sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A BARATA OU SOB A LEI DE MURPHY (de Bosco Silva)




Este conto é uma singela homenagem antecipada ao centenário do livro “A Metamorfose” de Franz Kafka, escrito em novembro de 1912. Um dos primeiros livros que li.

A BARATA OU SOB A LEI DE MURPHY

(Lei de Murphy: Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais: dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível.)


O SUOR JÁ MOLHAVA SEU ROSTO, neste momento contraído pela dor dilacerante que sentia. Precisava urgentemente de um banheiro. O banheiro mais próximo estava apenas a alguns metros.

Era um daqueles sujos, fétidos e nauseantes banheiros de bar, em que os excrementos pareciam se acumular a anos.

Ao sentar-se e sentir as primeiras sensações de alívio, algo lhe chama a atenção: uma barata passeia livremente pelo chão imundo e salpicado de excrementos humanos.

Uma barata, inseto que desde pequeno lhe causava repulsa, não tanto como efeito do medo, ou da fobia de ser atacado e devorado por terríveis animais, mas pelo nojo que tal ser lhe inspirava. Ser que estava tão bem adaptado e à vontade em tão inóspito lugar.

Como se não bastasse as dezenas de moscas, que incansavelmente tentavam penetrar-lhe os orifícios, havia esta nova ameaça. Porém, sentia-se um pouco como parte daquele lugar. Afinal, sua vida até aquele momento tinha sido uma grande merda! Sentia vontade de acabar, ao puxar a descarga, com tudo aquilo. Porém, mesmo que pudesse não conseguiria, já que ali nada parecia funcionar.

O inseto parecia olhá-lo, desafiá-lo. Interpretava isto como uma forma do inseto demonstrar sua superioridade, sua maravilhosa adaptação àquele lugar. Já não sabia se defecava ou se vigiava a ameaça ali existente. Sentia-se humilhado e prostrado por tal ser, afinal, este parecia bem mais adaptado àquele banheiro, que ele à sua vida.

De repente, o inseto ensaia um voo em sua direção, contorna-o e pousa em meio ao chão. Desesperadamente tenta esmagá-lo com os pés... não consegue.

Mirando-o de longe, o inseto parece ruminar um próximo ataque...

 Ao lembrar-se de sua infância, recorda-se, desesperadamente, que era ótimo em cuspe à distância. Prepara-se e tenta uma, duas, três, quatro vezes, mas, novamente, não consegue acertá-lo.

Um novo voo rasante... Desta vez tenta esmagá-lo com um livro que ganhara: A METAMORFOSE de FRANZ KAFKA. A idéia parecia ter dado certo, pois a barata aparentemente sumira. Procura-a na parede, no chão, entre as folhas do livro, não a encontra.


Ao menos por algum momento a paz tão procurada! Volta novamente a concentrar-se em seu ato escatológico.

Inesperadamente, sente uns espetar entre suas nádegas, como pequenos espinhos levemente pressionados contra a pele, que caminham a esmo. Não tem dúvida, a barata não está morta. Pula desesperado de sua latrina, com movimentos frenéticos. Durante os quais deixa cair sua aliança sob os dejetos, que agora aumentara grandemente. Enlouquecido por tal ato tenta um último ataque definitivo. Vasculha cada palmo de chão; lambuza-se de excrementos, ao vasculhar cada buraco, cada brecha no chão. A loucura parece mesmo ter invadido sua alma; e novamente, não a encontra!

Ao tentar recuperar sua aliança, encontra o inseto maldito entre seus excrementos. Orgulhoso, rindo às gargalhadas, despeja seus últimos excrementos sobre tal ser, como forma de afogá-lo. Porém o inseto ainda se mantém vivo. Atormentado por tal visão encontra casualmente uma velha lata de inseticida, escondida entre o lixo no chão. Para sua felicidade ela ainda possui um pouco de seu conteúdo. E ao despejar o conteúdo na criatura, contempla com prazer a criatura debater-se.

Finalmente, ao esvaziar toda a lata em tal ser, obtém a morte tão esperada. Senta-se, e respira tranquilamente. Senti-se como um grande e poderoso rei em seu trono, ao final de uma longa e terrível batalha.

Encontra um último cigarro na carteira em seu bolso. Como prêmio, o acende, tragando-o vagarosamente, enquanto relembra, às gargalhadas, todo o ocorrido.

Após o último trago, joga a ponta de cigarro na privada que, ao contato com o inseticida inflamável, incendeia, queimando sua bunda, com queimaduras de terceiro grau.

Este foi mais um dia sobre a lei de Murphy!
     


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