doctor Heidegger.

*Conto Escrito por Bosco Chancen, Baseado no Conto A Experiência do Doutor Heidegger, de Nathaniel Hawthorne

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