sexta-feira, 11 de novembro de 2016

UMA NOITE NO CEMITÉRIO DE ANIMAIS


UMA NOITE NO CEMITÉRIO DE ANIMAIS

Quando a lua cheia brilha sobre o arco de tábuas do velho cemitério, onde duendes e gnomos se põem a dançar, é quando fantasmas de antigos cavaleiros montados em seus cavalos de ossos se reunem no velho cemitério de animais para guiarem os espíritos destes até a velha capela para novamente trazê-los à vida. Era o que dizia uma antiga lenda sobre o cemitério de animais.
E com o vento frio e o cheiro de morte em volta, pulamos o muro do velho cemitério de animais para desvendarmos tal mistério.


A lua cheia clareava os pequenos túmulos dos animais; líamos seus nomes; olhávamos suas imagens com seus donos e ficávamos a imaginar suas vidas. E, após andarmos por alguns instantes, deparamo-nos, finalmente, com nosso destino: a velha capela, onde passaríamos as próximas horas da madrugada.
E, estando abandonada há anos, não foi difícil penetrá-la, nos alojando do frio e das rajadas de vento.
Ouvíamos o barulho do vento por entre os pequenos túmulos; o sacudir dos galhos das árvores, que nutriam-se há anos de seus pequenos cadáveres, a descrever com seus galhos sombras assustadoras; o cair de seus frutos soavam como o estalar de ossos distantes.
— A noite será de inútil espera — disse eu a Victor.
— Minha bateria está pra acabar, não quero ficar aqui sem música.
— O que você está ouvindo?
— Pet Sematary, dos Ramones — disse Victor pondo novamente seus fones de ouvidos.
— Então vamos tirar fotos do lugar e ir logo embora, aqui é de arrepiar.
— Não, faltam apenas duas horas para clarear o dia.
* * *
Já cochilávamos, quando passos minúsculos inundaram a pequena capela; passos invisíveis a se rastejar e se espalhar por todos os cantos, seguidos por guinchos assustadores; fazendo-nos acordar com olhos arregalados... Vimos então que não eram apenas ratos, mas ratos enormes de cemitério, com seus grandes caninos e molares que deviam triturar o que ainda restavam dos corpos em suas covas, e que vinham se alimentando destes há séculos... Foi quando um vulto negro entrou assustadoramente pela porta da capela...
Lendas assustadoras; segredos blasfemos de cultos subterrâneos sob antigos cemitérios, de entidades espectrais cujos poderes eram exercidos sobre ratos, transformando-os em mensageiros do mundo subterrâneo dos mortos, roubando-lhes os cadáveres para seus festins diabólicos em tumbas subterrâneas, nos veio à memória.
O espectro foi até ao altar, benzeu-se, e virou-se em nossa direção, obrigando-nos a deitarmos no chão. Foi quando Victor sentiu algo entre suas pernas, a se rastejar por debaixo de suas calças até seu peito e, em seguida, até seu pescoço: um enorme rato lhe encarava com suas enormes presas, que, aos poucos, fora seguido por dezenas de outros. E embora não escondesse o nojo por tais criaturas, se mantinha impassível, sem mexer nenhum de seus músculos, pois havia descoberto, naquele momento, que temia mais fantasmas do que qualquer animal vivo.
Os ratos farejavam seu queixo, lambiam seus lábios, seus olhos... Suas caldas enfiavam-se em sua boca, seus longos bigodes roçavam suas narinas, mas Victor continuava impassível, segurando o espirro. Até que todo seu rosto fora tomado por um monte monstruoso e disformes de ratos, que se contorciam e se embolavam como um grande bolo de vermes. Foi quando levantou-se subitamente fugindo aos gritos.
Corremos por entre pequenas sepulturas; cruzávamos pequenos mausoléus, até que fomos engolidos por um velho túmulo, caindo por sobre centenas de ossos. O lugar era profundo e escorregadio. Ao tentarmos subir escorregávamos para o mesmo lugar, afundando cada vez mais entre os milhares de ossos de animais que se acumulavam ali há anos. Foi quando novamente ouvimos o guinchar que vinha de uma cavidade abaixo: eram os milhares de ratos que chiavam, e que vinham ao nosso encontro. Com as lanternas dos celulares iluminamos a cova, verificando um túnel adjacente a um de seus lados, que dava para passar um homem; o penetramos.
O ar ali era irrespirável e fétido, agachados, gatinhávamos sobre sua superfície úmida, com torrões de areias pútridas a cair sobre nossas cabeças. Cansados, por caminhar por inúmeros minutos, paramos para descansar um pouco, acreditando tê-los despistados. Iluminamos o túnel a nossa frente, verificando que era forrado por ossos e restos de roupas rasgadas. O túnel era quente e úmido, parecia não ter fim; foi quando um terrível som estridente se juntou ao som de nossas respirações ofegantes; iluminamos atrás de nós e vimos dezenas de olhos famintos que brilhavam contra a luz: os ratos eram agora dezenas de milhares, que vinham atrás do que parecia ser seu alimento preferido: carne humana.
— Não quero ser enterrado em um maldito cemitério de animais — disse Victor com olhos vermelhos.
— Pra mim isso é o que menos me importa agora. Vamos...
Gatinhávamos o mais rápido que podíamos, até o túnel se tornar tão estreito que passamos a nos arrastar feito vermes, nos atolando cada vez mais no líquido espesso e pútrido que há séculos era produzido por milhares de corpos de animais em decomposição. E ao chegarmos ao fim do mesmo, os ratos logo nos alcançaram, roendo nossos sapatos com ferocidade. E estando eles prontos a devorarem nossos pés, algo de miraculoso aconteceu naquele instante: uma luz inundou o ambiente, e mãos puseram-se a levantar-nos:
— Criaturas dos infernos! Vamos, subam logo.
Tínhamos alcançados um túmulo raso, que fora aberto, e mãos fortes nos havia salvado de nosso destino trágico.
O homem, que se assemelhava a um mendigo, parecia ser o mesmo que com sua capa preta havia penetrado na pequena capela algumas horas antes. Ele nos pediu cigarro, dizendo-nos que há décadas não fumava. E após explicarmos o porquê de todo nosso infortúnio, ele se pôs a falar:
— Vamos. O encontro já está para começar...



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