HISTÓRIAS VAMPIRESCAS DE BELÉM
TODAS AS NOITES ela
está lá, com seu longo vestido negro, com sua pele pálida sob a luz da lua, a
correr até a beira de um grande precipício para contemplar o mar abaixo, com o
vento a esvoaçar seus longos cabelos negros enquanto olha as ondas a se chocar violentamente
contra as pedras do cais, e se desfazer em espessas espumas brancas.
De repente, ela vira-se em minha direção, e vem até a
mim, e beija meu pescoço docemente... Nesse instante, olha-me nos olhos, e a
sorrir, gotas de sangue escorrem de sua boca, como o efeito de um doce beijo de
sangue e morte.
A
mulher dos meus sonhos é uma vampira que todas as noites vêm por meio deles me sugar
a vida! — disse o homem magro, de uma magreza esquelética, de cujos olhos, vendados,
escorriam sangue abundantemente, preso em uma camisa de força que o impedia de
ferir-se novamente, ao médico sentado à escrivaninha do consultório
psiquiátrico, que levantou-se de sua cadeira, e pôs-se a desenrolar a venda dos
olhos de seu paciente, lentamente, até que, ao desfazer a última volta,
percebeu, com horror, que o homem havia cortado as pálpebras, e o
encarava com os olhos arregalados.
—Então
foi por isso que cortastes as pálpebras de teus olhos?
—
Sim, para que eu nunca mais dormisse e sonhasse com ela.
— E há quanto tempo não dormes?
— Há algumas semanas, doutor.
— E há quanto tempo não dormes?
— Há algumas semanas, doutor.
—
Tenho certeza que não há nada de real nisso; eu lhe a seguro; são apenas meros
simbolismos oníricos: sonhos e nada mais do que isso — disse ele antes de
chamar as enfermeiras.
—
Sonhos que se repetem todas as noites, angustiantemente, em uma frequência sem
fim. Ela mora em meus sonhos como um parasita que habita minha alma a me
consumir as energias. Ela é uma devoradora de almas tão real quanto minha vida!
—
E como tudo começou?
—
Em uma noite, quando fui me encontrar com Leila em um concerto no velho Palacete
Bolonha...
I
Os Fantasmas do Palacete Bolonha
Era
um dia triste, sombrio e silencioso de outono, com um céu coberto por nuvens cinzas. Após a fina chuva da tarde, em
que as folhas secas das mangueiras caiam ao sabor do vento, eu havia saído do
trabalho entediado e mais cedo, decidi então ir andando ao longo do túnel de
mangueiras que ladeiam as ruas de nossa cidade, sentindo a doce brisa da tarde, impregnada pelo suave perfume verde das mangueiras, que
já se preparava para o crepúsculo, rumo ao Palacete Bolonha.
E após andar por
alguns minutos, lá estava ele em minha frente, belo, imponente e ao mesmo tempo melancólico
palacete, que sempre me causara arrepios, um misto de medo e fascínio, desde menino
quando apertava o passo ao passar em sua frente imaginando fantasmas e coisas
do outro mundo a observar-me; ele estava lá como uma lembrança cravada no solo
da cidade, tal qual uma estaca fincada no peito de um vampiro, a nos lembrar de um
tempo remoto, de um tempo que não volta mais, com seus detalhes em rococó e seu
telhado gótico, com adornos apontados para o firmamento.
Palacete Bolonha |
Todos
sabem o quanto odeio estes concertos fúteis, com tipos pedantes e esnobes, mas
Leila havia me convidado, e estar em sua companhia era para mim algo
irrecusável. Porém, naquela noite, algo estranho aconteceria comigo, algo assustador. E mal sabia eu que, alí, na minha frente, logo na entrada do palacete,
na forma de uma ingênua frase em latin, “Cave Canem” — “Cuidado com o Cão” —
próximo à figura de um cão negro rente ao chão, desenhado em pastilhas no piso,
estava o aviso de todo o horror por mim sentido, pois aquilo não parecia ser deste
mundo, mas do mais profundo inferno!
Foi
na quinta música, se não me engano. Ao ouvi-la, um sentimento profundo de
saudade e tristeza me envolveu por inteiro a alma; era como se já a tivesse
ouvido tantas e tantas vezes, embora tivéssemos sido advertidos que era a
primeira vez que estava sendo tocada. Fechei os olhos por alguns instantes ao ouvir sua bela
melodia, que se diluia no ar como o mais suave perfume, e ao abri-los novamente, imagens antigas de Belém vieram imediatamente
à minha mente:
O
belo Palacete Bolonha agora estava iluminado à moda antiga, deslumbrante, com
candelabros e grandes lustres de prata, e dezenas de casais, vestidos com roupas
antigas, dançavam docemente próximos às janelas, com suas grandes cortinas
vermelhas, a mesma música que eu ouvira antes, tocada em um lúgubre som de
piano. Foi quando uma voz me chamou a atenção, interrompendo a dança e a música:
“Ela está vindo. Venham vê-la”. Ao me debruçar sobre a janela, vi a rua em que
eu andava todos os dias, com pisos antigos, ladeada por belos postes de metal
belamente adornados a sustentar grandes lâmpadas de gás de uma Belém de outrora;
e lá estava ela, a mulher de meus sonhos, com seu longo vestido negro saindo de
uma luxuosa carruagem negra, tão negra quanto os garanhões que a puxavam. Ela
ao entrar no imenso salão fora cortejada por todos que alí estavam, e recebida
pela jovem pianista que tocava, Alice Tem-Brink — para a qual Francisco Bolonha
havia construído seu belo palacete, como prova de carinho. Ela era a mais bela,
a mais elegante e graciosa de todas as damas; sentou-se em uma cadeira dourada,
acompanhada por um feroz cão negro, tal qual o desenho da entrada, com sua
coleira de pingentes pontiagudos, sentou-se ao seu lado, e só acalmou-se quando
foi por ela acariciado. Todos a admiravam. Porém, logo se pôs de pé, a
falar em uma língua estranha, ouvida com atenção por todos que alí estavam. Serviu-se
de uma taça vazia; foi quando homens e mulheres foram cumprimentá-la estendendo
a mão para que fossem por ela beijadas; mas o que parecia ser um beijo era na
verdade mordidas que lhes faziam sangrarem os pulsos, dadas por aquela mulher
sentada, que, após mordê-los, colhia o líquido que escorria abundantemente na
grande taça dourada. E quando todos, por fim, haviam contribuído com seu
precioso sangue, ela pôs-se a levar a taça à boca, e a tomar tão precioso
líquido. Ao enxugar os lábios com a mão, pude vê suas enormes presas, e o
sangue que escorria de sua boca em êxtase. Foi quando notou que alí havia
alguém que não havia contribuído, arregalando seus grandes olhos vermelhos em
direção a mim.
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