sexta-feira, 1 de abril de 2016

HISTÓRIAS VAMPIRESCAS DE BELÉM - Parte I: Os Fantasmas do Palacete Bolonha


HISTÓRIAS VAMPIRESCAS DE BELÉM


TODAS AS NOITES ela está lá, com seu longo vestido negro, com sua pele pálida sob a luz da lua, a correr até a beira de um grande precipício para contemplar o mar abaixo, com o vento a esvoaçar seus longos cabelos negros enquanto olha as ondas a se chocar violentamente contra as pedras do cais, e se desfazer em espessas espumas brancas.


De repente, ela vira-se em minha direção, e vem até a mim, e beija meu pescoço docemente... Nesse instante, olha-me nos olhos, e a sorrir, gotas de sangue escorrem de sua boca, como o efeito de um doce beijo de sangue e morte.



A mulher dos meus sonhos é uma vampira que todas as noites vêm por meio deles me sugar a vida! — disse o homem magro, de uma magreza esquelética, de cujos olhos, vendados, escorriam sangue abundantemente, preso em uma camisa de força que o impedia de ferir-se novamente, ao médico sentado à escrivaninha do consultório psiquiátrico, que levantou-se de sua cadeira, e pôs-se a desenrolar a venda dos olhos de seu paciente, lentamente, até que, ao desfazer a última volta, percebeu, com horror, que o homem havia cortado as pálpebras, e o encarava com os olhos arregalados.
—Então foi por isso que cortastes as pálpebras de teus olhos?
— Sim, para que eu nunca mais dormisse e sonhasse com ela.
— E há quanto tempo não dormes?
— Há algumas semanas, doutor.
— Tenho certeza que não há nada de real nisso; eu lhe a seguro; são apenas meros simbolismos oníricos: sonhos e nada mais do que isso — disse ele antes de chamar as enfermeiras.
— Sonhos que se repetem todas as noites, angustiantemente, em uma frequência sem fim. Ela mora em meus sonhos como um parasita que habita minha alma a me consumir as energias. Ela é uma devoradora de almas tão real quanto minha vida!
— E como tudo começou?
— Em uma noite, quando fui me encontrar com Leila em um concerto no velho Palacete Bolonha...

I
Os Fantasmas do Palacete Bolonha


Era um dia triste, sombrio e silencioso de outono, com um céu coberto por nuvens cinzas. Após a fina chuva da tarde, em que as folhas secas das mangueiras caiam ao sabor do vento, eu havia saído do trabalho entediado e mais cedo, decidi então ir andando ao longo do túnel de mangueiras que ladeiam as ruas de nossa cidade, sentindo a doce brisa da tarde, impregnada pelo suave perfume verde das mangueiras, que já se preparava para o crepúsculo, rumo ao Palacete Bolonha.


E após andar por alguns minutos, lá estava ele em minha frente, belo, imponente e ao mesmo tempo melancólico palacete, que sempre me causara arrepios, um misto de medo e fascínio, desde menino quando apertava o passo ao passar em sua frente imaginando fantasmas e coisas do outro mundo a observar-me; ele estava lá como uma lembrança cravada no solo da cidade, tal qual uma estaca fincada no peito de um vampiro, a nos lembrar de um tempo remoto, de um tempo que não volta mais, com seus detalhes em rococó e seu telhado gótico, com adornos apontados para o firmamento.


Palacete Bolonha
Todos sabem o quanto odeio estes concertos fúteis, com tipos pedantes e esnobes, mas Leila havia me convidado, e estar em sua companhia era para mim algo irrecusável. Porém, naquela noite, algo estranho aconteceria comigo, algo assustador. E mal sabia eu que, alí, na minha frente, logo na entrada do palacete, na forma de uma ingênua frase em latin, “Cave Canem” — “Cuidado com o Cão” — próximo à figura de um cão negro rente ao chão, desenhado em pastilhas no piso, estava o aviso de todo o horror por mim sentido, pois aquilo não parecia ser deste mundo, mas do mais profundo inferno!



Foi na quinta música, se não me engano. Ao ouvi-la, um sentimento profundo de saudade e tristeza me envolveu por inteiro a alma; era como se já a tivesse ouvido tantas e tantas vezes, embora tivéssemos sido advertidos que era a primeira vez que estava sendo tocada. Fechei os olhos por alguns instantes ao ouvir sua bela melodia, que se diluia no ar como o mais suave perfume, e ao abri-los novamente, imagens antigas de Belém vieram imediatamente à minha mente:



O belo Palacete Bolonha agora estava iluminado à moda antiga, deslumbrante, com candelabros e grandes lustres de prata, e dezenas de casais, vestidos com roupas antigas, dançavam docemente próximos às janelas, com suas grandes cortinas vermelhas, a mesma música que eu ouvira antes, tocada em um lúgubre som de piano. Foi quando uma voz me chamou a atenção, interrompendo a dança e a música: “Ela está vindo. Venham vê-la”. Ao me debruçar sobre a janela, vi a rua em que eu andava todos os dias, com pisos antigos, ladeada por belos postes de metal belamente adornados a sustentar grandes lâmpadas de gás de uma Belém de outrora; e lá estava ela, a mulher de meus sonhos, com seu longo vestido negro saindo de uma luxuosa carruagem negra, tão negra quanto os garanhões que a puxavam. Ela ao entrar no imenso salão fora cortejada por todos que alí estavam, e recebida pela jovem pianista que tocava, Alice Tem-Brink — para a qual Francisco Bolonha havia construído seu belo palacete, como prova de carinho. Ela era a mais bela, a mais elegante e graciosa de todas as damas; sentou-se em uma cadeira dourada, acompanhada por um feroz cão negro, tal qual o desenho da entrada, com sua coleira de pingentes pontiagudos, sentou-se ao seu lado, e só acalmou-se quando foi por ela acariciado. Todos a admiravam. Porém, logo se pôs de pé, a falar em uma língua estranha, ouvida com atenção por todos que alí estavam. Serviu-se de uma taça vazia; foi quando homens e mulheres foram cumprimentá-la estendendo a mão para que fossem por ela beijadas; mas o que parecia ser um beijo era na verdade mordidas que lhes faziam sangrarem os pulsos, dadas por aquela mulher sentada, que, após mordê-los, colhia o líquido que escorria abundantemente na grande taça dourada. E quando todos, por fim, haviam contribuído com seu precioso sangue, ela pôs-se a levar a taça à boca, e a tomar tão precioso líquido. Ao enxugar os lábios com a mão, pude vê suas enormes presas, e o sangue que escorria de sua boca em êxtase. Foi quando notou que alí havia alguém que não havia contribuído, arregalando seus grandes olhos vermelhos em direção a mim.


Tentei fugir, mas fui impedido pelo terrível cão que se pôs a rosnar para mim, foi quando...


Francisco Bolonha e Alice Tem-Brink

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