O
GAROTO QUE AMAVA UMA SEPULTURA
Um Conto Maravilhoso do Irlandês Fitz
James O'Brien (1828-1862), que Conta a História de um Garoto que tem apenas um único Amigo no Mundo... um Túmulo onde Repousa outra Criança.
BEM LONGE, no coração de um país solitário, havia uma velha e desolada igreja. Em seu adro já não mais se enterravam os
mortos, porque o campo santo já havia exaurido a sua missão há muitos anos. Agora, a relva crescida alimentava algumas
cabras errantes que escalavam os muros em ruínas e percorriam o triste deserto
de sepulturas. O cemitério era
delimitado por salgueiros e ciprestes sombrios e o seu velho e enferrujado
portão de ferro, que nunca ou raramente
era aberto, gemia em suas dobradiças quando o vento o açoitava, como se alguma
alma perdida, condenada a vagar nesse lugar desolado, estivesse balançando as
suas barras e lamentasse a sua terrível prisão.
Nesse
cemitério havia um túmulo que se destacava dos demais. Na lápide não se lia nenhum nome: em seu
lugar havia um curioso ornamento, rudemente esculpido, de um sol saindo do mar.
O
túmulo, muito pequeno, estava coberto por uma espessa vegetação de giestas e urtigas, e, pelo seu tamanho, poder-se-ia afirmar que pertencia a uma
criança pequena.
Não
muito longe daquele velho adro vivia, em uma casa infeliz, com seus pais, um
garoto. Era ele um menino sonhador, de
olhos negros, que nunca brincava com as outras crianças do bairro. Gostava,
sim, de percorrer os campos e deitar-se às margens dos rios, observando as
folhas caindo, o ondular das águas, e os lírios que balançavam suas cabeças
brancas no compasso da correnteza. São
seria de admirar que a sua vida fosse solitária e triste, já que seus pais eram
selvagens, pessoas cruéis que bebiam e brigavam todo dia e toda noite. O estrépito daquelas discussões era ouvido,
nas noites calmas de verão, pelos vizinhos que viviam na aldeia ao pé da
colina.
O
garoto apavorava-se com estas brigas hediondas, e sua alma jovem se encolhia
quando ouvia as maldições e os golpes ecoando naquela mísera casa. Então, escapava para os campos, onde tudo
parecia tão calmo e puro, e falava com os lírios em voz baixa, como se fossem
seus amigos.
Desta
forma, ele deparou-se com o velho cemitério, e se pôs a vagar entre as lápides
semienterradas, soletrando os nomes de pessoas nelas inscritos, e que haviam
partido desta terra anos e anos atrás.
A
pequena sepultura, anônima e abandonada, atraiu a sua atenção mais que as
outras. O ornamento composto do sol
nascendo do mar era para ele uma fonte perpétua de mistério e admiração. E, assim, fosse dia ou noite, quando a fúria
de seus pais espantava-o de casa, ali o garoto se refugiava, atirando-se à espessa
relva, na qual se estendia, ficando a
imaginar quem poderia estar ali
enterrado.
Com
o tempo, seu amor pelo pequeno túmulo tornou-se tão grande que ele o adornou
com seu gosto infantil.
Arrancou
as giestas e as urtigas, removendo a erva que grassava, sombria, sobre a pedra. Aparou a grama, que voltou a crescer espessa e macia como um tapete
celeste. Depois, trouxe as prímulas das
margens dos caminhos orvalhados, onde os espinheiros fazem chover suas flores
brancas; as papoulas vermelhas dos campos de milhos; os jacintos azuis do
coração da floresta. E plantou estas
flores ao redor do sepulcro. Com os galhos flexíveis do vime prateado, trançou uma cerca singela, e raspou o mofo que se arrastava sobre a
lápide. Laborou até que a pequena sepultura parecesse a de uma fada bondosa.
Ficou,
então, satisfeito. Durante os longos dias de verão, atirava-se sobre o túmulo,
abraçando a saliência do montículo, enquanto o vento suave e hesitante
derramava-se sobre ele e assanhava-lhe timidamente os cabelos. Da colina, ele ouvia os gritos das crianças
da aldeia a brincar. Às vezes, algum
deles chegava-se ao menino, e o
chamava a juntar-se à brincadeira. Mas ele o contemplava o que chegara com seus
tranquilos olhos negros, e respondia gentilmente que não. E o outro menino, maravilhado, se ia em
silêncio, e sussurrava, com seus companheiros, sobre o garoto que adorava uma
sepultura.
Em
verdade, ele amava o pequeno cemitério mais que qualquer brincadeira. A quietude do adro da igreja, o perfume das
flores silvestres, os raios dourados do sol caindo entre as árvores e brincando
sobre a erva eram delícias para ele.
Passava hora deitado, contemplando o céu de verão e observando as nuvens
brancas que nele navegavam. Perguntava-se se as nuvens não seriam almas de pessoas boas migrando ao
paraíso. Mas quando as nuvens negras de tempestade se aproximavam, e, cheias de
lágrimas, rebentavam em estrondo e fogo,
pensava em seus pais cruéis em casa, e, voltando-se para o túmulo, nele
mergulhava a face, como este fosse seu irmão.
Assim,
o verão deu lugar ao outono. As árvores
estavam tristes e estremeciam ao aproximar-se o tempo em que o vento feroz lhes
arrebataria as cascas, e as chuvas das tempestades açoitariam os seus membros
nus. As prímulas tornaram-se pálidas e
murchas, mas em seus últimos momentos pareciam olhar, sorridentes, para o
menino, como se dissessem: “Não chores por nós. Nós voltaremos no próximo ano.”
Mas a tristeza da estação o invadiu à
aproximação do inverno, e ele
constantemente molhava a pequena tumba com suas lágrimas, beijando a pedra cinza como se beijasse um amigo que
está prestes a partir.
À
tardinha, quase ao fenecer do outono, quando as árvores jaziam marrons e
sombrias, e o vento parecia uivar
malignamente sobre a colina, o garoto, sentado sobre a tumba, ouviu o gemido do
portão sobre os seus gonzos enferrujados, e, ao erguer os olhos, viu acercar-se
uma estranha procissão. Havia cinco homens. Dois conduziam, entre si, uma caixa
comprida, coberta por um pano negro. Outros dois levavam pás. O quinto, um
homem alto e de severas feições, envolto numa grande capa, caminhava à frente.
Quando o garoto viu a comitiva no cemitério, movendo-se de um lado para outro,
tropeçando nas lápides semienterradas, ou parando para examinar as inscrições
meio apagadas, o seu pequeno coração quase parou de bater, e ele se encolheu
detrás da pedra cinza na qual se insculpia o estranho ornamento, tomado por um
terror mortal.
Os
homens caminhavam de um lado para outro, com o homem alto à frente, esmiuçando
constantemente a grama espessa, e parando ocasionalmente para um exame mais
detido. Por fim, o líder virou-se e caminhou em direção à pequena tumba. Abaixando-se, contemplou a pedra
cinzenta. A lua acabara de nascer e a
sua luz incidiu sobre a peculiar escultura do sol a nascer no mar. O homem
alto, em seguida, acenou para os companheiros.
–
Encontrei a tumba – disse. – Está aqui!
Ao
ouvi-lo, os demais se aproximaram, e os cinco homens postaram-se junto ao
túmulo. O menino, que permanecia detrás da lápide, mal conseguia respirar.
Os
dois homens que seguravam a caixa depuseram-na sobre a relva. Quando tiraram o pano, expuseram, ao olhar da
criança, um pequeno ataúde de ébano reluzente, coberto por ornamentos
prateados, em cuja tampa, também lavrada em prata, a luz da lua, que a tudo
dominava, fazia refulgir uma escultura de um sol a nascer no mar.
–
Agora, ao trabalho! – ordenou o homem alto.
Prontamente,
os dois homens que traziam as pás mergulharam-nas no pequeno túmulo. O menino pensou que o seu coração
rebentaria. E, não podendo mais
conter-se, arrojou-se sobre o montículo,
clamando ao estranho líder:
–
Oh, senhor – gritou, soluçando –, não toques
em minha pequena sepultura! É a única coisa que tenho para amar neste
mundo! Não a toques, porque todos os
dias eu me deito sobre ela e a envolvo com os meus braços. Ela é como se fosse meu irmão. Eu cuido dela. E conservo a grama curta e espessa. Eu prometo que, se deixares para mim a
sepultura, plantarei sobre ela, no ano que vem, as mais belas flores dos
prados.
–
Cala-te, garoto! És um tolo! – respondeu
o homem de feições severas. – Este é um dever sagrado, que tenho de
cumprir. Quem aqui jaz sepultado era uma
criança como tu, mas de sangue real, e os seus antepassados repousam em
palácios. Não é adequado que ossos como
os deles descansem em solo comum. Do
outro lado do mar, um grande mausoléu os aguarda, e vim buscá-los para
depositá-los em uma urna de pórfiro e
mármore. Levai esse menino daqui,
homens, e prossegui com o vosso trabalho.
Então
os homens arrancaram, à força, a criança da sepultura, e
arrastando-o, largaram-no deitado
nas margens do gramado. Ele chorava como se o coração estivesse prestes a
romper-se. Os homens escavaram o
sepulcro. Através das lágrimas, o garoto
viu os pequenos ossos brancos serem recolhidos e depositados no caixão de
ébano. Ouviu a tampa ser fechada, e viu
as pás devolvendo a terra ao túmulo. Os
homens pareciam-lhe ladrões. Em
seguida, o ataúde foi erguido e os homens se foram por onde haviam chegado. O
portão gemeu mais uma vez em suas dobradiças. A criança ficou sozinha.
Ele
voltou para casa em silêncio, sem verter uma lágrima, branco como um
fantasma. Quando foi para a cama,
chamou o pai. Disse-lhe que
morreria. Pediu-lhe que o enterrassem
numa pequena sepultura, a que tinha uma
lápide gris cinzelada com um sol nascendo no mar. O pai sorriu, e disse-lhe que
fosse dormir. Mas, quando chegou a
manhã, a criança estava morta!
Sepultaram-na
no lugar de seu desejo. E quando o
gramado estava aplainado, e o cortejo fúnebre partiu, naquela noite uma nova
estrela surgiu no céu para zelar pela pequena sepultura.
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