Este
conto é uma singela homenagem antecipada ao centenário do livro “A Metamorfose”
de Franz Kafka, escrito em novembro de 1912. Um dos primeiros livros que li.
A BARATA OU SOB A LEI DE MURPHY
(Lei de Murphy: Se alguma coisa pode dar
errado, dará. E mais: dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo
que cause o maior dano possível.)
O SUOR JÁ MOLHAVA SEU ROSTO, neste
momento contraído pela dor dilacerante que sentia. Precisava urgentemente de um
banheiro. O banheiro mais próximo estava apenas a alguns metros.
Era um daqueles sujos, fétidos e nauseantes
banheiros de bar, em que os excrementos pareciam se acumular a anos.
Ao sentar-se e sentir as primeiras
sensações de alívio, algo lhe chama a atenção: uma barata passeia livremente
pelo chão imundo e salpicado de excrementos humanos.
Uma barata, inseto que desde pequeno lhe
causava repulsa, não tanto como efeito do medo, ou da fobia de ser atacado e
devorado por terríveis animais, mas pelo nojo que tal ser lhe inspirava. Ser
que estava tão bem adaptado e à vontade em tão inóspito lugar.
Como se não bastasse as dezenas de
moscas, que incansavelmente tentavam penetrar-lhe os orifícios, havia esta nova
ameaça. Porém, sentia-se um pouco como parte daquele lugar. Afinal, sua vida
até aquele momento tinha sido uma grande merda! Sentia vontade de acabar, ao
puxar a descarga, com tudo aquilo. Porém, mesmo que pudesse não conseguiria, já
que ali nada parecia funcionar.
O inseto parecia olhá-lo, desafiá-lo.
Interpretava isto como uma forma do inseto demonstrar sua superioridade, sua
maravilhosa adaptação àquele lugar. Já não sabia se defecava ou se vigiava a
ameaça ali existente. Sentia-se humilhado e prostrado por tal ser, afinal, este
parecia bem mais adaptado àquele banheiro, que ele à sua vida.
De repente, o inseto ensaia um voo em
sua direção, contorna-o e pousa em meio ao chão. Desesperadamente tenta
esmagá-lo com os pés... não consegue.
Mirando-o de longe, o inseto parece
ruminar um próximo ataque...
Ao lembrar-se de sua infância, recorda-se,
desesperadamente, que era ótimo em cuspe à distância. Prepara-se e tenta uma,
duas, três, quatro vezes, mas, novamente, não consegue acertá-lo.
Um novo voo rasante... Desta vez tenta
esmagá-lo com um livro que ganhara: A
METAMORFOSE de FRANZ KAFKA. A
idéia parecia ter dado certo, pois a barata aparentemente sumira. Procura-a na
parede, no chão, entre as folhas do livro, não a encontra.
Ao menos por algum momento a paz tão procurada!
Volta novamente a concentrar-se em seu ato escatológico.
Inesperadamente, sente uns espetar entre
suas nádegas, como pequenos espinhos levemente pressionados contra a pele, que
caminham a esmo. Não tem dúvida, a barata não está morta. Pula desesperado de
sua latrina, com movimentos frenéticos. Durante os quais deixa cair sua aliança
sob os dejetos, que agora aumentara grandemente. Enlouquecido por tal ato tenta
um último ataque definitivo. Vasculha cada palmo de chão; lambuza-se de
excrementos, ao vasculhar cada buraco, cada brecha no chão. A loucura parece
mesmo ter invadido sua alma; e novamente, não a encontra!
Ao tentar recuperar sua aliança,
encontra o inseto maldito entre seus excrementos. Orgulhoso, rindo às
gargalhadas, despeja seus últimos excrementos sobre tal ser, como forma de
afogá-lo. Porém o inseto ainda se mantém vivo. Atormentado por tal visão
encontra casualmente uma velha lata de inseticida, escondida entre o lixo no
chão. Para sua felicidade ela ainda possui um pouco de seu conteúdo. E ao
despejar o conteúdo na criatura, contempla com prazer a criatura debater-se.
Finalmente, ao esvaziar toda a lata em
tal ser, obtém a morte tão esperada. Senta-se, e respira tranquilamente.
Senti-se como um grande e poderoso rei em seu trono, ao final de uma longa e terrível
batalha.
Encontra um último cigarro na carteira
em seu bolso. Como prêmio, o acende, tragando-o vagarosamente, enquanto
relembra, às gargalhadas, todo o ocorrido.
Após o último trago, joga a ponta de
cigarro na privada que, ao contato com o inseticida inflamável, incendeia,
queimando sua bunda, com queimaduras de terceiro grau.
Este foi mais um dia sobre a lei de
Murphy!
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