terça-feira, 14 de julho de 2015

O TÚMULO ESQUECIDO DO JOVEM POETA



Quando atormentados por paixões insatisfeitas, ou pela rotina de uma vida insípida, gostávamos de frequentar cemitérios; buscávamos nestes a paz e a calma que precisávamos. Adorávamos visitar aquelas velhas moradas da morte. Eram como um museu ao céu aberto, com estátuas de anjos de mármore que pareciam prontos a ganhar vida e voar sobre a velha cidade da morte. Nessa cidade funérea, o extremo silêncio tornava-se um misto de paz e apreensão, como um prelúdio para nossa própria morte; e nos fazia pensar sobre nossas vidas e o tempo que ainda nos resta, nos acalmando a alma e a lenta agonia, e nos direcionava para as coisas importantes da vida.



E dispostos a frequentar mais uma vez esta imensa morada dos mortos, adentremos uma vez mais em um velho cemitério, buscávamos, munido de um velho livro de poesia, o túmulo de um jovem poeta, cuja morte lhe fez partir tão cedo da vida. Era um velho bardo de minha família, cuja memória, já esquecida por muitos, era apenas lembrada por minha avó que ainda lia sua trágica poesia.


A noite ia alta com a lua cheia a brilhar sobre nossas cabeças, a clarear os túmulos em que andávamos a espreitar as histórias daqueles que, com tantos sonhos, agora jaziam sob a terra, em seu último e permanente descanso. Olhávamos suas imagens com a data de morte e ficávamos a imaginar suas vidas. E, após andarmos por alguns instantes, finalmente, estava alí em nossa frente, entre gramíneas e pequenos arbustos, o túmulo esquecido do poeta, cuja poesia parecia transmitir segredos indecifráveis, capaz de elevar-nos ao mais sublime dos sentimentos, e também ao mais trágico dos pensamentos. Ele, tido como o poeta dos infortúnios, jazia esquecido em seu pequeno túmulo, perdido no Cemitério da Soledad, onde se lia em seu epitáfio:
Tudo perde o sentido, quando seu corpo tornar-se azul e os seus olhos perderem o brilho”, Pedro Donbosco (1880 - 1904).


E, como de costume, após enchermos nossas taças com vinho, brindamos a Pedro Don e a sua magnífica poesia. E pusemo-nos a relembrar sua trágica vida.
Pedro Donbosco nascera em uma pequena cidade afastada de Belém, como mais tarde se referiria o poeta ao seu nascimento, em um de seus livros:
Nasci numa noite escura, sob luz de velas, nas mãos de uma velha parteira, de olhos abertos, à procura da luz”.
Com a mais tenra idade o poeta se iniciou em seus primeiros rudimentos de escrita; e com prodigioso talento já imprimia no papel belas frases oriundas de seu “pequeno coração atormentado e aflito”.
Bem sabia o poeta de seu destino: nascera com o estranho desejo de luz e de vida. Contudo, crescia-lhe o sentimento trágico da vida. Sua mãe havia morrido ao dar-lhe a luz, o que lhe causava imenso sentimento de culpa. Culpa que lhe acompanharia por toda vida e que aumentaria quando este, ainda jovem, foi imprevistamente substituído, na última hora, por um amigo em uma viagem de navio, que lhe causou enorme angústia quando soube que o navio naufragara e que todos haviam morrido, incluído tão amado amigo. Havia naquilo algo de misterioso, que o poeta tentava a todo custo desvendar: era como se duas pessoas houvessem morrido para que o poeta se mantivesse vivo e compusesse suas tristes odes; que se alimentavam de cada lágrima caída. Pedro Donbosco era poeta por maldição, bem sabia ele.
Numa noite, acompanhado de sua bela esposa, o poeta havia ido a um baile no Palacete Bolonha. Os casais dançavam, rodopiavam, alegremente, pelo enorme salão, iluminado por um imenso lustre de prata. E ao término de mais uma série de músicas, um homem subiu ao pequeno palco, anunciou uma nova atração, madame Fifi, a maravilhosa vidente, vinda de Paris. Todos enfileiraram-se para terem suas mãos lidas por tão famosa vidente. Porém, Bosco se mantinha impassível, não acreditava em tais tolices. E após todos terem suas mãos lidas, o poeta foi estimulado pelos amigos a por suas crenças à prova, foi desafiado por aqueles a estender sua mão à vidente. Ela tomou-a; olhou atenciosamente suas linhas, e com certo espanto no rosto disse-lhe, firmemente: “Devolverás o que não lhe pertence. E com água devolverás a vida”. Aquelas palavras afetaram-lhe grandemente, e fez-lhe vir à mente memórias indesejadas: pensou então em sua mãe e em seu amigo, e nas vidas que havia “roubado” destes, antes que assustado puxasse sua mão à força. Sua mulher não compreendeu tão brusco ato, e disse-lhe em tom de gracejo: “sabia que és no fundo um supersticioso, Pedro Don?”.
Durante anos a voz da vidente se repetiria em sua mente: “Devolverás o que não lhe pertence. E com água devolverás a vida”. E durante meses havia tido pesadelos com tal frase, finalizados com terríveis naufrágios.
Temendo que o sonho torna-se realidade, e por fim acabasse afogado, evitou a todo custo rios e mares. E como sua mãe havia lhe dado a vida em um dia treze, imaginou também que em um dia treze perderia a vida. Porém um dia foi avisado que sua mulher havia entrado em trabalho de parto e que precisava com urgência de um médico. Desorientado, buscou um, e foi lhe indicado partir a barco, ao que relutou. E após mandar o médico a barco, partiu de volta a cavalo. Cavalgou durante horas a fio, sob a mais espessa chuva, tendo apenas como companhia o cavalo, nem mesmo as estrelas ou alua, serviam-lhe de companhia. Porém ao amanhecer ainda não havia chegado. Passaram-se horas até que finalmente seu corpo foi encontrado, caído, de bruços, com o rosto sobre uma poça d’água que havia se formado sob as patas do cavalo. O poeta havia incrivelmente morrido afogado, no dia 13 de maio de 1904. Tendo apenas publicado um livro “Canções Para o Final dos Tempos”.


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