A REENCARNAÇÃO DE BENJAMIN BREEG
PARTE 1 — HARRY E SEUS NOVOS ANTEBRAÇOS
— Harry, aqui é
seu médico — com sua prótese mecânica, Harry atende com dificuldade o telefone —,
temos uma boa notícia para você: encontramos finalmente um doador. Precisamos que você
esteja no hospital, imediatamente.
Há seis anos que
Harry havia perdido os antebraços em um acidente automobilístico. E nesses
anos, muitas foram às vezes que tentara o uso de próteses, mas os
resultados nunca foram os melhores. E por mais que
imitassem o formato e a cor da pele humana, sempre alguém lhe perguntava se
queria ajuda. De modo que aquelas
próteses estavam longe de substituírem verdadeiramente seus antebraços. Por
isso, tinha entrado para o programa de transplante de membros humanos. Um
programa que se iniciava e que ainda estava em testes, pois o perigo de
rejeição de tecidos era enorme; além da dificuldade de se encontrar um doador compatível.
Contudo, a
cirurgia foi um sucesso, e logo Harry estava pronto para começar as seções de
fisioterapia. E a possibilidade
de rejeição de tecido lhe obrigaria a tomar medicamentos para o resto da vida, enquanto
não houvesse um modo melhor de evitá-la. Porém, os meses de fisioterapia se
passavam com enormes progressos, muito acima das expectativas. Todavia, foi
quando coisas estranhas começaram a acontecer.
A primeira
sensação que sentiu ao mover suas novas mãos e cariciar sua esposa pela primeira vez com mãos verdadeiras, foi como se quem a cariciasse não fosse ele, mas outra pessoa.
Havia nisso um misto excitante de alegria e a sensação de traição, pelas mãos serem de outro homem.
Contudo, mesmo
com todas as dificuldades de adaptação, sua vida transcorria alegrimente, com sua esposa sempre pronta a lhe reconfortar a qualquer momento.
— Helen, você se recorda
de como eram as palmas das minhas mãos antigas?
— Sim, querido.
Eram como essas — disse Helen acariciando suas novas mãos.
— Não falo do
formato, mas de suas linhas. Não tinham uma linha da vida menor?
— Parece que sim.
Significa então que você viverá muito mais agora, querido!
— Pena que não foram de muita serventia para seu antigo dono.
Ao acordar, Harry
sempre tinha as mãos sobre seu sexo, ou de sua esposa. Se por um lado, para ele
isso era natural, já que se devia ao ato de ter de volta tal possibilidade; por
outro, lhe despertava uma estranha sensação: era como se suas novas mãos, aos
poucos, se tornassem independentes de sua vontade, como se estivessem
descobrindo seus corpos; causando-lhe sensações perturbadoras. O que o levou a
consultar um psicólogo.
— Bem, senhor
Harry, alguns pacientes sentem que ao receberem partes de corpos que
não são seus, juntos destes lhes parecem vir também uma parte da personalidade
de seus antigos donos. Isso me parece ser, sem sombra de dúvida, um produto de
suas imaginações. O que não deve lhe preocupar. E assim como há
uma readaptação destes órgãos aos corpos de seus novos donos, deve haver também
uma readaptação psicológica de seus novos donos a eles. Com o tempo estas
sensações devem desaparecer. Não se preocupe — disse-lhe o psicólogo.
Por mais que as palavras
do especialista fossem confortadoras, a sensação de ter partes de outra pessoa se
tornava cada dia mais perturbador para Harry. E embora achasse que poderia vencê-la e se
adaptar a esta nova realidade dos tempos modernos, a verdade era que Harry
sentia-se cada vez mais impressionado com o fato. O que o levava a ter sonhos
com o antigo dono de seus antebraços. Um sonho recorrente passou a dominá-lo,
em que o morto, sem os antebraços, vinha-lhe pedir seus antebraços de volta.
Harry acordava em pânico.
Foi também nesta
época que um novo comportamento estranho começou a dominá-lo.
Durante suas intimidades com sua esposa, o clímax era inevitavelmente acompanhado pelo
desejo incontrolável de esganá-la. O que o levou cada vez mais a evitá-la. E
embora as palavras do psicólogo, não obstante, ecoassem em sua mente, a ideia
anterior ainda lhe perturbava terrivelmente. Levando-o ao desejo mórbido de
conhecer seu doador.
A tarefa não era
nada fácil. O hospital possuía uma forte política de privacidade. Os doadores
tinham seus nomes, como o resto de seus dados, guardados sob sete chaves.
Porém, não parecia a ele ser de tal forma que não pudesse ser tentado.
Lembrou-se então
de um velho amigo de escola, exímio arrombador que agora se entregara integralmente
a esta arte, Thomas Shubb. E imediatamente pôs-se a contactá-lo; encontrando-o
em um bar.
— Soube que
sofreste uma operação, qual foi Harry? — inquiriu o amigo.
— Transplante.
— Coração, suponho?
— Sim.
— Menos mau.
— Por quê?
— Penso que seria
pior algo que mante-se contato com outra pessoa, como um pênis, por exemplo.
Não suportaria. Seria como se houvesse outro homem entre eu e minha esposa, embora
minha mulher, certamente, adoraria. Sabe como é, não pelo tamanho, mas pela
novidade; após alguns anos elas tendem a desejar outros — disse Shubb
ostentando tímido sorriso amarelo nos lábios, e continuou:
— E naquelas horas de solidão, já pensou? Seria como se eu estivesse tocando umazinha para o morto!
— E naquelas horas de solidão, já pensou? Seria como se eu estivesse tocando umazinha para o morto!
— És um sacana, Shubb. Mas vamos ao que me trouxe aqui. Gostaria que fizesse um trabalho para mim.
— Somente um
trabalho sujo traria você até mim, Harry. Se é sobre sua mulher, perdoe meu
comentário – com Shubb ostentando novamente um novo sorriso amarelo nos lábios
e pensando se tratar de um caso de traição.
— O assunto é bem outro, embora a hipótese do trabalho sujo você tenha acertado
em cheio!
— Então, diga.
— Gostaria que
você obtivesse o nome do doador. Seus dados só podem ser obtidos de forma
ilegal.
— Política de
privacidade! Não aceitam devolução, hein? — Com Shubb dando uma sonora gargalhada.
— É que eu gostaria muito
de agradecer à família dele. Seria possível?
— Nada que um bom
dinheiro não compre.
— Evidentemente.
Quanto?
— Três mil.
Metade antes metade depois.
Harry assinou um
check e, junto com seus dados, deu-o a Shubb.
— Bem, nos
encontraremos brevemente, Harry.
Os dias
transcorreram, sem nenhuma novidade, com Harry e seus inconvenientes, até que,
finalmente, Shubb ligou:
— Harry, venha pro
mesmo lugar de antes; traga o pagamento; temos novidade.
Harry pôs-se
imediatamente a caminho, e com a ajuda de um táxi estava agora no lugar
escolhido.
— Quero que
saiba que não foi nada fácil. A coisa é bem guardada, mas nada que alguns
subornos, e arrombamentos, não resolvessem.
— Qual o nome?
— Seu nome era Paul
Benjamin Breeg. Um doador da cadeia de Cottonfield, que foi morto na
cadeira elétrica... Bem, aqui está todas as informações que me foram possíveis.
— E aqui, seu
pagamento.
— Pelo menos,
pode-se dizer que você ganhou uma carga nova de energia, não acha Harry? — com
Shubb às gargalhadas.
Enquanto Harry caminhava em busca de um novo táxi, algumas coisas agora pareciam fazerem sentido para ele, como
as leves marcas que haviam em seus pulsos, ou melhor, do morto. Pareciam serem
de queimaduras, como aquelas que se viam em documentários sobre pena de morte
na cadeira elétrica, devido a condução da eletricidade por meio de gotas de
suor.
Harry entendia agora porque tudo era feito sob extremo sigilo. Era muito fácil alguém se
impressionar com a história do morto. Parecia que ele não tinha dado a devida
atenção às palavras do psicólogo. E qual a diferença que havia entre as mãos de
um assassino e as que eram suas? Todas eram comandadas pelo mesmo cérebro,
seu, e isso que agora importava. Todas eram apenas instrumentos de algo mais
importante, onde, de fato, residia a consciência, a personalidade e a vontade.
Além do mais, o tratamento ia tão bem, ele podia fazer coisas que antes não podia;
coisas simples mais extremamente importante, como escovar os próprios dentes,
ou acariciar sua bela esposa. E, além disso, havia também a possibilidade de
que outros como ele se dessem bem com o novo tratamento. Não era correto atrapalhar uma pesquisa que
ia tão bem, com seus medos infantis. E talvez Shubb não fosse um idiota
completo, Helen nunca tivera outro homem, casou-se com seu primeiro namorado, e
a possibilidade de estar com um homem que é a mescla de outro, talvez atiçasse,
inconscientemente, seus desejos, como um ménage
atrois inconsciente... "Mas isso é algo doentio!, mórbido!, seria o mesmo que transar com um morto, ou
pelo menos com partes de um; pura necrofilia!" — pensou.
Harry nunca
pensara nisso, nunca meditara sobre tantas possibilidades, ou perversidades consequentes; a possibilidade de ter uma vida normal havia obscurecido todas elas. E era
nisso apenas que devia pensar agora.
Então, Harry, ao
chegar em casa, desprezou aquele papel dentro de um fundo escuro de uma gaveta
qualquer.
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