quinta-feira, 14 de abril de 2016

HISTÓRIAS VAMPIRESCAS DE BELÉM - Parte III: Teatro dos Vampiros


HISTÓRIAS VAMPIRESCAS DE BELÉM
PARTE III
Teatro dos Vampiros


Cheguei, mas uma vez, com o fim da tarde ao teatro, sob a doce luz que avermelhava o céu por sobre as mangueiras da cidade, tal qual pálido sangue derramado. Leila ainda não havia chegado, fiquei então a observar a bela estrutura do teatro, sua grande entrada em arcos e colunas neoclássicas; suas escadarias em mármore italiano, que conduziam a um belo saguão, com lustres e grandes espelhos de cristais folheados a ouro, com pisos de madeira amazônica colados, curiosamente, com cola feita da gurijuba, um peixe de nossa região.




O Teatro da Paz era como um templo grego das artes em plena Amazônia; fruto de uma época em que a cidade respirava luxo e exalava cultura. Inaugurado em 1878, quando a elite paraense, enriquecida com a exportação de borracha para o mundo, se aglomerava em volta de grandes artistas vindos de toda parte da Europa, capazes de enfrentar a floresta amazônica para mostrar sua arte em seu belo palco. Era o que dizia um pequeno panfleto, onde também pude ler que o concerto da noite seria dedicado a Jeremiah Clarke, o obscuro compositor inglês suicida, o mesmo que, curiosamente, havia composto a bela melodia que parecia perseguir-me até mesmo em meus sonhos.


   
Por fim, Leila chegou à noite, alguns minutos antes do concerto, sob a tradicional chuva do fim de tarde, que caia docemente sobre a cidade das mangueiras. Os pingos d’água em seus cabelos cintilavam em meio às luzes do teatro, deixando-a mais linda ainda, apesar de seus óculos turvos e molhados.



Sentamo-nos enfrente ao palco, e fiquei a imaginar quantas almas não sentiram os mesmos sentimentos que eu sentia naquele momento em estar alí. Sentia-me também, curiosamente, como se estivesse sendo observado. Foi quando ela me disse: “espero que hoje não durmas”.
Antes do concerto começar, um dos músicos se pôs a explicar ao público que Jeremiah Clarke havia se inspirado em um famoso quadro do pintor Hieronymous Bosch, “O Jardim Dos Prazeres da Terra”, em que o pintor holandês retrata as maravilhas do paraíso em contraste com as maldições do inferno.
O Jardim dos Prazeres da Terra
A música de Jeremiah Clarke era doce e vigorosa; sombria e luminosa; com melodias capazes de nos elevar ao mais doce paraíso e também ao mais profundo dos infernos; como um símbolo da dualidade de todas as coisas: uma luta entre seus contrastes, como entre o bem e o mal, a luz e as trevas, o amor e o ódio.
Ao término da primeira parte do concerto, ausentei-me furtivamente, indo ao banheiro. E ao me demorar, e ouvi a música, notei então que o concerto recomeçara. Apressei os passos no pequeno corredor de volta. Porém, estranhamente, era como se a pequena distância do corredor de outrora houvesse se multiplicado. Apressei ainda mais os passos... Todavia era como se a distância houvesse se multiplicado ao infinito. Foi quando ouvi pequenos passos próximos de mim. Um vulto negro havia cruzado o corredor ao meu lado. Vi então que era um cão, o mesmo cão de meus sonhos a rosnar atrás de mim. Ele se pôs a mover-se em minha direção. Tentei fugir. Foi quando abri uma das inúmeras portas do teatro. Entrei, e ao fechá-la, ofegante, ouvi música cantada em uma língua estrangeira, que eu, estranhamente, podia entendê-la; ela dizia:
“A Vingança do inferno arde em meu coração.
Morte e desespero queimam em torno de mim!...”

Guiado pelo belo cântico que ouvia, vi que era o mesmo palco do teatro, porém com um público diferente, com homens e mulheres, mais uma vez, trajando roupas antigas. E no palco, acompanhada pelos mesmos músicos que a pouco estava a ouvi-los, uma mulher cantava a famosa ária da Rainha da Noite, da ópera A Flauta Mágica, de Mozart, cujos seus primeiros versos eu havia ouvido. E ao me aproximar do palco, vi que era ela quem cantava, com seu vestido esvoaçante negro. Ao término, o público a aplaudiu de pé, jogando rosas vermelhas aos seus pés, que se transformavam em sangue. Foi quando ela fixou os olhos em mim; voltei então ao corredor. E ao abrir a porta, estava de volta ao banheiro. Confuso e assustado, molhei o rosto na pia dezenas de vezes, precisava despertar-me de mais um terrível pesadelo. E ao olhava-me no espelho, lá esta ela no mesmo, a me olhar com seus olhos vermelhos. Ela agarrou-me com as mãos e me puxou para dentro do espelho...





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