quarta-feira, 11 de abril de 2018

INVESTIGANDO A LENDA DA MULHER EMPAREDADA VIVA, DE RECIFE

INVESTIGANDO A LENDA DA MULHER EMPAREDADA VIVA, DE RECIFE

CONTAM ANTIGOS MORADORES de Recife, Pernambuco, que há muito anos atrás, um pai desalmado após saber que sua única filha havia engravidado de alguém que não merecia ter-lhe por sogro, a amarrou, e com a ajuda de um pedreiro, a emparedou em um pequeno cubículo de sua casa para que esta ali morresse, e o lugar se transformasse em seu túmulo. Após tão trágico fato, há quem jure, de pés juntos, que o lugar próximo onde aconteceu o ocorrido, na Rua Nova, desde então é assombrado pelo espírito da emparedada, que aparece para desavisados com sua imagem fantasmagórica segurando uma criança, que seria seu filho.

Tal lenda urbana é bastante popular em Recife, com profundas raízes no imaginário popular da cidade. E acreditando que toda lenda urbana tem um quê de verdade, o blog BORNAL se dedica agora a investigar suas origens.

O LIVRO “A EMPAREDADA DA RUA NOVA”
De início descobrimos que há um livro que relata o suposto crime, sendo tão antigo quanto a lenda, trata-se do livro “A Emparedada da Rua Nova”, de autoria do escritor Carneiro Vilela (1864 - 1913), que foi bastante popular em sua época, tendo sido publicado em partes no periódico “Jornal Pequeno”, de agosto de 1909 a janeiro de 1912.

O livro conta a trágica história da família de Jaime Favais, um rico comerciante que, em finais do séc. XIX, é dono de um sobrado na Rua Nova, localizado no bairro de Santo Antônio, na época, um bairro nobre, onde no térreo, Jaime tinha seu comércio.


Rua Nova, nos Finais do séc. XIX

Ao descobrir que sua única filha, Clotilde, havia engravidado de um malandro, chamado Leandro - que para piorar ainda mais o fato, era também amante de sua mulher, Josefina -, Jaime Favais manda matar o malandro, e em seguida, pede para que um de seus sobrinhos case com sua filha. Porém, percebendo que o sobrinho não aceita a proposta, Jaime Favais traça um trágico destino para sua filha: com a ajuda de um pedreiro, o pai a amarra e a empareda em um dos banheiros de seu sobrado.


Casarões Antigos da Rua Nova, Recife
Em seguida, o pai viaja com a esposa para Portugal, onde Josefina, sua mulher, vem a falecer. Com o tempo, Jaime Favais volta a morar no casarão em Recife, passando a ser perturbado por visões fantasmagóricas da mulher e da filha mortas.

“Durante as noites, acontecia-lhe acordar sobressaltado como se houvessem soado ao pé de si gemidos lúgubres e abafados. Outras vezes parecia-lhe ver surgir ao seu lado o espectro esquálido e medonho da sua mulher ou a figura branca e vaporosa de sua filha.”

Curiosamente, no penúltimo capítulo do livro, o autor Carneiro Vilela afirma que sua história foi contada a ele por uma ex-escrava, de nome Joana, que, no ano de 1884, trabalhou como criada para ele; afirmando também que ‘é às suas informações que se deve o conhecimento exato de parte das cenas íntimas e violentas da família Favais’.

TERIA SIDO REAL A HISTÓRIA DA EMPAREDADA?
Pesquisadores argumentam que ao afirmar que sua história foi contada por uma criada, o autor parece se proteger de qualquer evidência que por ventura possa contradizer ser sua história verdadeira. Isto é, o autor dá a sua história detalhes que esta parece ser verdadeira, porém sem mostrar fatos que comprovem que ela existiu; um artifício usado por escritores para chamar mais atenção do público para sua obra. O que torna evidente que o autor não relata um caso verdadeiro de emparedamento num sobrado da Rua Nova, sendo, portanto, apenas criação sua.


Edgar Allan Poe e seu Famoso Gato Preto

Muitos têm afirmado que a estória da mulher emparedada viva, de Carneiro Vilela, nada mais é do uma versão do conto “O Gato Preto” de Edgar Allan Poe, autor que certamente Vilela conhecia, e que o influenciou.


No conto “O Gato Preto”, o personagem, apesar de gostar de animais, é tomado por uma espécie de loucura, passando a maltratar os animais, e por fim direcionando sua raiva para o felino, é quando ao tentar matá-lo, sua mulher protege o gato, porém o homem a mata, e esconde seu corpo atrás da parede de sua casa.

O EMPAREDAMENTO, UM COSTUME ANTIGO E BIZARRO DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS
Mas teria sido o ato de emparedar alguém vivo apenas fruto da imaginação de Carneiro Vilela e da influência do conto de Edgar Allan Poe em seu livro “A Emparedada da Rua Nova”?

Segundo o estudioso Reinaldo Carneiro Leão, curador do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, “Há pelo menos três casos, aqui no Recife, de casas com paredes falsas no porão e esqueletos dentro”.

Sim, o ato de emparedar alguém não era apenas fruto da imaginação do escritor Carneiro Vilela. O emparedamento era um costume bizarro e relativamente comum no passado de nosso país, embora para tais estudiosos não há como saber se tais pessoas foram mesmo postas vivas em tais cubículos, ou era apenas formas de esconder cadáveres de escravos, ou como modo de ocultar cadáveres de familiares que morressem com alguma doença que pudesse causar vergonha à família.

RELATOS DO FANTASMA DA EMPAREDADA
E o fantasma da Emparedada assombra mesmo um velho prédio da Rua Nova? Há quem diga que sim e jure de pés juntos que o fantasma ainda é visto no local onde teria acontecido toda a tragédia. Uma testemunha (que prefere o anonimato) conta, por exemplo, que foi vendedora de uma das lojas da área e acabou presenciando situações bem difíceis de explicar:

“A loja tinha até o quarto andar. Uma vendedora colega minha foi guardar a bolsa no primeiro andar, que era onde a gente almoçava. Quando ela chegou lá, encontrou uma moça com um bebê no braço. Minha colega cumprimentou a moça: ‘Boa tarde! Tudo bem?’ A mulher só acenou com a cabeça, sem dizer nada, e minha colega desceu para o térreo, onde a gente trabalhava. Quando chegou lá, perguntou quem era a tal moça que estava com uma criança no quarto andar. Todo mundo estranhou e não soube dizer. Eu e ela resolvemos subir para tirar o caso a limpo. Na sala não encontramos nada, não tinha ninguém! Então nós ficamos em pânico e ninguém quis mais subir no primeiro andar. Tinha também um senhor que era clientes da loja. Quando ele chegava lá, ficava olhando para as paredes e dizendo: ‘Tô todo arrepiado! Quando era pequeno, minha mãe me contou que história da emparedada. Foi aqui, tenho certeza’. E ele saía da loja bem ligeiro depois de comprar o precisava.”

Se foi a fictícia história contada no livro “A Emparedada da Rua Nova”, do escritor Carneiro Vilela, que deu origem à lenda urbana do fantasma da mulher emparedada, como afirma estudiosos, como se explica então os inúmeros relatos da aparição da mesma?

Penso que uma boa forma de explicar os relatos é acreditar que tais lendas estão tão entranhadas na imaginação popular que qualquer vulto, ou mesmo o fenômeno da pareidolia (ato de conceber imagens de objetos e atribuir-lhes formas humanas) é concebido segunda a lenda mais popular que conhecemos, principalmente quando há uma ligação entre o lugar que ocorre a “assombração” e o lugar onde ocorreu o suposto fato contado pelas lendas.


Acima, Exemplos de Pareidolia

Seria mesmo esta a explicação correta para os relatos sobre o fantasma da mulher emparedada? Ou teria sido mesmo verdadeiro o relato de Joana, a criada que teria contato a história para o escritor Carneiro Vilela, e o fantasma da jovem Clotilde estaria ainda a assombrar a área do velho casarão?

FONTES: O Recife Assombrado

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